Órgão diz que ex-ministro cometeu negligência na condução da pandemia.
O MPF apresentou à Justiça uma ação de improbidade administrativa contra o ex-ministro Eduardo Pazuello. O órgão afirma que Pazuello cometeu omissão e negligência na condução da pandemia, como em negociações para a compra de vacinas.
Protocolada na quarta-feira (30/6) na 20ª Vara de Justiça Federal, a ação tem a assinatura de oito procuradores e pede que o ex-ministro responda por quase R$ 122 milhões de dano aos cofres públicos.
Também solicita que Pazuello ressarça o valor integral do prejuízo, pague multa, perca função pública e tenha os direitos políticos suspensos de cinco a oito anos.
Os procuradores mencionaram seis atitudes do ex-ministro, incluindo suposta omissão na compra de vacinas, adoção ilegal do “tratamento precoce” e omissão na ampliação de testes de Covid-19.
O processo corre, no momento, em segredo de Justiça por ter documentos sigilosos.
Órgão pediu que o caso seja investigado na esfera criminal; enquanto a dose da Oxford-AstraZeneca custa, em média, R$ 19,87, governo aceitou pagar R$ 80,7 por dose do imunizante indiano.
Segundo matéria de Leandro Prazeres e Mariana Muniz, no Globo, o Ministério Público Federal (MPF) identificou indícios de crime na compra feita pelo Ministério da Saúde de 20 milhões de doses da vacina indiana Covaxin e vai investigar o caso também na esfera criminal — até então, o caso vinha sendo apurado em um inquérito na área cível. A dose da Covaxin negociada pelo governo é a mais cara entre todas as que foram contratadas pelo Ministério da Saúde, e o processo de aquisição do imunizante foi o mais célere de todos, apesar dos alertas sobre “dúvidas” em relação à eficácia, à segurança e ao preço da Covaxin, conforme mostrou O GLOBO. O contrato para a compra da vacina indiana totalizou R$ 1,6 bilhão.
Os indícios de crime foram mencionados pela procuradora da República Luciana Loureiro, que vinha conduzindo as investigações na esfera cível. Em despacho assinado no último dia 16, a procuradora disse que “a omissão de atitudes corretivas” e o elevado preço pago pelo governo pelas doses da vacina tornam necessária a investigação criminal. O contrato foi firmado entre o Ministério da Saúde e a empresa Precisa, que representa o laboratório indiano Bharat Biotech.
“A omissão de atitudes corretivas da execução do contrato somada ao histórico de irregularidades que pesa sobre os sócios da empresa Precisa e ao preço elevado pago pelas doses contratadas, em comparação com as demais, torna a situação carecedora de apuração aprofundada, sob duplo aspecto cível e criminal, uma vez que, a princípio, não se justifica a temeridade do risco assumido pelo Ministério da Saúde com essa contratação, a não ser para atender a interesses divorciados do interesse público”, escreveu a procuradora.
Em cinco pontos, os indícios que levaram o MPF a abrir apuração criminal sobre a compra da Covaxin:
Valor da vacina
Ainda sem aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a vacina indiana Covaxin ocupa o posto de imunizante mais caro comprado pelo governo federal, no valor de R$ 80,70 por dose — quatro vezes o valor unitário da AstraZeneca. A Embaixada do Brasil em Nova Déli chegou a relatar questionamentos sobre o preço da Covaxin naquele país. Telegramas diplomáticos em poder da CPI da Covid relatam que especialistas em saúde pública estariam criticando o alto preço que o governo indiano informou ter pago por cada dose da vacina : 4,10 dólares. No Brasil, o custo foi de 15 dólares a dose.
Velocidade da negociação
A negociação para fechar o contrato com a Precisa foi a mais rápida de todas. O período entre a negociação e a assinatura do contrato para aquisição da Covaxin levou 97 dias. O do imunizante da Pfizer demorou 330 dias, o prazo mais longo entre todas as vacinas.
Atuação de intermediário
O contrato de compra da Covaxin foi o único fechado pelo governo federal que contou com um intermediário. A CPI da Covid quer saber como a representante Precisa Medicamentos lucrou com a transação de R$ 1,6 bilhão para fornecer 20 milhões de imunizantes.
Pressão sobre servidor
Em depoimento ao Ministério Público, o servidor do Ministério da Saúde Luís Ricardo Miranda relatou ter “sofrido pressão atípica” de superiores para garantir a importação da vacina Covaxin. Ele afirmou que recebeu mensagens de “vários setores do ministério”.
Dívida com o ministério
A Global Gestão em Saúde, sócia da Precisa Medicamentos, tem uma dívida de R$ 19,9 milhões com o Ministério da Saúde. A empresa venceu uma licitação para fornecer medicamentos , recebeu o pagamento antecipado, mas não entregou os remédios.
Depoimento adiado
Nesta terça-feira, os advogados do presidente da Precisa, Francisco Emerson Maximiano, informaram à CPI que o executivo não poderia prestar o depoimento à comissão previsto para hoje. Eles alegaram que Maximiano voltou recentemente da Índia e precisaria ficar em quarentena. Segundo o presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), o depoimento deverá ser remarcado para a próxima semana.
