O editorial de hoje do jornal O Globo certamente teve três leitores atentos: Sergio Moro, Luciano Huck e João Doria.
O primeiro, vivendo o dilema de ser ainda o candidato da Globo à sucessão presidencial e de estar autoamarrado a um governo que reage ao império dos Marinho que, por todas e mais algumas razões, não pode combatê-lo por estar em absoluta sintonia com as políticas econômicas de Brasília.
O ex-juiz de Curitiba é tratado como até aqui invulnerável, embora atingido com força pela manutenção do “juiz de garantias” no projeto aprovado pelo Congresso:
(…)o juiz de garantias foi colocado no projeto de lei em retaliação ao ex-juiz Sergio Moro, por sua atuação na Lava-Jato. A prova é que PP e PT, centrão e a esquerda, alvos atingidos na Lava-Jato, estiveram juntos na empreitada. O movimento que levou a esta manobra foi impulsionado pela vazamento de diálogos supostamente ilegais entre Moro e procuradores da Lava-Jato, Deltan Dallagnol à frente. As mensagens não valem como prova, por terem sido obtidas de forma criminosa. Nem sua divulgação atingiu a imagem de Moro, o ministro mais popular do governo — mais que o presidente, em fase de perda de sustentação na opinião pública.
Merval Pereira, em sua coluna necessariamente patronal, completa a tese do “Moro 2022, sem Mito”.
Não é de hoje que a classe política, aliada a empresários e outros agentes privados, tentam minar a Lava Jato, assim como aconteceu na Itália das Mãos Limpas. Depois de anos de tentativas, foi justamente num governo supostamente alinhado ao combate à corrupção, tanto que convidou o símbolo desse combate, o juiz Sérgio Moro, para seu ministro da Justiça, que as medidas de cerceamento foram aprovadas, com o aval de Bolsonaro.
A forte reação da opinião pública, inclusive dos bolsonaristas arrependidos, mostra que o mandato do presidente já não corresponde, nesse aspecto vital, à expectativa majoritária. Moro sai derrotado politicamente, mas fortalecido popularmente. Essa lacuna entre um e outro deve ter consequências políticas que afetarão a disputa presidencial de 2022.
O “fortalecido popularmente” nem disfarça o cafuné global sobre Moro e pode significar tanto apoio como, em sentido oposto, os elogios da raposa ao corvo, para que este abra o bico, largue o cargo e mergulhe num ostracismo de quase três anos até às eleições, já sem os poderes do “prende e arrebenta” que lhe serviram de palanque.
Daí as indagações do outros dois leitores atentos, Luciano Huck e o governador de São Paulo.
Se Bolsonaro sozinho já lhes é um grande obstáculo, Bolsonaro e Moro separados criam uma superlotação insuportável no mesmo território.
E uma enorme dificuldade para que o apoio da Globo seja concentrado em apenas uma das quatro cartas da direita.
A Moro, está evidente, não é interessante antecipar o jogo. Esta, e nenhuma outra, é a razão de estar agarrado, apesar de uma rara ou outra reclamação, à farda do ex-capitão, que se serve, com o seu contumaz desprezo pelas pessoas, disso para ir depenando sua autoridade.
A Globo gritará o “dá ou desce” ao “justiceiro de Curitiba”? Até agora foram pressões e recuos e dificilmente o fará.
Por isso, dos quatro, só Bolsonaro sorriu com a leitura do “cantar de galo” global.
Se Moro atender ao chamado, será esmagado; se ficar, será cozido lentamente, como galos e marrecos devem ser.
Ao longo da história, cultura e religiões de matriz negra ou africana foram tratadas com violência pelas autoridades, que se empenham em impedir a ocupação do espaço público.
