Procuradores da operação Lava Jato de Curitiba defenderam a prisão do advogado e ex-deputado Wadih Damous (PT-RJ). O diálogo aparece em petição apresentada pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nesta segunda-feira (22) ao Supremo Tribunal Federal (STF). O diálogo faz parte das conversas dos procuradores que foram hackeadas e apreendidas pela Polícia Federal no curso de investigação da Operação Spoofing.
Na conversa, um procurador identificado como Paulo informa que Damous havia deixado o mandato na Câmara. “Wadih Damous era suplente e agora o titular voltou… será que tem material para investigação contra”, diz o procurador.
Poucos minutos depois, outro procurador identificado como Athayde, provavelmente Athayde Ribeiro Costa, defende a prisão de Wadih Damous. “Esse fdp merece grade.. e qdo quiser colaborar vamos virar as costas pq ele disse q preso não faz espontaneamente”, afirmou.
Wadih Damous assumiu o cargo de deputado federal em 2015, na vaga do deputado Fabiano Horta (PT-RJ). Um dos parlamentares mais ativos na denúncia das ilegalidades da Lava Jato, Damous permaneceu no cargo até maio de 2015.
Na mesma petição ao STF, a defesa do ex-presidente Lula mostra que, em conversa com o procurador Deltan Dallagnol, o então juiz Sergio Moro enviou um dossiê aos procuradores sobre decisões do ministro do Marcelo Navarro Ribeiro Dantas, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por discordar das decisões do magistrado em relação à Lava Jato. Pouco depois, Ribeiro Dantas deixou de ser relator dos processos da operação na corte.
O processo penal é uma boa chave de análise da qualidade de uma democracia. Por meio dele podemos avaliar de que forma o Estado se relaciona com a liberdade de seus cidadãos, qual é a eficácia dos direitos e garantias fundamentais e se a persecução penal é feita na perspectiva do Estado de Direito.
Diante disso, se encontramos nos órgãos jurisdicionais uma forte cultura inquisitória, podemos constatar que o Estado mantém uma relação autoritária com os indivíduos, no sentido de vê-los muito mais como inimigos do que como cidadãos.
Por outro lado, se os órgãos jurisdicionais veem o processo penal como uma garantia do acusado e exercem sua função institucional dentro dos limites do sistema acusatório, podemos concluir que a interdição penal — necessária para o processo civilizatório — acontece dentro dos parâmetros do Estado de Direito.
Com base nesse critério, podemos observar que infelizmente a situação não é muito boa para o Brasil. Em tempos de lavajatismo, e após a divulgação das conversas entre o juiz Sergio Moro e “seus” procuradores da República, o lado mais sombrio do Estado brasileiro tornou-se ainda mais explícito: muitos juízes e membros do Ministério Público persistem numa posição de desprezo pelo Estado de Direito.
Apesar da promulgação de uma Constituição que rompeu com 21 anos de ditadura militar, ainda permanece a noção de que o acusado deve ser tratado não a partir dos limites estabelecidos por seus direitos e garantias fundamentais, mas sim como inimigo do Estado. Uma noção sempre utilizada por regimes de exceção e que, antes do paradigma constitucional instaurado em 1988, se fez presente por meio da doutrina de segurança nacional. Por sinal, foi com base nessa doutrina que a ditadura militar suspendeu a garantia do Habeas Corpus para pessoas enquadradas na Lei de Segurança Nacional.
Passaram-se muitos anos desde a aprovação do Ato Institucional nº 5 e o país se redemocratizou. O ministério Público deixou de ser um mero auxiliar do Poder Executivo e tornou-se fiscal da lei. O Poder Judiciário reconquistou sua autonomia funcional. Mas o entendimento de que os direitos e garantias fundamentais não passam de meros detalhes permaneceu entre alguns agentes públicos. Foi o que os procuradores federais da lava jato manifestaram em diálogos pelo Telegram logo após a divulgação ilegal da interceptação telefônica das conversas entre Lula e a então presidente Dilma Rousseff.
Diante do vazamento, o procurador Januário Paludo sustentou que a ilegalidade da divulgação não passava de filigrana jurídica. Opinião seguida por Deltan Dallagol ao defender que, “a questão jurídica é filigrana dentro do contexto maior que é político”. Ou seja, no tratamento oferecido ao inimigo, ilegalidades podem ser praticadas.
Em regimes democráticos, o sistema acusatório determina que a acusação e o órgão jurisdicional atuem de forma separada, de maneira a garantir a imparcialidade do juiz no julgamento do processo penal. Nos tempos da “Santa” Inquisição, a mesma pessoa encarregava-se do julgamento, da investigação e da acusação. Sem esquecer, é claro, do uso da tortura como um meio para obter a confissão do acusado. O tempo da fogueira inquisitorial passou, mas a operação lava jato não abriu mão do sistema inquisitório nas suas intenções quase “messiânicas” de guerra “santa” contra a corrupção.
Em vez do Ministério Público Federal atuar com independência ao longo das investigações, o que se viu foi a total subserviência dos procuradores em relação ao verdadeiro chefe da operação, o juiz Sergio Moro. Em muitas mensagens os procuradores afirmavam que, antes de tomarem alguma posição, o juiz Moro precisava ser consultado.
Foi o caso da mensagem do procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, que em conversa com seus colegas confidenciou a preocupação de manter “o russo [Sergio Moro] informado, bem como [permanecer] atento aos humores dele”. Nesse sentido, o órgão jurisdicional e o ministério público deixaram de ser instituições separadas, com autonomia funcional, para atuarem como se fossem um mesmo órgão sob a chefia do juiz Moro.
Para que o juiz permaneça na posição de expectador durante todo o processo, também é importante garantir que a gestão das provas permaneça sob a responsabilidade exclusiva das partes. Sempre levando em consideração a presunção de inocência, que no caso transfere para o acusador toda a responsabilidade pelo ônus da prova. Se no decorrer do processo penal as provas para a condenação são insuficientes, prevalece o princípio do in dubio pro reo.
Não cabe ao juiz produzir provas ou orientar como as partes devem usá-la. No entanto, apesar das limitações impostas pela Constituição, o juiz Moro mais uma vez abandonou a imparcialidade para determinar que o ministério público devia incluir uma prova contra um réu da lava jato. De acordo com as conversas do Telegram, Deltan comunicou a procuradora Laura Tessler que o juiz Moro havia chamado a atenção para a ausência de uma prova na denúncia contra Zwi Skornicki.
“Laura no caso do Zwi, Moro disse que tem um depósito em favor do [Eduardo] Musa [da Petrobras] e se for por lapso que não foi incluído ele disse que vai receber amanhã e dá tempo. Só é bom avisar ele”, diz Deltan.
“Ih, vou ver”, responde a procuradora.
No dia seguinte a esse diálogo, a procuradoria incluiu um comprovante de depósito e o juiz Moro aceitou a denúncia.
A operação “lava jato” não foi um ponto fora da curva. O juiz Sergio Moro e “seus” procuradores seguiram a tendência dominante dentro do processo penal brasileiro, baseada na cultura inquisitória. Mas, além do comportamento Torquemada de muitos juízes e promotores, o que também é possível atestar por meio da permanência da cultura inquisitória é a resistência de muitos agentes públicos contra qualquer controle constitucional de suas funções. Sendo assim, em vez do processo penal ser compreendido como uma garantia de que o acusado terá um julgamento justo da parte do órgão jurisdicional do Estado; o que se percebe é que, nas mãos de quem vê os direitos e garantias fundamentais como meras filigranas jurídicas, o processo penal é apenas um instrumento de poder e repressão, numa noção típica de agentes públicos que resistem ao Estado de Direito por meio do mandonismo.