O depoimento do chefe de importação do Departamento de Logística em Saúde do Ministério da Saúde, Luis Ricardo Fernandes Miranda, em março, reforça as suspeitas do Ministério Público. Uma cópia desse depoimento foi entregue à CPI. A informação foi divulgada pelo jornal “Folha de S.Paulo”, e a TV Globo teve acesso à íntegra da gravação. O servidor, responsável pela execução dos processos de importação, afirmou que estaria sofrendo pressões para acelerar o processo de compra da vacina indiana.
Em nota, a Precisa disse que está à disposição da CPI e que desconhece investigações do MPF sobre o contrato com o Ministério da Saúde. A empresa disse, ainda, que o preço cobrado pela dose da vacina no Brasil é o mesmo cobrado em outros 13 países. Ontem, o jornal “O Estado de S. Paulo” mostrou que houve um aumento de 1.000% no custo da dose, em relação ao anúncio inicial da fabricante.
O Ministério da Saúde informou que o caso está sob análise da consultoria jurídica e sustentou que ainda não foi feito qualquer pagamento ao laboratório. “O Ministério da Saúde esclarece que mantém diálogo com todos os laboratórios que produzem vacinas Covid-19 disponíveis no mercado. No entanto, só distribui aos estados imunizantes aprovados pela Anvisa, que avalia rigorosamente a documentação dos fabricantes”, disse a pasta.
O Ministério Público Federal pagou ao procurador da República Diogo Castor de Mattos pelo menos R$ 373,6 mil em diárias para ele atuar na “lava jato” em Curitiba, cidade em que morava. As informações são do site The Intercept Brasil.
Serve para cobrir gastos com hospedagem, alimentação e locomoção.
Castor recebeu 425 diárias entre 2014 e 2019, período em que atuou na operação, segundo relatório sobre diárias pagas na “lava jato” que a Procuradoria-Geral da República enviou ao Tribunal de Contas da União.
O procurador justificou os adicionais por ter deixado sua casa em Jacarezinho, no norte do Paraná, a 386 quilômetros da capital, para trabalhar em Curitiba. Com as diárias, o salário mensal do procurador, de R$ 25 mil, recebeu acréscimo de até R$ 11 mil por mês.
Porém, durante esse período, Castor morou em Curitiba, em três apartamentos diferentes — sendo um de sua propriedade. Isso é o que ele mesmo afirmou em cinco ações que moveu em juizados especiais da cidade.
Porém, durante esse período, Castor morou em Curitiba, em três apartamentos diferentes — sendo um de sua propriedade. Isso é o que ele mesmo afirmou em cinco ações que moveu em juizados especiais da cidade.
Em mensagem de 5 de dezembro de 2018 em grupo no Telegram, Castor convida seus colegas para um “churras” em sua casa: “Pessoal, happy hour de encerramento do ano na casa do Castor, rua julia wanderley, [suprimido]”.
A PGR informou ao TCU que a “lava jato” em Curitiba, São Paulo e Rio de Janeiro gastou, em conjunto, R$ 3,25 milhões em diárias de viagem — passagens não estão nessa conta. A filial paranaense respondeu por mais de 97% desse gasto: R$ 3,17 milhões — a maior parte deles para levar procuradores para trabalhar em Curitiba.
Questionamento sobre gastos
Em setembro de 2017, jornalistas questionaram as diárias pagas ao procurador Orlando Martello. Ele recebeu 457 deles, no total de R$ 461 mil.
Martello está vinculado à comarca de São Paulo e recebia diárias sempre que ia a Curitiba. Contudo, ele é casado com a procuradora Letícia Pohl Martello, que mora na capital do Paraná e ficava na casa dela na cidade. Os dois também recebiam auxílio-moradia.
Em resposta à imprensa, Martello afirmou que recebeu diárias porque oficialmente não tinha domicílio em Curitiba — diferentemente de Castor, que disse algumas vezes à Justiça ser residente da capital.
Já o ex-procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, que agora presta consultoria a empresas, fez carreira e tem família em Curitiba. Porém, no período em que atuou na “lava jato”, estava vinculado a São Paulo. Dessa maneira, recebeu 377 diárias, que somam mais de R$ 361 mil.
Outro lado
O MPF disse ao Intercept que os pagamentos das diárias foram regulares e que o fato de Castor morar em Curitiba e receber adicional para trabalhar na cidade não veda o recebimento do benefício. Também declarou não saber se ele tem imóveis.
Além disso, o MPF sustentou que o sistema de trabalho adotado permitiu “a devolução de mais de R$ 5 bilhões aos cofres públicos brasileiros, bem como o compromisso contratual de devolução de outros R$ 10 bilhões, resultado esse sem precedentes em investigações brasileiras”.
Procuradores dizem em conversas hackeadas que ela lavrou depoimento sem ter de fato ouvido um delator.
O ministro da Justiça, André Mendonça, foi questionado por ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre a revelação de que a delegada Érika Marena, que coordenou investigações da Lava Jato, lavrou o depoimento de uma testemunha sem que ele tivesse ocorrido de fato. O ministro, ao qual a PF é subordinada, afirmou que averiguaria os fatos.
O procedimento de Marena foi revelado em diálogos entre os procuradores Deltan Dallagnol e Orlando Martello Júnior que foram hackeados.