Na década de 1930 andar pelas ruas do Rio de Janeiro carregando um pandeiro bastava para levar um tapa na cara da polícia e passar a noite na cadeia. Para as autoridades, frequentar uma roda de samba também justificava o esculacho. Mais de oitenta anos depois, a repressão se volta para outro gênero musical: o funk. Basta ir a um baile —ou fluxos, como são conhecidos— nas periferias de São Paulo para estar sujeito a tiro, porrada e bomba. Foi o que aconteceu na madrugada do dia 1º, quando uma ação da Polícia Militar na festa conhecida como DZ7, em Paraisópolis, terminou com nove jovens mortos pisoteados depois de serem encurralados pela tropa.
Após a comoção pelo massacre somada aos vídeos divulgados na Internet com policiais agredindo jovens rendidos com barras de ferro, o governador João Doria (PSDB), até então defensor de ações da PM, ensaiou nesta quinta-feira um recuo. Ele admitiu rever as práticas de abordagem e protocolos da polícia, e se disse “chocado” com as imagens divulgadas. Inicialmente o tucano havia inocentado os agentes antes mesmo do início das investigações, dizendo que a PM não havia tido responsabilidade pela tragédia e que apenas perseguiu criminosos em uma moto que dispararam contra a viatura (nenhuma imagem desta perseguição veio à tona até o momento da conclusão desta reportagem).
Ao longo da história do Brasil, mudou o ritmo, dos tambores, pandeiros e atabaques para a batida eletrônica grave. Mas há continuidade na repressão de manifestações culturais de matriz africana e negra (capoeira, candomblé e samba) ou periféricas (rap nos anos de 1990 e 2000 e funk atualmente) com empenho e violência. “Se no passado o sambista foi classificado como vagabundo, nos dias atuais a pessoa que se diverte no baile ou o artista do funk podem ser classificados como marginais, ou pior, traficantes”, explica Lourenço Cardoso, professor do Instituto de Humanidades da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab).
Um caso emblemático de criminalização apontado pelos que acompanham o tema é o do artista de funk DJ Rennan da Penha, criador de uma das maiores festas do gênero do Brasil, o Baile da Gaiola, no Rio. Ele foi condenado por associação ao tráfico de drogas em um frágil processo duramente criticado pela Ordem dos Advogados do Brasil e por defensores dos direitos humanos. Ele se entregou em abril e foi solto em novembro.
Jovens periféricos ocupando o espaço público são um dos estopins da violência do Estado contra esta parcela da população, diz Márcio Macedo, professor do Departamento de Gestão Pública da Fundação Getúlio Vargas-EAESP. “A repressão ao funk e aos fluxos está bem próxima do tipo de repressão aplicada pelas autoridades a manifestações como a que ficou conhecido como ‘arrastões’ nas praias cariocas, ao rap nos anos 1990 e 2000 e à histeria que se deu aos chamados ‘rolezinhos’ em shopping centers”, afirma Macedo. Para ele, “a mídia, de certa maneira, auxilia na promoção de uma imagem de espetacularidade desses jovens, com a criação de um certo pânico moral: uma pessoa ou grupo de pessoas que emergem e são definidas como uma ameaça aos valores societários e interesses da ordem social”. Ou seja, o baile funk é sempre associado apenas a uso de drogas, consumo de bebidas alcoólicas por menores de 18 anos, sexo desenfreado e outros comportamentos considerados inaceitáveis por parte da população. Nunca como uma opção de lazer —por vezes a única além do bar— nestes bairros periféricos. Também estão longe de serem movimentações marginais em termos de dinheiro. Nos fluxos muitas vezes nascem os grandes sucessos do gênero que se impõem nos ranking dos mais ouvidos das plataformas digitais e atraem produtoras milionárias do ramo. O crescimento das festas e o pancadão em alguns bairros de quarta a domingo, como o baile da Dz7, em Paraisópolis, não crescem sem tensão com o entorno e mesmo iniciativas de gestões anteriores para tentar disciplinar horários e ocupação como os chamados “permitidões” não foram completamente bem sucedidas.