Desse modo, ao medir a qualidade da democracia brasileira por meio do processo penal, podemos concluir que o entulho autoritário de outras épocas ainda insiste em deixar a Constituição cidadã de lado para manter de pé o paradigma amigo/inimigo.
Lançada em 2014, a importante Operação Lava Jato (Lava Jato) teve como objetivo combater a corrupção nos mais altos escalões da política e dos negócios brasileiros. Encerrada no início de fevereiro deste ano, a força-tarefa agora está sendo examinada por causa de novas revelações – desta vez, porém, o foco não são os bilhões de dólares em subornos pagos a grupos políticos, mas os investigadores e juízes envolvidos na operação – arrecadação perguntas sobre a cooperação das autoridades suíças.
Nos últimos seis anos, a Suíça tem desempenhado um papel importante no maior drama anticorrupção de todos os tempos no Brasil, a Operação Lava Jato (“lava-carros” em português). A operação desenterrou negociações duvidosas de algumas de suas principais corporações e partidos políticos.
Como parte de seu acordo para prestar assistência jurídica ao Brasil, a Procuradoria-Geral da Suíça (OAG) congelou mais de mil contas em 40 bancos diferentes, totalizando mais de US $ 1,1 bilhão (CHF970 milhões). Um total de 210 pedidos oficiais de colaboração para investigar suspeitos foram feitos pelos brasileiros. Sem a Suíça, muitos casos no Brasil dificilmente teriam sido levados a julgamento. No total, foram devolvidos ao Brasil mais de US $ 700 milhões (CHF 620 milhões) em contas em Genebra, Lugano e Zurique.
No entanto, revelações recentes lançaram uma nova luz sobre como os promotores suíços e brasileiros cooperaram. De acordo com documentos divulgados pelo Supremo Tribunal Federal, parte da troca de informações sobre contas bancárias e nomes de suspeitos foi compartilhada por meio do aplicativo de mensagens instantâneas Telegram, e não pelos canais oficiais.
As revelações imediatamente levantaram questões: os investigadores de diferentes países podem trocar legalmente informações de maneira informal? Eles violaram os acordos de cooperação? Eles minaram o Estado de Direito?
O conluio é importante
Essa história começou em 2019, quando hackers obtiveram acesso aos telefones dos promotores brasileiros e, principalmente, a centenas de mensagens trocadas no Telegram. Quando os detalhes chegaram à imprensa naquele ano, surgiram as primeiras evidências de conluio entre o então juiz Sergio Moro, responsável pelo julgamento dos casos, e os promotores que deveriam investigar a corrupção.
Com o início das operações anticorrupção, em 2014, Moro alcançou uma espécie de status de herói nacional, em um país faminto por mudanças em seu sistema político e por acabar com a corrupção endêmica.
Uma de suas decisões mais relevantes foi condenar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por corrupção em processo ainda contestado por juristas por se basear em provas fracas ou inexistentes.
Os chats vazados, expostos pela primeira vez na mídia brasileira em 2019, confirmaram essas dúvidas, gerando condenação mundial à prisão de Lula.
“Ficamos chocados ao ver como as regras fundamentais do devido processo legal brasileiro foram violadas sem nenhuma vergonha. Em um país onde a justiça é igual para todos, um juiz não pode ser juiz e parte no processo ”, disse um comunicado conjunto assinado por Susan Rose-Ackerman (Escola de Direito da Universidade de Yale), Herta Daubler-Gmelin (ex-ministra da Justiça alemã ), Baltasar Garzón (juiz espanhol famoso pelo processo de Pinochet), entre outros.
Lula ficou de fato impossibilitado de participar da corrida presidencial de 2018, que liderava, abrindo caminho para a eleição do candidato da extrema direita Jair Bolsonaro.
Foi o próprio Bolsonaro quem, uma vez no poder, nomeou Moro como seu Ministro da Justiça. E foi nessa nova função que o ex-juiz autorizou uma operação policial para apreender o material dos hackers e prender os autores dos ataques de 2019. Os hackers continuam presos. Vazamentos eliminados pela Suprema Corte
Na semana passada, em uma nova reviravolta no caso, o Supremo Tribunal Federal ordenou que os dados confiscados pela Polícia Federal brasileira fossem disponibilizados para a equipe de defesa de Lula.
No Brasil, o caso abalou o Supremo Tribunal Federal e as revelações das trocas do Telegrama geraram indignação entre alguns ministros, principalmente em relação à forma como as investigações da Operação Lava Jato foram tratadas entre juízes e promotores e como os casos foram construídos.
Para a defesa de Lula, os chats hackeados do Telegram revelam “canais clandestinos” de cooperação entre brasileiros e suíços. Os promotores brasileiros afirmam que nada foi feito fora da regra da lei.
Um dos argumentos da defesa do ex-presidente refere-se ao fato de que, longe dos caminhos tradicionais da cooperação internacional, suíços e brasileiros utilizaram bate-papos informais há mais de um ano para trocar nomes de suspeitos, além de informações sobre contas bancárias e esquemas de corrupção.
Troca constante de nomes de suspeitos por meio de bate-papos
Em 23 de março de 2016, por exemplo, o então promotor suíço Stefan Lenz escreveu no chat do Telegram a seus colegas brasileiros: “Algumas informações sobre Alvaro Novis: ele é beneficiário de uma conta da Siena Assets International Corp. também no banco PKB. Ele também está fortemente envolvida no golpe! ” A mensagem é complementada com planilhas de pagamentos da Odebrecht, um dos maiores conglomerados empresariais do Brasil.
No dia seguinte, a troca de nomes e contas continuou. Lenz perguntou: “Você tem alguma informação sobre José Américo Vieira Spinola, ele está envolvido no esquema de ODE [Odebrecht] com Erie International LLC, conta no banco PKB?” Ele também pediu informações sobre Antonio Claudio Albernaz Cordeiro (Tonico), detalhando também suas contas e banco.
Depois de um período de silêncio, o ex-presidente Lula falará pela primeira vez sobre a suspeição do ex-juiz Sergio Moro, sobre sua expectativa em relação ao julgamento no STF e sobre a estratégia de colocar o bloco na rua com Fernando Haddad.
O ex-presidente Lula voltará à cena política nesta quinta-feira (18) com uma entrevista ao jornalista Kennedy Alencar, às 11h, no UOL Entrevista.
Após um período de silêncio na virada de 2020 para 2021, Lula falará sobre a suspeição do ex-juiz Sergio Moro e sua expectativa em relação ao julgamento no STF que pode anular suas sentenças no âmbito da Lava Jato.
O ex-presidente deve também se pronunciar acerca da estratégia de colocar o “bloco na rua” com o ex-ministro Fernando Haddad, já visto como alternativa do PT para a disputa da eleição presidencial de 2022.
Dallagnol tinha conhecimento da relação entre pretensões da CIA na eleição brasileira e a exclusão da candidatura de Lula.
“Presente da CIA.”
A frase começa por suscitar curiosidade com seu sentido dúbio e logo ascende, vertiginosa, à mais elevada das questões nacionais —a soberania. As três palavras vêm, e passaram quase despercebidas, entre as novas revelações das tramas ilícitas de Sergio Moro e Deltan Dallagnol, envoltas em abusos de poder e de antiética no grupo de procuradores.