Na conversa, Dallagnol disse que Marena poderia “sair muito queimada nessa” e que “pode dar falsidade contra ela”.
O Ministério Público Federal do Paraná afirma que o depoimento citado foi do delator Fernando Moura, que disse uma coisa à PF e depois negou perante a Justiça. “É natural que possa ter havido questionamentos e especulações, entre os procuradores, sobre terem havido todos os cuidados necessários na colheita do depoimento” pela PF, diz o MPF.
Em momento posterior, ficou demonstrado que “todos os depoimentos do colaborador na Polícia Federal foram tomados com sua presença acompanhada de advogados”.
Leia a íntegra da nota do Ministério Público Federal de Curitiba:
1. Primeiro, é importante reafirmar que os procedimentos e atos da força-tarefa da Lava Jato sempre seguiram a lei e estiveram embasados em fatos e provas. As supostas mensagens são fruto de atividade criminosa e não tiveram sua autenticidade aferida, sendo passíveis de edições e adulterações. Reafirmam os procuradores que não reconhecem as supostas mensagens, que foram editadas ou deturpadas para fazer falsas acusações que não têm base na realidade.
2. Quanto à reportagem publicada na data de hoje (22/02/2021), ainda que os diálogos tivessem ocorrido da forma como apresentados – embora não se reconheça o seu conteúdo, seja pelo tempo, seja pela ordem em que são apresentados, seja pelo conteúdo –, foram apresentados absolutamente fora de contexto e omitem parte relevante da questão, deturpando a compreensão da realidade.
3. A análise mais ampla dos supostos diálogos apontam que se refeririam a depoimento específico prestado por Fernando Moura que, após confessar seus crimes em acordo de colaboração premiada e depoimento perante a Polícia Federal, negou os fatos perante a Justiça Federal em depoimento prestado no dia 22 de janeiro de 2016. Naquela ocasião, ele questionou se de fato tinha feito as afirmações que constavam em seu termo colhido perante a Polícia Federal.
4. Diante do teor das declarações do colaborador à Justiça, é natural que possa ter havido questionamentos e especulações, entre os procuradores, sobre terem havido todos os cuidados necessários na colheita do depoimento de Fernando Moura perante a Polícia, já que o teor dos depoimentos refletia o que havia sido dito por ocasião do acordo do colaborador. Isso mostra apenas preocupação com a absoluta correção formal e transparência dos procedimentos – que, se estivessem equivocados, o que jamais se constatou nas apurações que seguiram, precisariam ser corrigidos, com a adoção das providências pertinentes.
5. Com efeito, a verificação dos fatos, em momento posterior ao das supostas conversas, demonstrou que todos os depoimentos do colaborador na Polícia Federal foram tomados com a sua presença acompanhada de seus advogados e que havia confirmado as informações que havia prestado em seu acordo de colaboração. Na época, o colaborador Fernando Moura estava preso e o seu deslocamento interno para o depoimento pode ser consultado junto aos registros da carceragem. Ou seja, não houve depoimento lavrado por advogado como se tivesse sido lavrado pela Polícia Federal.
6. Além disso, o colaborador Fernando Moura, no dia 3 de fevereiro de 2016, em um novo depoimento perante o Ministério Público (clique aqui para assistir) e num segundo depoimento perante a Justiça Federal, reconheceu que havia mentido perante a Justiça na ocasião anterior, alegando ter sido ameaçado por alguém no dia anterior ao seu depoimento. Some-se que, nessa nova ocasião, ele confirmou as declarações que havia prestado no acordo de colaboração ao Ministério Público e no depoimento perante a Polícia Federal, dissipando as dúvidas que ele mesmo havia levantado e que podem ter levado aos questionamentos dos procuradores, caso as supostas mensagens tenham se verificado como apresentadas.
7. É importante esclarecer ainda que, em algumas negociações de acordos, inicialmente os colaboradores apresentaram autodeclarações sobre certos temas, prestadas perante seus próprios advogados. Na medida em que prestadas perante o defensor constituído, adotou-se a prática de recebê-las e os depoimentos eram confirmados em novas oitivas perante a autoridade policial ou perante o Ministério Público. Houve registro desses fatos nos próprios termos de depoimento (indicando se foram colhidos perante advogados ou perante a autoridade policial ou procuradores). Posteriormente, esses depoimentos foram refeitos seja perante a respectiva investigação, seja perante a ação penal, aproveitando-se o teor de declarações anteriores que podiam ser retificadas ou complementadas. Tais depoimentos foram em regra gravados. Esse mesmo procedimento foi adotado por delegados e procuradores de diferentes lugares e instâncias e igualmente perante várias instâncias da Justiça, de modo transparente, inclusive o STF. Não há qualquer irregularidade, mácula ou falsidade nessa conduta.
8. Os supostos diálogos, se tiverem ocorrido como apresentados, revelam ainda o receio de perseguições e retaliações administrativas por possível equívoco no modo como foi registrado o depoimento, mesmo que o conteúdo do depoimento estivesse absolutamente correto. Contudo, como se explicou, verificou-se em apuração posterior que a forma de coleta dos depoimentos também se deu de forma correta.