Mas não é de hoje que negros ocupando o espaço público são motivo de preocupação para as autoridades e para parte da elite branca. Mario Augusto Medeiros da Silva, professor do departamento de sociologia da Unicamp, menciona um artigo escrito por Paulo Duarte (1899-1984), colunista do jornal O Estado de São Paulo, em 17 de abril de 1947, reproduzido em parte a seguir: “Os comícios de todas as noites na Praça do Patriarca e as concentrações também à noite de negros agressivos ou embriagados na rua Direita e na Praça da Sé [região central de São Paulo], os botequins do centro onde os grupos se embriagam, já estão provocando protestos (…) as famílias evitam passar”. A resposta para este problema? Um pouco de repressão e polícia, escreveu o jornalista. “O que mudou de 1947 até o massacre de Paraisópolis? Muito pouco com relação ao tratamento dado às populações negras e brancas pobres”, diz Silva.
Em bairros onde não existem opções de lazer, como ocorre na maioria das periferias brasileiras, a rua é uma das poucas opções. “A cidade de São Paulo é segregacionista com relação a pobres e pretos, aqueles que são historicamente considerados sub-humanos. As opções de lazer são hiper-concentradas em bairros específicos nas regiões central e oeste. Então o baile ocorre na rua, organizado de forma mais ou menos autônoma, sem custo de ingresso. Quem frequenta são pessoas que buscam lazer, o que é legitimo. São trabalhadores ou não, não importa, que ocupam o espaço da rua, que e o único possível para eles”, explica Silva.
Mesmo com toda a repressão o samba resistiu, e se consolidou ao longo do século passado como um dos grandes símbolos da cultura nacional. Os fluxos de São Paulo estão determinados a seguir o mesmo caminho, ao menos do ponto de vista da persistência. Apesar das bombas e prisões, continuam acontecendo, oferecendo uma opção de lazer barata, ocupando o espaço público e infernizando a vida de vizinhos com o barulho, muitas vezes de quarta e a domingo. Apesar do luto, em Paraisópolis a comunidade organizou um baile neste sábado em homenagem aos nove mortos. “Vão de branco”, diz o cartaz. Segue o baile.
A libertação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) teve um efeito positivo para sua imagem. A rejeição à sua prisão subiu, segundo pesquisa da consultoria Atlas, feita na Internet entre os dias 10 e 11 de novembro — dois dias após sua soltura — com 2.000 pessoas de todas as regiões do Brasil. Na comparação com o levantamento feito em julho, houve uma alta de sete pontos percentuais no índice de rejeição ao cárcere do ex-presidente, que passou de 37,4%% para 44,4%, respectivamente. Ao mesmo tempo, a percepção da imagem de Lula melhorou. Na pergunta “Você tem uma imagem positiva ou negativa de Lula”, 40,7% pontuaram como positiva, enquanto que em agosto o índice era de 34%. Ainda assim, uma maioria de 53% ainda possui uma imagem negativa do líder petista.
Ainda sobre a condenação que levou Lula à cadeia por 580 dias, a pesquisa mostra alguns resultados aparentemente contraditórios. Enquanto 47,8% se mostram a favor de sua prisão e 44,4% contra, 52,2% dizem que ela foi justa, ao passo que 42,3% acreditam que foi injusta. “Isso sugere que uma parcela chave da população considera que Lula já pagou o suficiente pelos erros que consideram tê-lo levado a sua condenação”, explica o cientista político Andrei Roman, fundador da Atlas. Roman observa que esse grupo se mostra “disposto a perdoar” o líder petista.
O Atlas traz ainda mostra que a maioria dos entrevistados, ou 56,5%, rejeita a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que derrubou na última quinta-feira a execução de uma pena condenatória logo após o julgamento em segunda instância e que resultou, no dia seguinte, na soltura do ex-presidente e outros condenados da Operação Lava Jato. Apenas 29,4% se disseram a favor, enquanto que 14,1% não souberam opinar. Isso indica uma discrepância entre a rejeição da decisão do STF e a rejeição à prisão do ex-presidente. Roman opina que “boa parte dos eleitores do Lula esperaria que o STF fosse decidir por sua inocência, ao invés de adotar essa solução, que essencialmente deixa o petista refém no futuro, e faz dele um bode expiatório para a libertação de outros personagens, muitos deles bem controversos”.