Seca, emitida como um repente fugidio de saberes velados, a frase de Dallagnol celebrava a informação mais desejada: Sergio Moro determinara, no começo da noite daquele 5 de abril de 2018, primórdio da campanha para a Presidência, a prisão do candidato favorito Lula da Silva. Na véspera, o Supremo Tribunal Federal acovardou-se ante a ameaça golpista do comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas. Por um voto de diferença, entregou a candidatura e, para não haver dúvida, o próprio Lula à milícia judicial de Curitiba.
A frase pode dizer presente “da CIA” porque destinado à agência do golpismo externo dos Estados Unidos. Ou “da CIA” porque vindo da articuladora do presente. Não importa o que agora Dallagnol diga. Não será crível. O mesmo sobre quem embalou e entregou o presente, Sergio Moro.
A dubiedade cede à certeza quando se trata do pré-requisito para que Dallagnol compusesse a frase. Em qualquer dos dois sentidos, a preliminar é a mesma: o coordenador da Lava Jato tinha conhecimento da relação entre pretensões da CIA na eleição brasileira e a exclusão da candidatura de Lula. Nem lhe ocorreu falar de candidatos favorecidos, nem sequer do êxito da ideia fixa que dividia com Moro e disseminara nos companheiros. Era a CIA na sua cabeça.
Não faz muito, foi noticiado o envolvimento de agentes do FBI com a Lava Jato de Curitiba. FBI como cobertura, mas, por certo, também outras agências (NSA, Tesouro, CIA, por exemplo). Um grupo de 17 desses agentes chegou à Lava Jato em outubro de 2015, acobertado por uma providência muito suspeita: Dallagnol escondeu sua presença, descumprindo a exigência legal de consultar a respeito, com antecedência, o Ministério da Justiça. Eram policiais e agentes estrangeiros agindo com a Lava Jato, não só sem autorização, mas sem conhecimento oficial. Violação da soberania, proporcionada por procuradores da República, servidores públicos. Caso de exoneração e processo criminal.
O sigilo é tão mais suspeito quanto era certo que o governo nada oporia, como não veio a opor. Há até uma delegação permanente do FBI no Brasil, trabalhando inclusive em assuntos internos como as investigações de rotas do tráfico. O motivo real do sigilo é desconhecido, e só pode ser comprometedor.
Seca, emitida como um repente fugidio de saberes velados, a frase de Dallagnol celebrava a informação mais desejada: Sergio Moro determinara, no começo da noite daquele 5 de abril de 2018, primórdio da campanha para a Presidência, a prisão do candidato favorito Lula da Silva. Na véspera, o Supremo Tribunal Federal acovardou-se ante a ameaça golpista do comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas. Por um voto de diferença, entregou a candidatura e, para não haver dúvida, o próprio Lula à milícia judicial de Curitiba.
A frase pode dizer presente “da CIA” porque destinado à agência do golpismo externo dos Estados Unidos. Ou “da CIA” porque vindo da articuladora do presente. Não importa o que agora Dallagnol diga. Não será crível. O mesmo sobre quem embalou e entregou o presente, Sergio Moro.
A dubiedade cede à certeza quando se trata do pré-requisito para que Dallagnol compusesse a frase. Em qualquer dos dois sentidos, a preliminar é a mesma: o coordenador da Lava Jato tinha conhecimento da relação entre pretensões da CIA na eleição brasileira e a exclusão da candidatura de Lula. Nem lhe ocorreu falar de candidatos favorecidos, nem sequer do êxito da ideia fixa que dividia com Moro e disseminara nos companheiros. Era a CIA na sua cabeça.
Não faz muito, foi noticiado o envolvimento de agentes do FBI com a Lava Jato de Curitiba. FBI como cobertura, mas, por certo, também outras agências (NSA, Tesouro, CIA, por exemplo). Um grupo de 17 desses agentes chegou à Lava Jato em outubro de 2015, acobertado por uma providência muito suspeita: Dallagnol escondeu sua presença, descumprindo a exigência legal de consultar a respeito, com antecedência, o Ministério da Justiça. Eram policiais e agentes estrangeiros agindo com a Lava Jato, não só sem autorização, mas sem conhecimento oficial. Violação da soberania, proporcionada por procuradores da República, servidores públicos. Caso de exoneração e processo criminal.
O sigilo é tão mais suspeito quanto era certo que o governo nada oporia, como não veio a opor. Há até uma delegação permanente do FBI no Brasil, trabalhando inclusive em assuntos internos como as investigações de rotas do tráfico. O motivo real do sigilo é desconhecido, e só pode ser comprometedor.
Defesa de Lula afirma que compartilhamento de informações é ilegal Especialistas falam em tentativa de “esquentar” informações e “lavagem de provas”
Novos diálogos analisados pela Agência Pública em parceria com o The Intercept Brasil revelam o interesse de agentes do FBI e do Departamento de Justiça americano (DOJ) nas investigações relativas à Operação Triplo X, que mirou a empresa de offshores Mossack Fonseca e o tríplex no Guarujá atribuído ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Segundo um diálogo travado no Telegram, a Polícia Federal (PF) foi procurada pelo FBI um mês antes de a operação ser deflagrada, em dezembro de 2015. A PF então requereu o aval da força-tarefa para compartilhar a investigação com os americanos. E recebeu sinal verde de Deltan Dallagnol.
“O compartilhamento pode ser policial”, disse Dallagnol, orientando o procurador Julio Noronha a não passar por um acordo de cooperação oficial nem pela autoridade central – nesse caso, o Ministério da Justiça.
Mas isso é irregular.
Um acordo bilateral (conhecido como MLAT, sigla para Mutual Legal Assistance Treaty) firmado entre Brasil e Estados Unidos afirma que todos os pedidos de cooperação devem passar pelo Ministério da Justiça, através do seu Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional (DRCI). Nos diálogos, os procuradores se referem a pedidos de cooperação como “MLATs”.
Naquela época, durante o governo Dilma Rousseff, o ministro da Justiça era Eduardo Cardozo. E, como já revelamos, o MLAT preferia não submeter seu trabalho a um governo que considerava adversário – mesmo quando a lei assim determinava.
Especialistas ouvidos pela Pública classificam como ilegal o compartilhamento de informações sensíveis ou sigilosas com autoridades americanas sem acordo de cooperação, como determina o tratado bilateral.
Mas não é essa a visão de Deltan Dallagnol, ex-chefe da força-tarefa da Lava Jato.
O diálogo foi travado apenas dois dias depois de a Lava-Jato ter requerido autorização a Sergio Moro para a realização da Operação Triplo X – assim batizada por conta da suspeita de que o tríplex 164-A do Condomínio Solaris, no Guarujá, pertencia a Lula.
O pedido feito em 15 de dezembro de 2015 não mencionava o ex-presidente, mas tratava da venda de um apartamento no Condomínio Solaris para Nayara de Lima Vaccari, filha de João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT. Outro alvo era a publicitária Nelci Warken, acusada de operações suspeitas no apartamento 163-B, além de funcionários da empresa Mossack Fonseca, especializada em abrir offshores no Panamá.
Pessoas ligadas à Mossack Fonseca já tinham seus telefones interceptados pela PF desde o começo de novembro de 2015, e Nelci Warken tinha seu celular grampeado desde pelo menos outubro de 2015. A investigação interceptava também ligações de funcionários da OAS e obteve quebra dos e-mails de vários alvos, incluindo a empresa de Nelci, Paulista Promoções, e-mails de seus funcionários, detalhes de CNPJs e boletos bancários. Todas essas informações, consideradas sigilosas, constavam de um relatório feito pela delegada da PF Erika Marena em 8 de dezembro de 2015, pouco antes do pedido de compartilhamento com o FBI.