9. Se não houvesse parcialidade, seleção ou omissão de textos das supostas mensagens que constam no próprio material, esta explicação provavelmente estaria no próprio desenvolvimento dos supostos diálogos. Lamenta-se não ter sido previamente oportunizado o direito de resposta antes da publicação da primeira reportagem sobre o assunto, nesta data.
De acordo com portaria assinada nesta sexta-feira (8), o acesso será permitido aos integrantes do MPF em todo o país.
O procurador-geral da República, Augusto Aras, assinou nesta sexta-feira (8) portaria que permite amplo compartilhamento interno de informações colhidas em investigações do Ministério Público Federal, incluindo dados sigilosos da Lava Jato.
A ideia foi anunciada por Aras no final do ano passado. A medida, agora, assinada em conjunto com a corregedora-geral do MPF, Elizeta Ramos, regulamenta como será o recebimento, o armazenamento e o compartilhamento das informações.
Só o arquivo da força-tarefa da Lava Jato de Curitiba tem um total de 1.000 terabytes. O material está em poder da Sppea (Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise), órgão da PGR (Procuradoria-Geral da República).
O compartilhamento de informações colhidas em apurações não é novidade na rotina do MPF. Busca-se, a partir de agora, segundo a PGR, fazê-lo de forma mais sistematizada e ampliada.
Aras defende esse modelo de compartilhamento por entender que ele é um avanço institucional. O procurador-geral tem defendido que a inovação simplificará o trabalho dos integrantes do órgão, por possibilitar, segundo avalia, atuação mais célere e efetiva dos investigadores, com melhor aproveitamento do conhecimento produzido pela Procuradoria.
O banco de dados da Lava Jato reúne informações, parte delas sigilosa, sobre pessoas e empresas, incluindo os acordos de delação premiada e de leniência.
O procurador que estiver atuando em determinada investigação poderá consultar o arquivo em busca de elementos que possam contribuir com seu trabalho.
Para isso, o interessado terá que formalizar um pedido e justificá-lo. A Sppea fará a pesquisa e enviará um relatório a quem solicitou a informação. Além disso, a distribuição pode ocorrer por iniciativa do procurador responsável pelo ofício ao qual os dados estão vinculados.
Para uma informação sigilosa obtida por meio de decisão judicial ser compartilhada, explica a PGR, é preciso haver autorização da Justiça.
Ao comentar o assunto em dezembro, em conversa com jornalistas para fazer o balanço de 2020 das ações da PGR, Aras explicou que a ideia era adotar modelo similar ao Coaf (Conselho de Controle das Atividades Financeiras), que produz relatórios de inteligência para órgãos de investigação, com “monitoramento e rastreamento de quem acessa os dados”.
O banco de dados da força-tarefa no Paraná foi uma das polêmicas envolvendo o procurador-geral e integrantes da Lava Jato no ano passado. Aras comentou que a operação tinha “caixa de segredos”.
O imbróglio motivou, inclusive, um recurso da PGR ao STF (Supremo Tribunal Federal) para ter acesso às informações coletadas por Curitiba. A força-tarefa coleciona informações desde março de 2014, quando foi realizada a primeira fase da operação.
A Lava Jato negou inicialmente o acesso e denunciou à Corregedoria-Geral do Ministério Público Federal a subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo, uma das principais auxiliares de Aras e encarregada de levar os dados para Brasília.
“A situação agora está equalizada”, disse o procurador-geral em dezembro.
De acordo com os estudos da PGR que embasaram a edição da portaria, o compartilhamento de dados sigilosos ocorrerá sem prejuízo do caráter sigiloso e da possibilidade de a corregedoria fiscalizar os acessos realizados.
Todos os dados recebidos por procuradores deverão ser registrados no Único, sistema de informações processuais do MPF, e classificados de acordo com o grau de sigilo necessário. “Todo o procedimento ficará registrado no Único, com transparência”, disse Aras.
O armazenamento desses dados deverá ser feito nessa plataforma ou em solução disponibilizada pela própria instituição.
“O objetivo é formalizar o compartilhamento interno”, disse a corregedora Elizeta Ramos. “Como se deve pedir, quem pode pedir, quem pode autorizar.” De acordo com ela, isso dará segurança jurídica ao procedimento, além de propiciar que o armazenamento seja feito com a devida segurança.
O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Ricardo Lewandowski, determinou hoje que o juiz Waldemar Cláudio de Carvalho seja intimado a cumprir sua decisão após negar à defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva o acesso a mensagens de autoridades hackeadas que foram apreendidas no âmbito da Operação Spoofing, da Polícia Federal.
O acesso concedido seria relativo apenas às mensagens que digam respeito, direta ou indiretamente, a Lula e que tenham relação com as investigações e as ações penais contra ele.
A Operação Spoofing foi deflagrada em julho de 2019 e buscou desarticular uma organização criminosa de crimes cibernéticos. O compartilhamento do material havia sido autorizado por Lewandowski, relator do caso, em 28 de dezembro.
No dia 31, no entanto, o juiz da 10ª Vara foi na contramão da decisão do Supremo, sob o argumento de que esse tipo de pedido não pode ser apreciado durante o regime de plantão. Ele ainda solicitou parecer do MPF (Ministério Público Federal)— que se manifestou contra o compartilhamento.