Porém, o cientista político não sabe dizer se esse assunto abordado pelo Supremo e toda sua natureza complexa ficou articulada com tanta clareza na cabeça do eleitorado lulista. “De qualquer forma, a dinâmica do STF dos últimos anos foi de muitas contradições em relação a sua própria jurisprudência. Apesar de guiado muito pela opinião pública, as reviravoltas e a fragmentação da Corte deixou ela bastante desacreditada, tanto com os eleitores mais à esquerda, como mais à direita. A população enxerga essas contradições como oportunismo ou briga pelo poder, o que talvez explique por que a decisão não tem um apoio popular semelhante à rejeição da prisão de Lula”, argumenta.
Popularidade de Moro e Bolsonaro
A pesquisa Atlas também mediu a popularidade do Governo Bolsonaro. As percepções pouco mudaram e se moveram dentro da margem de erro desde agosto, mês da última pesquisa. O índice de eleitores que acha a gestão ruim ou péssima subiu de 39,8% para 42,1%. Já a taxa daqueles que acreditam que o Executivo é ótimo ou bom caiu de 28,2% para 27,4%. Os que opinam que o desempenho do ultradireitista é regular passaram de 28,7% para 29,6% dos entrevistados.
Ainda assim, a imagem de Moro e Bolsonaro continuam ligeiramente melhores que a de Lula: 40,7% dos entrevistados enxergam o petista de maneira positiva, enquanto que 53% o veem de forma negativa. Com Bolsonaro, as taxas ficam em 42,6% (positiva) e 51,6% (negativa). Os melhores números são para o ex-juiz da Lava Jato: 48,4% (positiva) e 45,6% (negativa). Porém, a Atlas destaca que é a primeira vez que a aprovação pessoal do ministro da Justiça se encontra abaixo dos 50%. Ele já havia perdido 10 pontos de apoio — de 60% para 50,4% — logo após a série de reportagens sobre a Lava Jato do site The Intercept Brasil.
Atrás de Moro, Bolsonaro e Lula estão, nesta ordem, o ministro da Economia Paulo Guedes, o ex-prefeito Fernando Haddad, o ex-candidato Ciro Gomes (PDT), o apresentador Luciano Huck, o presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ) e, por último, o governador de São Paulo João Doria (PSDB). A rejeição a Doria tem avançado de modo acentuado. Em julho 42,5% diziam ter imagem negativa dele, índice que chegou aos 62% em novembro. “O centro sofre muito por conta da polarização, e qualquer candidato de centro que consiga chegar num segundo turno ganha a eleição. Mas chegar lá é quase impossível. É a história de Geraldo Alckmin ou Marina Silva nas eleições passadas no Brasil”, explica Roman.
O especialista ainda enxerga a possibilidade de que tanto Lula como Bolsonaro façam sinais em direção ao eleitorado mais indeciso e de centro. “No momento em que Lula consiga se posicionar como candidato com chances efetivas para ganhar, isso deveria servir como um incentivo de moderação para Bolsonaro, na busca do centro político”, argumenta. “Por outro lado, Bolsonaro nunca foi um político tradicional que atua de forma estratégica para construir o seu eleitorado. É disso que veio também sua aparente autenticidade, algo que acabou se transformando em sua maior fortaleza”, pondera.