Mesmo pressionada por derrotas no Supremo e seguidas confirmações de autenticidade das mensagens, os procuradores que integraram a Lava Jato responderam à reportagem negando sua veracidade e dizendo que não mostram nada de errado.
“No vultoso esquema de corrupção descoberto pela força-tarefa Lava Jato, foram descobertas contas mantidas em nome de empresas offshores criadas ou vendidas pela Mossack Fonseca. Assim, eventuais mensagens com o conteúdo alegado pela reportagem, cuja autenticidade não se reconhece, seriam plenamente legais, legítimas e proveitosas para o interesse público, denotando denodo no exercício da função e não qualquer irregularidade”, respondeu o Ministério Público Federal do Paraná.
“O FBI não prestou qualquer tipo de assistência ou auxílio na investigação referente ao Triplex 164-A do Condomínio Solaris”, acrescentou.
A resposta completa está no final da reportagem.
O pedido da PF
Em 17 de dezembro de 2015, passados das 22 horas, Dallagnol ainda estava na sede do Ministério Público Federal (MPF) em Curitiba. Através do Telegram, o procurador Julio Noronha perguntou ao chefe como deveria proceder sobre um pedido da PF para compartilhar provas com o FBI sem passar por um acordo formal.
“Naquele caso do escritório de offshores, a PF pediu (hoje, no final da tarde) para compartilharmos provas com o FBI, e o Juízo pediu para manifestarmos até amanhã na hora do almoço (para decidir antes do recesso). O caminho é uma manifestação simples e, com o deferimento do Juízo, formalizamos via autoridade central ou podemos prescindir desta e, depois da decisão judicial, já passar direto (PF para FBI). Ou devemos, antes da decisão do Juízo, fazer uma manifestação mais formal, enquadrada no MLAT?”, perguntou Noronha.
Deltan Dallagnol respondeu que não havia necessidade de um acordo formal de cooperação internacional – e que essa seria uma exigência da Justiça americana, não brasileira. “Se FBI entender desnecessário e houver decisão judicial, eu não teria receios em compartilhar…”, escreveu.
Reportagens anteriores da Pública demonstraram que Dallagnol fora advertido algumas vezes pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por ter facilitado acesso de autoridades estrangeiras a testemunhas e delatores da Lava Jato. O procurador Vladimir Aras, diretor da secretaria de Cooperação Internacional (SCI) da PGR, questionava especialmente a colaboração extraoficial com autoridades americanas. “A questão não é de conveniência. É de legalidade, Delta. O tratado tem força de lei federal ordinária e atribui ao MJ a intermediação”, alertou Vladimir Aras.
Segundo o Manual de Cooperação Jurídica Internacional, publicado pelo Ministério da Justiça em 2019, “no Brasil, o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI) da Secretaria Nacional de Justiça (Senajus) do Ministério da Justiça e Segurança Pública exerce a função de Autoridade Central para análise e tramitação dos pedidos de cooperação jurídica internacional, conforme preceitua o art. 14, IV, do Anexo I do Decreto no 9.662, de 01 de janeiro de 2019. Em matéria penal, tal função é exercida pelo DRCI para a quase totalidade dos pedidos e países”.
O manual foi publicado pelo DRCI, comandado, à época da publicação, pela delegada da PF Erika Marena – a mesma que atuou na Lava Jato e foi levada ao ministério por Sergio Moro.
O “juízo” que iria decidir sobre o compartilhamento da investigação, de maneira rápida e antes do recesso de fim de ano, era o juiz Sergio Moro, então titular da 13ª Vara Federal de Curitiba. Naquele ano, o recesso no Judiciário durou até 20 de janeiro. No primeiro dia de trabalho, 21 de janeiro de 2016, às 9h48 da manhã, Moro autorizou a Operação Triplo X, realizada seis dias depois.
No dia 27 de janeiro de 2016, funcionários da Mossack Fonseca foram alvo da Operação Triplo X, a 22ª Fase da Operação Lava Jato, que ocorreu em São Paulo, Santo André, São Bernardo do Campo (SP) e Joaçaba (SC). A PF cumpriu 16 mandados de busca e apreensão, incluindo os escritórios da Cooperativa Habitacional dos Bancários (Bancoop) e da Mossack Fonseca, dois mandados de condução coercitiva e seis mandados de prisão temporária.
O MPF buscava descobrir se a Mossack Fonseca abrira offshores para esconder a propriedade dos apartamentos da Bancoop – cooperativa que fora presidida por Vaccari – assumidos pela OAS em 2009 – e se o empreendimento imobiliário fora “utilizado pela empreiteira para repassar vantagens indevidas a agentes envolvidos no esquema criminoso da Petrobras”.
A Lava Jato não mencionou nenhuma vez, mas o alvo era Lula.
Na coletiva de imprensa, o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima afirmou que “todos os apartamentos” do Condomínio Solaris eram alvos da investigação sobre esquema de offshores criadas, segundo ele, para envio de remessas de propinas da Petrobras ao exterior. Questionado por jornalistas se Lula era alvo, disse: “Nós investigamos fatos. Se houve um apartamento dele, que esteja no seu nome ou que ele tenha negociado ou alguém da sua família, vamos investigar, como todo mundo. Temos indicativos do uso desses apartamentos para lavagem de dinheiro”.
Naquela operação, a PF encontrou o contrato de adesão firmado pela ex-primeira-dama Marisa Letícia com a Bancoop para adquirir o apartamento 141, depois trocado pelo 164-A, visto como uma “bala de prata” pelos procuradores.
Em pouco tempo, a Lava Jato apertaria o cerco ao ex-presidente Lula. Em 4 de março, ele foi alvo de condução coercitiva e, em 14 de setembro, foi denunciado pela Lava Jato por conta do tríplex no Guarujá. o MPF alega que a reforma do tríplex era uma propina paga pela OAS ao ex-presidente por vantagens indevidas.
A defesa alega que Lula e Marisa desistiram da compra e jamais usufruíram ou foram donos do apartamento.
Lula foi condenado em primeira e segunda instâncias e recorre no Supremo Tribunal Federal (STF) alegando parcialidade do juiz Sergio Moro.
Por causa da condenação no caso do tríplex, ele não pôde concorrer às eleições de 2018, embora fosse favorito nas pesquisas de opinião.
Como está a participação do FBI?”
Esse não é o único diálogo no Telegram que demonstra parceria com o FBI na investigação sobre as offshores da Mossack Fonseca e a investigação sobre o tríplex.
Na verdade, o FBI foi citado algumas vezes nos dias que antecederam a Operação Triplo X, cruciais para operacionalizar a busca e apreensão e nos quais os chats no Telegram usados pelos procuradores estavam fervilhando. Em 8 de janeiro de 2016, foi criado, inclusive, um chat específico para debater os detalhes finais, chamado “3plex”.