O ministro Ricardo Lewandowski rejeitou recurso da defesa do ex-presidente Lula, mas cobrou o MPF por informações que não foram prestadas.
O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), reforçou a determinação de que a 13ª Vara Federal de Curitiba – onde atuava o ex-juiz federal Sérgio Moro – deve abrir para a defesa do ex-presidente Lula documentos do acordo de leniência da Odebrecht. Além disso, ele acionou a Corregedoria do Ministério Público para informar se há registros de elos da Força-Tarefa da Lava Jato com instituições estrangeiras.
“Esta Suprema Corte emitiu uma determinação clara e direta para que o Juízo de origem assegurasse ao reclamante amplo, incondicional — e não fragmentado e seletivo — acesso a todos os dados e informes constantes dos autos e seus anexos ou apensos, salvo aqueles envolvendo diligências em andamento, as quais, convém sublinhar, já não mais existem”, diz o ministro.
Na decisão, Lewandoski negou embargos declaratórios da defesa de Lula, mas destacou que a 13ª Vara não enviou os documentos na íntegra, como determinado, e entregou apenas fragmentos à defesa.
Em seguida, o ministro fez diversas críticas ao Ministério Público Federal (MPF) de Curitiba, apontando contradições em esclarecimentos prestados pelo órgão.
Entre os pontos destacados está a ausência de informações sobre a colaboração do MPF com autoridades dos Estados Unidos e da Suíça – um dos pontos solicitados pela defesa. Os procuradores alegam que “não foi produzida nenhuma documentação relativa a comunicações com autoridades estrangeiras para tratar do acordo de leniência”.
“Essa assertiva, salta à vista, não se afigura verossímil, sobretudo porque os Estados Unidos da América e a Suíça são países que constam, expressamente, como aderentes do referido ajuste, conforme sua cláusula 7ª, na qual se lê o seguinte: ‘Este Acordo é parte de um acordo global coordenado pelas autoridades competentes das jurisdições brasileira, estadunidense e suíça […]’ (grifei). Os mencionados países, inclusive foram representados, respectivamente, pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos da América (Department of Justice – DoJ) e pela Procuradoria-Geral da Suíça (Office of the Attorney General of Switzerland), conforme documento eletrônico 38, fl. 11″, destacou o ministro.
Por conta disso, Lewandoski aciona a Corregedora-Geral do Ministério Público Federal para informar no prazo de 60 (sessenta dias), se “de fato, inexistem – ou se foram suprimidos – os registros das tratativas realizadas pelo MPF de Curitiba com autoridades e instituições estrangeiras, bem assim os concernentes aos demais dados requeridos pela defesa”.
O senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) informou que não poderá comparecer à acareação (confronto de versões) com o empresário Paulo Marinho no dia 21 de setembro por falta de disponibilidade na agenda. A informação foi publicada pelo jornal O Globo e confirmada pela assessoria do senador.
A data foi sugerida pelo MPF (Ministério Público Federal), que pretende colocar os dois frente a frente para falar sobre as suspeitas de vazamento de informações da Operação Furna da Onça, realizada em novembro de 2018. Marinho diz que Flávio foi informado com antecedência sobre a operação, o que o senador nega.
Segundo a defesa do senador, o agendamento de uma data para a acareação será avaliado no caso de um convite formal ou intimação do MPF. A sugestão do dia 21 de setembro, por sua vez, não poderá ser atendida por falta de disponibilidade.
Em julho, Marinho já havia “provocado” Flávio e dito que estava à disposição do MPF para a acareação, bastando marcar hora, data e local. “Reafirmo tudo que relatei nos meus três depoimentos. Já o senador assumiu que esteve na minha casa na reunião do dia 13/12/18, mas não soube de nada. Francamente, senador!”, escreveu o empresário em uma rede social.
Entenda o caso
Paulo Marinho acusa o senador de ter tido acesso antecipado a uma ação da Polícia Federal contra seu ex-assessor parlamentar, Fabrício Queiroz. A denúncia de Marinho, feita em maio à Folha de S.Paulo, foi classificada por Flávio como uma “invenção de alguém desesperado e sem votos”.
Marinho, que é presidente do PSDB no Rio de Janeiro e suplente de Flávio no Senado, também é pré-candidato à prefeitura da capital fluminense.
O tucano já prestou três depoimentos, sendo dois à PF e um ao MPF. Flávio também falou ao MPF, e admitiu ter pedido e realizado uma reunião com Marinho em dezembro de 2018 — mas negou o vazamento de informações sobre a Operação Furna da Onça. Um trecho do depoimento do senador foi divulgado em 31 de julho pelo “Jornal Nacional”, da TV Globo.
“É uma situação que vai acontecendo. A imprensa atirando pedra em mim, eu tinha que me defender, procurar um advogado. Foi essa a intenção (de se reunir com Marinho), porque o Marinho eu tinha a percepção de que era uma pessoa bem relacionada no mundo jurídico. Então fui consultá-lo pra ver se ele tinha uma pessoa para indicar”, disse Flávio.
Paulo Marinho foi um dos principais apoiadores da candidatura de Jair Bolsonaro à presidência em 2018, chegando a emprestar um imóvel para que o então deputado federal pudesse gravar programas eleitorais e conceder entrevistas.