Uma variável que ele acredita ser bastante importante é o desempenho da economia sob Bolsonaro. Não à toa o ex-presidente vem mirando suas críticas contra o ministro Paulo Guedes, por entender que o desapontamento com a situação econômica pode mudar a equação política. “Ninguém ilustrou isso melhor que Dilma Rousseff. A expectativa de Lula é que a economia não irá decolar e que isso irá afundar um governo Bolsonaro já bastante enfraquecido”, explica Roman. Ele ainda opina que pode-se esperar bastante moderação do petista. “‘Lula paz e amor’ foi uma fórmula que virou quase hegemônica. Certamente o ex-presidente entende isso e buscará isso. A tentativa de reconciliação com Ciro Gomes e os braços abertos para Marcelo Freixo e o PSOL são os primeiros exemplos”, completa. Cenários para as eleições
Apesar da melhora significativa na imagem de Lula, 53,5% dos entrevistados não votariam no petista em umas eleições presidenciais, contra 43,3% com possibilidades de votar no petista. Deste total, 34% dizem que votariam “com certeza” no ex-presidente, o que indica a fidelização de parte significativa do eleitorado — o suficiente para levá-lo a um segundo turno. Além disso, 46,4% dos entrevistados acreditam que o petista venceria as eleições, enquanto que 45,8% disseram não acreditar em sua vitória.
Em dados concretos: 45,6% votariam no atual mandatário, de extrema direita; 41,3% votariam em alguém apoiado pelo petista; e 13,1% não sabem dizer, anulariam ou votariam em branco. Seguindo a mesma tendência, 47,6% votariam em Moro; 40,2% escolheriam o candidato de Lula; 12,2% não sabem dizer, anulariam ou votariam em branco. No entanto, o questionário da Atlas não considerou como cenário uma candidatura de Lula — que seria possível caso suas condenações sejam anuladas — e sua ida para o segundo turno. Ou seja, não foi possível saber qual seria o desempenho do próprio ex-presidente contra Bolsonaro e Moro.
Roman aponta para a contradição com os dados do Datafolha de 2 de setembro. Na ocasião, ainda que a imagem do ex-presidente Lula estivesse pior, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad venceria com 42% dos votos em um segundo turno contra Bolsonaro, que ficaria com 36%. Outros 18% votariam nulo ou branco e 4% não souberam responder, ainda segundo o instituto — que escutou 2.878 pessoas acima de 16 anos em 175 municípios do país nos dias 29 e 30 de agosto.
O cientista político pondera que muita coisa pode acontecer até 2022, de modo que há possibilidades de que o cenário sofra mais alterações. Foi o que aconteceu recentemente na Argentina. “Uma ampla maioria da opinião pública era cristalizada contra Cristina Kirchner. Até hoje existe uma maioria a favor de sua prisão. Mesmo assim ela conseguiu eleger-se e eleger o próximo presidente”, explica. “No Brasil, como em tantas outras democracias, estamos vendo uma intensificação muito forte da polarização. Isso faz com que a rejeição de uma figura seja relativizada pela intensidade da rejeição de outra figura. Lula pode não ter uma maioria natural para eleger-se ou eleger o seu candidato. Mas contra o Bolsonaro, isso pode ficar viável”. E vice-versa. Apoio a ditadura
A Atlas também mediu a opinião do eleitorado em outros assuntos. Por exemplo, 74,7% se dizem contrários a uma ditadura, enquanto que 14% são favoráveis e 11,3% não souberam opinar. Além disso, 52,1% acreditam que a corrupção está aumentando. Nesta mesma linha, 56,6% sentem que a criminalidade também está subindo, apesar de os dados de 2018 e deste ano indicarem o contrário. A pesquisa da Atlas Político foi feita online entre os dias 10 e 11 de novembro com 2.000 pessoas de todas as regiões do país. A margem de erro é de 2% e o índice de confiança é de 95%.
Uma absurda campanha publicitária sobre os feitos de Dória na segurança é aterrorizante, com cenas perfeitas de uma guerra e, pior, livres para todas as idades nas tevês dos lares paulistas.
Assim caminha o Brasil e é assim a campanha eleitoral e publicitária do governo João Doria, sobre seus feitos como “general” da segurança.
Coisa de assustar, mesmo. Padrão Rambo ou Chuck Norris.