Em privado, no dia 2 de janeiro daquele ano, o procurador Januário Paludo escreveu a Dallagnol para reclamar de um “erro” da delegada da PF Erika Marena, que permitiu que algumas das interceptações vazassem. “A Erika (acredito que por esquecimento) deixou cair todas as interceptacoes telefônicas das operações no dia 23 de dezembro. Eu u achei que estava tudo no ar e renovado e nem me preocupei, pois isso era trabalho dela ( foi uma falha). Quando vazaram algumas informações no dia 27 ela me ligou apavorada”, escreveu no chat. O temor era que o vazamento das escutas permitisse que os funcionários da Mossack Fonseca e Nelci Warken tivessem “dado no pé”. Mesmo assim, escreveu, eles já haviam interceptado mais de 20 gigas de e-mails e “outros tantos” de telefonemas.
A seguir, ele explica que Erika estava fazendo a ponte com o FBI nesta investigação. “Se cinseguirmos a ajuda do FBI para apreender as bases de dados (espero que a Erika esteja se empenhando nisso) teremos muitas offshores para examinar a regularidades. Dados preliminares indicam que 05 panamenhos constituíram mais de 30 mil offshores, muitas com possíveis beneficiários brasileiros.”
Os diálogos foram mantidos com a grafia original, como entregues por uma fonte ao The Intercept.
A delegada Erika Marena, que mantinha relacionamento com o FBI segundo o diálogo, foi posteriormente alçada ao cargo de diretora do DRCI no período em que Moro foi ministro, que, como a Pública já mostrou, ampliou o acesso do FBI à PF durante sua administração.
Dias depois, no grupo “3Plex”, o procurador Júlio Noronha volta a mencionar o FBI, quando descreve uma reunião que manteve no começo de janeiro com a PF, ao lado de Carlos Fernando, Athayde Ribeiro Costa e Diogo Mattos. Fica claro que o FBI estava a par dos passos da investigação e em comunicação constante com a PF.
A participação do FBI é mencionada quando o procurador relata a discussão sobre a operacionalização da Operação Triplo X. “b) Como está a participação do FBI? Principalmente para chegar aos servidores no exterior: O servidor do website está no EUA, mas o servidor de e-mails está no Panamá, de forma que, nesta fase, não poderemos contar com a participação deles.” O procurador sugere então instalar um vírus nos computadores para ter acesso remoto aos servidores no Panamá.
Por fim, em agosto daquele ano, o FBI fez uma visita de cortesia à Lava Jato em Curitiba. O procurador Paulo Galvão reuniu-se com dois agentes e, “entre outros assuntos”, recebeu um pedido do governo americano por mais informações sobre a Mossack Fonseca.
No diálogo, enviado no fim da tarde de 31 de agosto de 2016, Paulo avisa a Vladimir Aras que encaminhou os agentes para conversarem com ele, por já haver um procedimento aberto na Secretaria de Cooperação Internacional (SCI) da PGR, na época liderada por Aras.
Ou seja – nove meses depois de Dallagnol ter autorizado o compartilhamento informal de uma investigação sigilosa com o FBI, a Lava Jato decidiu enviar o pedido de colaboração para a PGR.
Especialistas veem provas “esquentadas” e “lavagem de provas”
Especialistas ouvidos pela Pública vê irregularidades no compartilhamento das informações da Mossack Fonseca.
O advogado Yuri Sahione, especialista em cooperação internacional em matéria penal, acredita que há indícios de ilegalidade, uma vez que informações sigilosas, tais como e-mails e escutas telefônicas, devem ser compartilhadas apenas através do Ministério da Justiça, que é a autoridade central segundo o tratado bilateral com os Estados Unidos, ratificado pelo nosso Congresso.
Compartilhar informações sem passar pelo DRCI, portanto, seria irregular.
“Se existe um rito para produção de provas, nesse caso não se trata de mera irregularidade, mas de subversão da prova processual. Essa prova é ilícita”, explica. O advogado acredita que o fato de o pedido formal para acesso à investigação sobre a Mossack Fonseca ter sido feito apenas dois anos depois, em 2018, pode configurar uma tentativa de as autoridades americanas “esquentarem” as provas.
“Quando falamos ‘esquentar’, isso significa que, por exemplo, eu obtive uma prova por meio ilícito, mas ela me serve, então eu preciso fazer com que ela venha agora através de um meio lícito.” O pedido formal seria uma forma de dar legitimidade a uma informação que já foi usada pela polícia do outro país. Nesse caso, as provas teriam sido “esquentadas” para serem usadas pela Justiça americana posteriormente.
Segundo Sahione, o problema é a falta de uma lei brasileira sobre cooperação internacional que leva a esse tipo de abuso. “O Ministério Público se aproveita da falta de uma estruturação do instituto da cooperação internacional no direito brasileiro para dizer que pode esse tipo de compartilhamento. Mas não pode.”
Sem uma lei, uma das consequências é que algumas das questões ainda não foram pacificadas nos tribunais. “Com certeza, falta uma regulamentação para ter um referencial brasileiro em matéria de cooperação internacional”, diz.
Já o professor Eduardo Pitrez, da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), afirma que o pedido de compartilhamento de provas sempre tem que ser feito por intermédio da autoridade central, ou seja, o DRCI. “A participação de autoridades estrangeiras em atos relacionados à persecução penal no Brasil deve ser precedida da necessária formalização da cooperação”, explica.
Falando em tese, ele chama de “lavagem de provas” o envio de um pedido de cooperação internacional após o compartilhamento de evidências por forças policiais. “Configura ‘lavagem de provas’ a tentativa de legalização de provas já conhecidas, obtidas e acessadas, anteriormente, por via formalmente inadequada”, diz.
“Isso não é uma questão de gosto, ou de opinião, é o que estabelece a Constituição e tratados internacionais de direitos humanos em um conjunto de princípios que são derivados da experiência histórica”, raciocina Pitrez.
O professor chama atenção, ainda, para o fato de que a “informalidade também é estimulada por atores internacionais que possuem a capacidade e o interesse de estender a atuação do seu sistema de justiça criminal ao redor do globo – por razões comerciais e/ou geopolíticas –, especialmente a partir de suas embaixadas e representações locais”.
“A capacidade de atuar informalmente, coletando e fornecendo informações, em articulação com os órgãos de persecução nacionais, é fundamental para promover isso”, conclui.
Na sanha de punir os seus alvos, mesmo que inocentes, a “lava jato” resolveu pressionar até um ex-assessor de Antonio Palocci que havia acabado de tentar se suicidar. É o que revela um novo diálogo entre procuradores enviado ao Supremo Tribunal Federal pela defesa do ex-presidente Lula nesta segunda-feira (8/2).
Em 18 de outubro, 17 dias depois de Branislav Kontic tentar se matar dentro da Superintendência da Polícia Federal no Paraná, um procurador identificado apenas como Paulo (possivelmente Paulo Roberto Galvão, figura carimbada nos diálogos), já ensaiava uma nova maneira de intimidar ainda mais o então investigado.
Ex-assessor de Palocci, Branislav, conhecido como Brani, estava preso preventivamente por ordem do então juiz Sergio Moro, e sofria pressão para fechar um acordo de delação premiada. Posteriormente, Brani acabou absolvido por Moro por falta de provas.
A ConJur manteve as abreviações e eventuais erros de digitação e ortografia presentes nas mensagens.
“Paulo, vc ou o Deltan poderiam ver com a PGR se eles nos autorizam processar o BRANI (e depois o JUSCELINO DOURADO) por ORCRIM [organização criminosa]. A questão é a seguinte: PALOCCI é investigado no STF por ORCRIM, mas BRANI e JUSCELINO NÃO”, diz o procurador.