Uma enorme coleção de materiais nunca revelados fornece um olhar sem precedentes sobre as operações da força-tarefa anticorrupção que transformou a política brasileira e conquistou a atenção do mundo.
força-tarefa da operação Lava Jato em Curitiba recebeu uma investigação sigilosa sobre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva antes de fazer um pedido formal para o compartilhamento dela. O caso ocorreu durante os preparativos para a operação que obrigou o petista a prestar depoimento, em 2016. Semanas antes da condução coercitiva de Lula, os procuradores de Curitiba obtiveram a cópia de uma apuração que, oficialmente, só seria compartilhada um mês depois por colegas do Ministério Público Federal no Distrito Federal.
A apuração sigilosa era um Procedimento Investigatório Criminal, ou PIC, instrumento usado pelo Ministério Público Federal para iniciar investigações preliminares sem precisar de autorização da justiça. Os PICs estão no centro da disputa entre o atual procurador-geral da República, Augusto Aras, e a força-tarefa de Curitiba.
Desde que foi obrigada a entregar seu banco de dados à Procuradoria-Geral da República, no início de julho, a força-tarefa afirma que o compartilhamento de PICs é indevido e que deveria ser pontual, feito apenas mediante justificativa cabível e pedido formal. O compartilhamento atualmente está suspenso por decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal.
Quando lhe foi conveniente, porém, a equipe liderada por Deltan Dallagnol se aproveitou da falta de normas claras sobre compartilhamento de provas no Ministério Público para “dar uma olhadinha” em investigações de colegas, mostram conversas de Telegram entregues ao Intercept. Na prática, isso quer dizer que os procuradores de Curitiba não julgaram necessários os ritos e formalidades que agora exigem da PGR.
As mensagens também sugerem que a Lava Jato chegou a se perder – mais de uma vez – em meio aos procedimentos de investigação que tinha em andamento. Aras tem alegado que a Lava Jato acumula dados de 38 mil pessoas e sugere que boa parte deles se originam de um excesso de investigações paralelas abertas em Curitiba. Não é uma crítica inédita – já foi feita, em 2017, pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal.
Pois ainda em 2015, no segundo ano da operação, tal excesso foi notado pelos próprios procuradores, revelam as conversas no Telegram.
Em momentos críticos, como nas investigações que desaguaram na operação contra Lula em 2016, isso foi percebido até na Receita Federal. Num grupo de Telegram que reunia procuradores e policiais federais, os participantes se deram conta de que vinham fazendo pedidos idênticos ao fisco para alimentar as respectivas investigações, que corriam em paralelo.
A ‘perninha’ informal da Lava Jato
Um PIC pode ser prorrogado se o MPF achar necessário e não passa pelo controle do Judiciário. Por meio deles, procuradores podem fazer inspeções, vistorias e pedidos de documentos, inclusive sigilosos, e terceirizar tomadas de depoimento de testemunhas para polícias e até guardas municipais.
Os PICs em regra são públicos, mas procuradores podem decretar sigilo (também sem precisar de aval da justiça) e mantê-los em segredo pelo tempo que bem entenderem. A investigação sobre Lula à qual a Lava Jato teve acesso antecipado, por exemplo, está em sigilo até hoje, cinco anos após ter sido aberta.
Em um desses PICs, aberto por procuradores do MPF em Brasília, apurava-se um possível tráfico de influência de Lula para ajudar a empreiteira Odebrecht a fechar contratos com financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES, no exterior.
Um dos documentos do PIC é um relatório que listava correspondências trocadas entre o Itamaraty, de 2011 a 2014, e autoridades de cinco países onde a construtora tinha interesses. Ele já circulava no grupo de Telegram exclusivo dos procuradores de Curitiba em 12 de fevereiro de 2016, mas a Lava Jato só teve acesso formal à investigação quase um mês depois, em 10 de março, como mostra um ofício emitido naquele dia pelo MPF do Distrito Federal.
Ou seja, o documento foi obtido por fora dos canais oficiais.
A ideia da força-tarefa era juntar essas informações ao material que já tinha sobre Lula. Os procuradores sonhavam em compor um caso forte que servisse para reforçar a competência deles nos processos contra o petista. É algo que a defesa do ex-presidente sempre contestou, alegando que os casos deveriam ser concentrados na Justiça Federal de São Paulo, onde ele mora e estão o triplex (Guarujá) e o sítio (Atibaia). Sergio Moro e a Lava Jato, porém, sustentavam que havia conexão entre esses casos e a corrupção na Petrobras, tese que acabou prevalecendo, não sem críticas.
Naquele momento, porém, os procuradores queriam colocar “a perninha da Lava Jato” nessas investigações, nas palavras de Roberson Pozzobon.
As discussões dos procuradores indicam que o material foi recebido de duas formas: primeiro por meio de cópias digitalizadas e, dias depois, pelo correio. Ambos os envios foram articulados via Telegram antes do ofício que regularizou o acesso.
No início de fevereiro de 2016, quando a Lava Jato já preparava a condução coercitiva de Lula, o procurador Paulo Galvão consultou o chat FT MPF Curitiba 3, de uso exclusivo dos membros da força-tarefa, sobre a possibilidade de receberem investigações contra o ex-presidente que corriam em Brasília.
