O ministro do STF, Ricardo Lewandowski alerta para os riscos do semipresidencialismo. Golpe?
É preciso cuidar para que a história não seja reencenada como pantomima.
Ricardo Lewandowski – Um conhecido filósofo alemão, ao escrever sobre o golpe de Estado que levou Napoleão 3º ao poder na França em 1851, concluiu que todos os fatos e personagens de grande importância na história se repetem, “a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”.
Aqui, a proposta de adoção do semipresidencialismo, ligeira variante do parlamentarismo, que volta a circular às vésperas das eleições de 2022, caso venha a prosperar, possivelmente reeditará um passado que muitos prefeririam esquecer.
O parlamentarismo consolidou-se entre nós no Império, durante o Segundo Reinado, a partir de um decreto de dom Pedro 2º, assinado em 20 de julho de 1847, que criou o cargo de presidente do Conselho de Ministros. Cabia a este, depois de nomeado pelo monarca, titular do Poder Moderador, indicar os demais membros do ministério.
Ao contrário, porém, do que ocorre no parlamentarismo britânico, em cujo modelo o brasileiro teria se inspirado, o imperador podia nomear quem lhe aprouvesse como primeiro-ministro, mesmo que não representasse o partido detentor da maioria das cadeiras no Parlamento. Podia, inclusive, fazê-lo antes mesmo das eleições, como lhe facultava a Constituição de 1824. Daí ser chamado de “parlamentarismo às avessas”.
Com a Proclamação da República em 1889, à semelhança da grande maioria dos países americanos, o Brasil adotou o presidencialismo, o qual perdurou, com altos e baixos, até a renúncia de Jânio Quadros em 25 agosto de 1961, cujo sucessor constitucional era o seu vice-presidente, João Goulart, à época em viagem oficial à China.
Diante das resistências à sua posse por parte de setores conservadores da sociedade, que o vinculavam ao sindicalismo e a movimentos de esquerda, instalou-se um impasse institucional. Para superá-lo, o Congresso Nacional aprovou, em 2 de setembro do mesmo ano, uma emenda constitucional instituindo o parlamentarismo.
Com isso, permitiu a posse de Goulart, embora destituído de grande parte dos poderes presidenciais, que passaram a ser exercidos por um gabinete de ministros chefiado pelo ex-deputado Tancredo Neves.
A mudança do sistema de governo, todavia, longe de arrefecer a crise política, acabou por ampliá-la, levando à convocação urgente de um plebiscito, marcado para o dia 6 de janeiro de 1963, no qual o povo, por expressiva maioria, decidiu pelo retorno ao presidencialismo.
Com os poderes presidenciais recuperados, Goulart anunciou as chamadas “reformas de base”, que compreendiam, dentre outras, a desapropriação de latifúndios rurais, a extensão do voto aos analfabetos, a limitação à remessa de lucros para o exterior, a redefinição do uso do solo urbano, a encampação de refinarias de petróleo privadas e a ampliação da carga tributária. Foi derrubado, logo em seguida, sendo sendo substituído por uma junta militar, após 31 de março de 1964.
Com a volta da democracia, os constituintes de 1988 retomaram o presidencialismo, prevendo, no entanto, a convocação de um novo plebiscito sobre o tema. A consulta popular ocorreu em 21 de abril de 1993, tendo os eleitores rejeitado maciçamente o parlamentarismo.
Agora ressurgem, aqui e acolá, iniciativas para a introdução do semipresidencialismo no país, a rigor uma versão híbrida dos dois sistemas, em que o poder é partilhado entre um primeiro-ministro forte e um presidente com funções predominantemente protocolares.
Embora atraente a discussão, do ponto de vista doutrinário, é preciso cuidar para que a história não seja reencenada como pantomima.
*Ricardo Lewandowski/Folha
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