Em seguida, ele narra o plano: “Para imputar ORCRIM, teria que narrar a conduta do PALOCCI na ORCRIM, mas não imputar (o que causaria um mal estar com a PGR)… de duas uma: ou eles acrescentam os dois lá ou nos deixam denunciar aqui… quero botar pressão no Brani!!!! cara vagabundo!!!”.
Falta de provas e cautelares Todo o histórico envolvendo Brani é conturbado. Apontado como um dos responsáveis por intermediar o contato entre Palocci e Marcelo Odebrecht, o assessor teve sua prisão preventiva decretada por Moro no final de setembro de 2016.
Depois da tentativa de suicídio, Brani acabou sendo transferido para o Complexo Médico-Penal de Pinhais, na região metropolitana de Curitiba. A defesa, feita pelo advogado José Roberto Batochio, chegou a entrar com um pedido de domiciliar depois da hospitalização. Moro negou e, cerca de um ano depois, acabou absolvendo o assessor por falta de provas. A decisão foi mantida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
O caso, entretanto, não acabou aí. Mesmo com a absolvição, Moro e o TRF-4 mantiveram medidas cautelares aplicadas contra Brani (confinamento e tornozeleira eletrônica). A justificativa foi a de que as medidas eram necessárias por causa de uma outra ação penal em que o assessor estava envolvido.
Quem reverteu as punições descabidas foi o ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal. Ele constatou o óbvio: que juízes e desembargadores não podem manter a aplicação de medidas cautelares para réu que já foi absolvido em sentença transitada em julgado, nem sob a alegação de que elas são convenientes para a continuidade de outros processos e investigações.
Pressão por delação Conforme mostrou a ConJur nesta terça-feira (9/2) era comum que os procuradores e Moro usassem de métodos pouco ortodoxos para conseguir delações premiadas.
Embora juízes não possam participar de acordos de colaboração, mensagens trocadas entre procuradores indicam que Moro tinha interesse na celebração de certos acordos, como o do ex-presidente da OAS Léo Pinheiro e de Palocci.
Em 3 de maio de 2018, o chefe da força-tarefa da “lava jato”, Deltan Dallagnol, afirma em grupo de mensagens que é preciso conversar com Moro sobre eventual acordo de delação com Palocci — que acabou sendo fechado pela Polícia Federal, e não pelo Ministério Público Federal. “Após analisarmos Palocci, temos que falar pro Moro, que não vai querer a pena aliviada num caso dele sem justificativa e tem ponte com TRF”.
Um procurador não identificado responde: “Ele [Moro] me disse que você [Dallagnol] desconversou a respeito”. E prossegue: “Segundo a Laura [Tessler, procuradora], o Moro quer um acordo com o Palocci pela mesma razão do Leo Pinheiro”.
De acordo com a defesa do ex-presidente Lula, Sergio Moro usou a delação de Léo Pinheiro para condenar o petista de forma “ilegítima e ilegal” no caso do tríplex no Guarujá.
Moro condenou o petista a nove anos e seis meses de reclusão. A pena foi aumentada pela 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região para 12 anos e um mês de prisão. Posteriormente, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça reduziu a penalidade para oito anos e dez meses.
Subprocurador aponta risco de conflito de interesses já que o ex-juiz pode ter “contribuído para situação de insolvência” da empreiteira.
O subprocurador-geral Lucas Furtado, do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União, pediu que a corte determine a suspensão de “qualquer pagamento à empresa Alvarez & Marsal, no âmbito da recuperação judicial da empresa Odebrecht S.A”, até que o tribunal avalie o papel do ex-juiz Sergio Moro no agravamento da situação econômica da empreiteira.
Moro foi contratado pela Alvarez & Marsal em novembro, para atuar na área de “disputas e investigações”.
A Alvares & Marsal é administradora judicial da Odebrecht, que entrou em recuperação judicial depois que foi investigada pela Operação Lava Jato.
Furtado disse que, “na qualidade de juiz, a atuação do Sr. Sergio Moro, seja nas decisões proferidas nos processos judiciais, seja nas exigências contidas nos acordos de leniência [que ele firmou com a Odebrecht] , pode ter contribuído para a situação de insolvência da empresa”.
Não teria cabimento, agora, Moro ter benefícios, ainda que indiretos, com a recuperação da empresa.
Ao pedir a suspensão de pagamentos para a Alvares & Marsal, Furtado diz ser necessário considerar o “risco de conflito de interesses que pode surgir quando o mesmo agente [Moro], em um primeiro momento, atua em processo judicial que interfere no desempenho econômico e financeiro da empresa e, em em um segundo momento, aufere renda, ainda que indiretamente, com o processo de recuperação judicial para o qual seus atos podem ser contribuído”.
Ele pede ainda que as mensagens entre Moro e procuradores da Lava Jato, inseridas pela defesa de Lula em ação contra Moro no STF (Supremo Tribunal Federal), sejam compartilhadas com o TCU.
Leia a íntegra do ofício do subprocurador-geral:
“Excelentíssimo Senhor Ministro Bruno Dantas,
Recentemente, em 01.02.2021, ofereci representação junto a essa Corte no intuito que o Tribunal apurasse os prejuízos ocasionados aos cofres públicos pelas operações supostamente ilegais dos membros da Lava Jato de Curitiba e do ex-juiz Sérgio Moro, mediante práticas ilegítimas de revolving door, afetando a empresa Odebrecht S.A., e lawfare, conduzido contra pessoas investigadas nas operações efetivadas no âmbito da chamada “Operação Lava Jato”. As informações apresentadas foram juntadas ao TC 005.262/2021-6 cuja relatoria é de Vossa Excelência por prevenção. Diante da correlação dos temas e considerando os processos em curso que acompanham os desdobramentos, no âmbito deste Tribunal, de acordos de leniência firmados pela empresa Odebrecht com outros órgãos, em especial no âmbito dos TCs 016.991/2015-0 e 035.857/2015-3, ambos de relatoria de Vossa Excelência; Considerando que o primeiro trata da análise de inidoneidade de empresas por fraude à licitação de montagem eletromecânica da Usina Termonuclear de Angra III, no qual se avalia, em profundidade, os efeitos dos acordos de leniência firmados pelo Ministério Público Federal na declaração de inidoneidade das empresas participantes dos acordos, entre elas a supracitada empresa; 2 Considerando que o segundo processo cuida de acompanhamento autuado com o intuito de fiscalizar o processo de celebração do acordo de leniência entre a Controladoria Geral da União (CGU) e a empresa Odebrecht S.A; Considerando as recentes notícias divulgadas pela mídia no sentido de que o exjuiz, Sr. Sérgio Moro, teria se tornado sócio da empresa de consultoria Alvarez & Marsal, administradora judicial da Odebrecht S.A no processo de recuperação judicial; Considerando as notícias de que o referido ex-juiz teria orientado procuradores do Ministério Público em questões relativas a informações constantes nos sistema daquela empresa; Considerando que o Excelentíssimo Ministro Ricardo Lewandowski do Supremo Tribunal Federal (STF) retirou o sigilo das conversas entre o ex-juiz e os procuradores da “Operação Lava Jato”; Considerando que, na qualidade de juiz federal, o Sr. Sérgio Moro homologou acordos de leniência firmados entre o Ministério Público Federal e a empresa Odebrecht S.A; Considerando que, na qualidade de juiz, a atuação do Sr. Sérgio Moro, seja nas decisões proferidas nos processos judiciais, seja nas exigências contidas nos acordos de leniência, pode ter contribuído para a