Em mensagem no dia 2 de fevereiro, Galvão avaliou que a equipe do Paraná já conhecia os fatos que vinham sendo apurados na capital federal, exceto por “telegramas do itamaraty que mencionam benefícios às empreiteiras e o uso do 9 para lobby”. Era uma referência a Lula, assim apelidado por causa do dedo amputado num acidente de trabalho.
Os tais telegramas eram um conjunto de correspondências trocadas de 2011 a 2014 entre o governo brasileiro e autoridades de Angola, Cuba, Panamá, República Dominicana e Venezuela. Eles foram reunidos pelo MPF de Brasília de forma sigilosa, em outubro de 2015, numa investigação aberta três meses antes para apurar se Lula havia favorecido a Odebrecht em obras financiadas pelo BNDES.
Ninguém respondeu à mensagem de Galvão naquele momento, mas o assunto voltou à tona quatro dias depois num grupo de Telegram criado especialmente para discutir as investigações em andamento contra Lula:
Em outro trecho do mesmo chat, no dia seguinte, ficaria claro por que a Lava Jato desejava assumir aquela investigação. Primeiro, o procurador Júlio Noronha reforçou a importância de a força-tarefa receber “aqueles documentos do Itamaraty que podemos usar para cruzar com convites para palestras no exterior”. Em resposta a essa sugestão, houve a seguinte conversa:
Pozzobon fez duas confissões: sobre a intenção de dar “uma olhadinha” informal na investigação sigilosa de Brasília e a ânsia de manter no Paraná as investigações contra o ex-presidente.
Logo em seguida a essa conversa, Dallagnol já combinava com Galvão, num chat privado, como botar as mãos naqueles autos. Quatro dias depois, em 11 de fevereiro, Dallagnol passou aos colegas um relato das investigações em andamento em Brasília “sobre o nono elemento” (outra referência ao dedo amputado de Lula) e avisou que o MPF de Brasília iria “mandar tudo digitalizado amanhã”.
Em 12 de fevereiro, dia seguinte ao anúncio de Dallagnol, o procurador Diogo Castor de Mattos usou o mesmo chat para narrar descobertas que vinha fazendo no relatório do MPF de Brasília sobre as correspondências do Itamaraty, o mesmo documento que os procuradores já vinham cobiçando.
As informações sobre o BNDES que Castor citou no início da conversa foram retiradas do arquivo em pdf que ele dividiu com os colegas no mesmo chat minutos depois, às 19h05. O documento, que faz parte do PIC que a equipe de Curitiba vinha discutindo, só poderia estar naquele inquérito. O problema é que a Lava Jato foi autorizada oficialmente a acessá-lo somente em 10 de março. Até aquela data, portanto, o compartilhamento havia sido feito por baixo dos panos.
‘Não vamos deixar transparecer q tivemos acesso’
Com o passar dos dias, ficou evidente que a Lava Jato queria manter em segredo que havia consultado aqueles autos. A primeira menção a isso foi em 20 de fevereiro, um dia após a investigação ter vazado para a revista Época. O procurador Paulo Galvão enviou o link da reportagem aos colegas de equipe e, logo em seguida, fez um pedido:
O diálogo revela que a Lava Jato pretendia estudar o caso furtivamente para poder, eventualmente, “esquentar” o material numa nova investigação ou denúncia. Nesse caso, segundo Galvão, a força-tarefa produziria novamente as provas, sem deixar à mostra de onde surgiram as informações.
Mais tarde, no mesmo dia, a equipe comenta uma manifestação da defesa de Lula, que protestava porque tentava conseguir uma cópia daquele caso, sem sucesso, desde dezembro de 2015. Desta vez é Noronha quem alerta os parceiros para manterem a manobra em segredo: “Pessoal, por favor, lembrem de não dizer que tivemos.acesso a esses autos! Só confusão que vem de lá”.
O assunto voltou no dia 4 de março, data da condução coercitiva de Lula, quando a força-tarefa voltou a discutir o que fazer com as investigações que corriam contra o ex-presidente em Brasília. Na ocasião, decidiram marcar uma videoconferência com os colegas, na semana seguinte, para tratar do assunto. A reunião, aparentemente, ocorreu no dia 9 daquele mês. Horas antes, Paulo Galvão voltou a pedir discrição. Sua intenção era esconder dos próprios colegas de Brasília que os procuradores de Curitiba tiveram acesso PIC:
No dia seguinte a essa conversa, depois de passar quase um mês em posse da investigação, a Lava Jato finalmente regularizou o compartilhamento, graças a um ofício do procurador Anselmo Cordeiro Lopes.
O conteúdo da investigação, segundo o pedido oficial, serviria para auxiliar Curitiba na condução de um PIC muito mais abrangente, que havia sido aberto em 2015 para apurar os pagamentos a Lula pela empreiteira OAS por meio da reserva ou reforma de imóveis. Foi o procedimento que iniciou as investigações sobre o triplex do Guarujá e o sítio de Atibaia.