O supermercado da morte
Bolsonaro libera armas, Moro distribui “excludente de ilicitude”, Witzel manda mirar nas criancinhas, nas cabecinhas e, agora, os filmetes descritos pela Folha como uma “espécie de cruzamento de Tropa de Elite com algum episódio da série CSI: policiais atirando, pesquisas forenses em laboratório, tudo com um padrão cinematográfico”.
Não falta muito para lançarem um programa Minha Bala, sua Vida ou o “Cada Cadáver, um Voto”
Não faltam denúncias, imagens nem números a confirmar a escalada da violência de Estado nas favelas
Não há outra palavra para denominar o cotidiano de brutalidade ao qual as favelas do Rio de Janeiro estão expostas desde que Wilson Witzel aportou no Palácio Guanabara. O pensamento de Achille Mbembe, filósofo e pensador camaronês, é o que melhor resume a banalização de operações com blindados em terra, rasantes e disparos de helicópteros do céu. São ações que produzem pânico e morte nos morros — onde vive predominantemente a população negra e de baixa renda — sem traço de melhora na percepção de segurança no Estado do Rio. O nome é necropolítica.
“É basicamente uma política de morte, o poder de ditar quem deve viver e quem deve morrer. Ocorre cotidianamente em diversos territórios negros e periféricos, caso das favelas, identificados como territórios de inimigos que precisam ser combatidos. Fica estabelecido que aqueles corpos são matáveis, que essas vidas têm menos valor e são, portanto, descartáveis”, define Juliana Borges, pesquisadora em antropologia e autora de “O que é encarceramento em massa” (Pólen Livros).
A autora tratou do tema em artigo sobre as ações do então prefeito de São Paulo, João Doria, para dispersar frequentadores da cena de consumo de drogas na região central da capital paulista, a chamada Cracolândia. O raciocínio serve agora às intervenções que, no Rio, ganharam força como discurso eleitoral de um candidato desconhecido e materializaram-se no dia a dia das comunidades com a posse do governador.
Em agosto, seis jovens inocentes, cinco rapazes e uma moça, perderam a vida por bala perdida no Grande Rio. Esta semana, confrontos da polícia com traficantes interromperam por uma hora a circulação de trens e deixaram quatro mortos no Jacarezinho. Anteontem, no Complexo do Alemão, seis pessoas morreram, um policial ficou gravemente ferido e centenas de crianças não puderam ir à escola; na Maré, alunos tiveram de se abrigar no corredor de uma unidade de ensino.
De tão grave o cenário, membros da sociedade civil e representantes das comunidades estão recorrendo ao Ministério Público estadual e à Defensoria Pública. O Ministério Público Federal, por sua vez, está cobrando da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) a fiscalização dos helicópteros das forças de segurança do Rio. Seria atribuição do órgão monitorar estrutura, operação, gestão, treinamento, instalação da plataforma de tiros, transporte de armas, disparos a bordo e lançamentos de objetos.
Os números também confirmam a escalada da violência pela multiplicação dos confrontos. De janeiro a julho, houve 1.075 homicídios decorrentes de intervenções policiais no estado, informou o Instituto de Segurança Pública (ISP). Foi recorde histórico. Até agosto, a Rede de Observatórios da Segurança contou 1.697 operações com trocas de tiros.
Este ano, a plataforma Fogo Cruzado, que mapeia troca de tiros na Região Metropolitana, contabilizou 63 episódios de violência com três ou mais civis mortos; em 49 havia presença de policiais. As chacinas deixaram 235 vítimas fatais. Em relação ao mesmo período de 2018, houve aumento de 31% no total de casos, 58% na participação de agentes de segurança e 21% no número de mortos.
A partir das violências perpetradas no Rio, podemos enxergar uma política racista de extermínio e instrumentalização da vida, mobilizada pelo aparato estatal que impõe à população negra a morte e reforça a ideia de que a possibilidade de vida plena é atributo exclusivo da branquitude. A necropolítica não foi inventada no governo Witzel, mas tem na atual gestão uma exacerbação que não pode ser negligenciada ou simplificada”, resume Thula Pires, professora de Direito Constitucional da PUC-Rio.