situação de insolvência da empresa; Considerando que o administrador judicial, do qual se exige que seja profissional idôneo (Lei 11.101/2005, art. 21, caput), exerce múnus público, devendo observância aos princípios constitucionais; Considerando o dever de fidúcia, lealdade e diligência, que deve reger a atuação do administrador judicial; Considerando que está a cargo do Poder Público, na pessoa do juiz, designar como administrador judicial pessoa que cumpra os requisitos jurídicos, fiscalizá-lo no cumprimento de seus deveres, definir sua remuneração, bem como destituí-lo ( Lei 11.101/2005, arts. 21, 22 e 24); Considerando o risco de conflito de interesses que pode surgir quando o mesmo agente, em um primeiro momento, atua em processo judicial que interfere no desempenho econômico e financeiro da empresa e, em em um segundo momento, aufere renda, ainda que indiretamente com o processo de recuperação judicial para o qual seus atos podem ser contribuído e; Considerando, por fim, a repercussão e os impactos que o bom andamento da Recuperação Judicial pode ter na possibilidade de o erário ser ressarcido dos prejuízos causados pela atividades ilícitas da empresa Odebrecht S.A, e a evidente competência dessa Corte de Contas para velar pela legitimidade e pela moralidade dos atos do poder público, zelar pela economicidade e assegurar o devido ressarcimento de prejuízos ao erário:
Venho solicitar e propor a Vossa Excelência que, na qualidade de relator dos TCs 005.262/2021-6, 016.991/2015-0 e 035.857/2015-3, adote medidas no sentido de:
a) Oficiar ao Excelentíssimo Ministro do Supremo Tribunal Federal, Sr. Ricardo Lewandovski, a fim de solicitar o compartilhamento das mensagens trocadas entre os procuradores do Ministério Público e o ex-juiz Sr. Sérgio Moro;
b) Oficiar ao juízo da Recuperação Judicial da empresa Odebrecht S.A a fim de solicitar o compartilhamento da documentação relativa à escolha do administrador judicial e as análises que fundamentaram a definição do juízo 3 pela empresa de consultoria Alvarez & Marsal, bem como os valores de remuneração que foram estrabelecidos;
c) Realizar oitivas das empresas Alvarez & Marsal e Odebrecht S.A para que se manifestem quanto aos fatos narrados e;
d) Avaliar a conveniência e oportunidade de se estabelecer, cautelarmente, a suspensão de qualquer pagamento à empresa Alvarez & Marsal, no âmbito da Recuperação Judicial da empresa Odebrecht S.A, até que o Tribunal avalie o mérito da questão. Sendo, pois, o que tinha a informar, a encaminhar e a solicitar, aproveito o ensejo para manifestar protestos de estima, respeito e consideração a V. Ex.ª.
Na mais recente leva de mensagens da Lava Jato, periciadas e informadas pela defesa de Lula ao STF, Sergio Moro aparece com uma orientação aos procuradores da república para que processem um empresário norte-americano citado na investigação sobre a compra da refinaria de Pasadena.
O recado foi repassado por Carlos Fernando dos Santos Lima, procurador da república que trabalhava em casos sob a jurisdição de Moro desde o Banestado.
Era 10 de agosto de 2018, às 10h47, quando Carlos Fernando avisa que tem uma mensagem do então juiz, que os procuradores da Lava Jato chamam de “Russo”:
“Mensagem do Russo”, diz, para em seguida copiar a postagem de Moro, enviada na véspera, já no final da noite (22h10):
“Esqueci de uma coisa. Na ação penal de Pasadena, um dos acusados é o representante da Astra Oil que teria pago propina, o Alberto Feilhaber, norte-americano e residente no US. Chegaram a avaliar a possibilidade de transferência de informação ou processo nos US?”
A mensagem, por si só, revela que a Lava Jato tinha seus próprios caminhos (ilegais) para colaborar com autoridades estrangeiras, sem respeitar os tratados que obrigam o uso de canais oficiais — no caso, o Ministério da Justiça.
Os advogados de Lula manifestam estranheza quanto à conduta de Moro, típica de acusador, não de magistrado.
“Era o então juiz SERGIO MORO — ou “Russo”, segundo codinome adotado nas conversas clandestinas — quem sugeria a prática de atos de persecução no Brasil ou exclusivamente no exterior, com foco nos EUA”, dizem.
Por quê?
O relatório da defesa de Lula não tem propósito de revelar a motivação de Moro, mas, com base neste e em outros casos parecidos e, principalmente, de seus desdobramentos, é possível ver na atuação do então juiz a ação dele para criar dificuldades para que grandes bancas de advogados se apresentem para vender facilidades.
Advogados que formavam um grupo a que Rodrigo Tacla Durán deu o nome de “Panela de Curitiba”, quando recebeu recado de que deveria contratar profissional próximo de Moro, Deltan Dallagnol, Januário Paludo e Carlos Fernando dos Santos Lima, entre outros, para se defender na Lava Jato.
Pouco depois, trocou mensagens com Carlos Zucolotto Júnior, ex-sócio de Rosângela Moro, em que recebeu a proposta de pagar 5 milhões de dólares para ter facilidades em acordo de delação premiada e depositou parte — 612 mil dólares — na conta do escritório de Marlus Arns, ex-parceiro da esposa do então juiz em caso da máfia das falências no Paraná.
Há outros casos de advogados brasileiros que se beneficiaram das investigações em que Moro aparecia como ferrabrás, como Antonio Figueiredo Basto, para quem doleiros pagavam mesada para serem blindados.
enê Ariel Dotti, o decano que Moro aceitou como assistente de acusação da Petrobras, assinou contrato com a empresa pública para receber cerca de R$ 14 milhões.
Advogado, o irmão do procurador da Lava Jato Diogo Castor de Mattos também enriqueceu com a chamada “indústria da delação premiada” em Curitiba.
Ligado à Lava Jato em Brasília, o ex-procurador Marcelo Miller pulou o balcão no início de 2017, para se juntar ao escritório Trench, Rossi e Watanabe, que é braço brasileiro da banca americana Baker McKenzie, contratada para representar a J&F (controladora da JBS) em processos criminais que envolviam delação.
Antes mesmo de deixar a Procuradoria Geral da República, onde era homem de confiança de Rodrigo Janot, então chefe da instituição, ele já havia feito contatos com a Odebrecht, para falar de seus planos — trocar o serviço público pela iniciativa privada.
O movimento de Miller é parecido com o de outros agentes públicos estrangeiros que atuaram, direta ou indiretamente, nos processos desencadeados por Sergio Moro.
O procurador suíço Stephan Lenz, chamado de “cérebro” da colaboração (clandestina) com a Lava Jato, é citado em conversas agora tornadas públicas como autor de um plano para deixar o serviço público em seu país a fim de ser contratado pela Petrobras.
O lugar cobiçado por ele já era ocupado por Ariel Dotti e a negociação não prosperou, mas Stephan Lenz acabou contratado pelo Ministério Público do Peru, também destinatário das investigações realizadas sob autoridade de Moro, sobretudo as que envolviam a Odebrecht.
No país vizinho, um advogado associado a uma banca dos Estados Unidos acabou delatado por receber da Odebrecht 1,3 milhão de dólares para interceder junto ao governo daquele país para que a empresa executasse o projeto Gasoduto Del Sur.
O advogado, falecido em 2017, é Luis Pizarro Aranguren, sócio da Pizarro, Botto & Escobar, escritório associado à multinacional DLA Piper.
A DLA Piper, uma das maiores sociedades de advogados do mundo, com sua origem remontando há mais de dois séculos, nega envolvimento neste caso de corrupção e teve seu nome citado em outro escândalo associado à Lava Jato na América do Sul.
Foi na Colômbia, que levou à demissão do procurador geral Néstor Humberto Martínez, em dezembro de 2019, por envolvimento em casos de corrupção relacionados à atuação da Odebrecht no país.
Néstor era uma espécie de Sergio Moro da Colômbia, devido à sua reputação de honestidade, mas com habilidade política. Foi ministro em mais de um governo — inclusive da Justiça —, de centro esquerda e de direita.
Ao mesmo tempo em que servia ao governo, mantinha negócios com a multinacional DLA Piper, com o escritório formalmente dirigido pelo filho associado à banca norte-americana.
Moro também sempre teve os seus contatos com escritórios de advocacia e acabou se tornando sócio da banca norte-americana Alvarez & Marsal.
Em 2007, o advogado brasileiro Miguel Reale Júnior denunciou Moro por dar consultoria informal a um procurador de Nova York, Adam Kaufmann, com quem ele fazia dobradinha em investigações decorrentes do caso Banestado.
Reale Júnior defendia um brasileiro acusado de ser doleiro, que respondia a processos no Brasil e nos EUA.
O procurador respondeu a um procedimento jurídico na corte de Nova York por ter supostamente obtido prova ilícita no Brasil.
Moro deu a ele alguns caminhos para se safar da acusação, e os dois eram (ou se tornaram) tão amigos que Kaufmann chegou a se encontrar com o então juiz quando veio ao Brasil.
Alguns anos depois, o procurador de Nova York trocou o serviço público por uma banca privada e, em 2015, anunciava em seu currículo a especialidade em casos da Lava Jato nos EUA.
O que Kaufmann precisava era de clientes enrolados em acusações conduzidas a partir de Curitiba.
E nesse sentido, o homem que Moro sugeriu a Carlos Fernando dos Santos Lima processar podia ter de recorrer a ele.
Não é uma acusação, mas a constatação de que Moro pode não ter sido agente da CIA, como muitos especulam — com plausibilidade, em razão de atuar contra os interesses brasileiros —, mas certamente ele foi, voluntaria ou involuntariamente, um agente de grandes escritórios de advocacia, no Brasil e no exterior.
Hoje, ele faz parte de um deles, o Alvarez & Marsal, em que recebe, pelo menos, R$ 1,7 milhão por ano, o mesmo escritório que, a exemplo da DLA Piper, ganhou e ganha dinheiro com a Odebrecht, empresa que Moro, como juiz, ajudou a arruinar.
‘A procura do estrategista, ou dos estrategistas, ainda demanda muitos e profundos esclarecimentos’, escreve Mino Carta.
Dia 16 de março de 2016, Dilma Rousseff convidou pelo telefone o ex-presidente Lula para ocupar a chefia da Casa Civil do seu governo. Dia 16, Sergio Moro cuidou de mostrar a eficácia com que grampeava seus alvos. No dia 17, o convidado assumiu. No dia 18, Gilmar Mendes, então presidente do Supremo Tribunal Federal, cassou-o em nome de seu envolvimento no processo movido pela República de Curitiba.
Este é, sem dúvida, um episódio muito marcante de um longo enredo do golpe engendrado a partir da Lava Jato. CartaCapital sempre acompanhou o tortuoso caminho da operação cujos irregularidade e desrespeito aos princípios mais comezinhos do direito foram denunciados em um longo texto exclusivo, publicado nas nossas páginas, de Luigi Ferrajo. jurista italiano de fama mundial, e por vários dos nossos colunistas.
Vieram depois as revelações da brilhante equipe do Intercept, comandado por Glenn Greenwald, praticamente ignoradas pela mídia nativa, maciçamente conluiada com o empafioso juizeco curitibano e seu parceiro promotor, Deltan Dallagnol, provavelmente saído da praça Florentina em que morreu entre chamas purificadoras Girolamo Savonarola.
Este é apenas o começo de uma história interminável e aqui estamos a dissertar sobre o assunto, com a promessa de mais e mais capítulos. Óbvio que o golpe de Estado que se seguiu primeiro com a derrubada de Dilma Rousseff, em seguida a imposição do governo Temer, a prisão de Lula, acuado no Sindicato de São Bernardo, para desaguar a galope na eleição de Jair Bolsonaro em 2018.
Novos elementos juntam-se para compor este puzzle, o jogo de encaixar peças, sem atingir a versão correta de tudo que se deu. Há no golpe, transparente, uma complexidade que transcende os alcances dos golpistas de Curitiba. A primeira questão que se apresenta é a inevitável busca dos autores de uma estratégia que enredou o País, como se não bastassem os tristes efeitos da colonização portuguesa, responsável por um atraso que não se aplaca.
A procura do estrategista, ou dos estrategistas, ainda demanda muitos e profundos esclarecimentos. Sabemos como a mídia se prestou ao jogo e contribuiu com empenho e paixão. Sabemos também das frequentes sortidas de Sergio Moro na rota dos Estados Unidos, onde sempre o esperaram encontros graúdos. Sabemos ainda dos interesses da casa-grande, disposta, inclusive, a recorrer aos seus cofres para premiar este ou aquele servidor pronto a cumprir suas vontades. Falta, entretanto, o esclarecimento decisivo para entender a situação em todo o seu espectro.
Tal é o desafio do momento. Há áreas do puzzle que já estão definidas. Por exemplo: está claro que o Brasil dispõe de um Supremo de fancaria, que poderia fechar seus umbrais desde já sem causar prejuízo algum, muito pelo contrário. Supremos em qualquer lugar do mundo civilizado são locais resguardados, ciosos da sua indispensável discrição. O nosso é de um provincianismo deplorável e irritante. Submete-se diariamente à visão do distinto público, como se o espetáculo dos togados deblaterantes representasse uma iguaria aos olhos do Brasil.
PARA QUE UM SUPREMO QUE ESTÁ LONGE DE SER SENTINELA DA CONSTITUIÇÃO? FARIA DIFERENÇA SE FECHASSE?
O Supremo tem, em primeiro lugar, uma função indispensável para o cumprimento da democracia: é sentinela da Constituição. Na prática do País verifica-se o contrário: o Supremo é uma entidade política a cuidar de assuntos contingentes com extrema prosopopeia e interesses particulares. É tudo o que não deve ser. São representativos dos ares que medram do casarão fronteiriço ao palácio do governo os seus ministros, embora valha dizer que, entre Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes, ou Dias Toffoli, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Luís Barroso etc. etc., preferimos o primeiro, embora com graves ressalvas – apoiou o impeachment de Dilma Rousseff – e a ele juntaríamos Marco Aurélio Mello.
A mediocridade de Gilmar Mendes é, talvez, o que mais chama atenção, patética é a referência que ele faz, sempre que calha, aos estudos feitos na Alemanha, a despeito da sua escassa fluência na língua de Goethe. Aliás, o ministro me processou certa vez e perdeu em primeira instância. A juíza, senhora muito simpática, não escondeu uma risada especialmente sonora quando me atrevi a sustentar que o ministro Gilmar muito se parecia com Darth Vader, o vilão de Guerra nas Estrelas.
Uma investigação meticulosa à procura daquilo que poderíamos definir como o autêntico rosto do golpe teria o poder de traçar o perfil de um País brutalmente imaturo, desde a plebe rude e ignara e os seus pretendidos líderes. Está em jogo a verdade factual de uma terra maligna, por ora sem chance de redenção.