Mas o material sobre o BNDES, colhido com o MPF de Brasília, não chegou a ser usado nos procedimentos da força-tarefa que vieram a público. Até hoje, a Lava Jato do Paraná não fez contra o ex-presidente nenhuma denúncia ligada às obras financiadas no exterior pelo banco estatal.
A investigação em que a Lava Jato deu uma “olhadinha” gerou uma denúncia feita pelo MPF de Brasília em outubro de 2016. Taiguara dos Santos, sobrinho da primeira mulher de Lula, foi acusado de ganhar indevidamente um contrato com a Odebrecht em Angola, financiado pelo BNDES. Em junho de 2020, porém, a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região decidiu trancar a ação contra Taiguara e outro acusado. O TRF1 viu “inépcia da denúncia”. Lula segue respondendo ao processo.
‘Vocação para a clandestinidade’
espiada na investigação de Brasília sobre o BNDES foi a única a deixar um rastro no Telegram, mas as conversas no aplicativo sugerem que outros quatro procedimentos contra Lula também chegaram às mãos da força-tarefa naquele momento.
A norma mais recente do MPF sobre os PICs determina, em um de seus artigos, que o procedimento precisa ser compartilhado por meio de “expedição de certidão, mediante requerimento” de qualquer interessado, inclusive do próprio Ministério Público. Não há nada, porém, proibição expressa ao repasse das informações da maneira adotada pela Lava Jato de Curitiba.
Procurada, a PGR reconheceu que o ofício é o caminho correto para a troca de informações dentro da procuradoria, mas não vê uma violação flagrante no procedimento informal. “Provas pertencem à instituição Ministério Público Federal, e não a determinados membros ou grupos. Foi nesse contexto que a PGR solicitou, por meio de ofícios, o compartilhamento de dados das forças-tarefas em 13 de maio”, afirmou o órgão, em nota que aproveita para defender a tese do atual chefe do órgão, Augusto Aras.
A falta de um enquadramento legal não impede, porém, que a conduta da Lava Jato seja considerada reprovável. “Uma coisa é você fazer a cooperação dentro do canal legal, deixando tudo registrado por escrito. Outra coisa é combinar isso pelo Telegram, onde não há nenhum tipo de controle. É algo muito grave e que mostra, digamos, uma vocação para a clandestinidade”, avalia o jurista Cristiano Maronna, doutor em Direito pela USP e conselheiro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, o IBCCrim, a quem apresentamos o caso.
Perguntamos à Lava Jato no Paraná se reconhecia ter acessado os autos por antecipação, se esse expediente era comum e se os procuradores consideram o procedimento adequado.
Em nota, a força-tarefa não negou o recebimento informal dos autos e nem o fato de que eles estavam sob sigilo, mas eximiu-se de culpa. Segundo a resposta do grupo, “cabe ao próprio procurador que é titular da investigação conferir acesso às informações quando e da forma que entender pertinente, não sendo necessárias formalidades especiais para tanto”.
É uma alegação que não resiste ao confronto com o procedimento adotado pela própria Lava Jato em seguida. Mesmo considerando que a troca de informações sigilosas entre procuradores não depende de “formalidades especiais”, a força-tarefa as adotou após receber os autos de maneira informal, emitindo um ofício a Brasília.
Já o MPF do Distrito Federal se recusou a comentar o caso. Perguntamos ainda ao Conselho Nacional do Ministério Público se o órgão vê problema no procedimento. O CNMP limitou-se, no entanto, a citar as normas que tratam dos PICs e informou não poder comentar o caso concreto, porque pode eventualmente ser chamado para julgá-lo.
A PGR está investigando as manobras da Lava Jato para se apropriar de investigações, como no caso de Lula. No último dia 30, a corregedora-geral da instituição, Elizeta de Paiva Ramos, mandou abrir uma sindicância sobre o trabalho das forças-tarefa devido à suspeita de que a equipe de São Paulo ignorava a distribuição regular dos casos para assumir aqueles de seu interesse, algo que os procuradores negam.
Em julho de 2017, o atual regulamento do Ministério Público Federal sobre os PICs foi alterado, permitindo ao órgão delegar tomadas de depoimento de testemunhas para polícias e até guardas municipais. A mudança foi duramente criticada pela advogada Janaina Paschoal, atual deputada estadual pelo PSL de São Paulo e na época já famosa por ter sido uma das autoras do pedido de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.
Em texto que publicou num site jurídico um mês após a edição da norma, Paschoal argumentou que a mudança deu aos procuradores “poderes não contemplados nem pela Constituição Federal, nem pela legislação ordinária”, e, na prática, transformou o MPF “em polícia paralela com ascendência sobre as demais”.
‘levou tudo pra uma sala de POA’
Em Curitiba, mostram as conversas via Telegram, o excesso de procedimentos era notado especialmente na hora de prestar contas à corregedoria do MPF. Trata-se da única instância à qual os procuradores precisam dar satisfações sobre investigações paradas ou deixadas pelo caminho.
Em maio de 2016, por exemplo, o veterano procurador Januário Paludo estava incumbido de sanear a papelada. Pelo aplicativo, ele avisou que havia levado a Porto Alegre, de onde também despacha, todos os documentos do gabinete de Dallagnol e “zerado” suas pendências. Em resposta, o coordenador da Lava Jato fez uma piada: “Zerado pq levou tudo pra uma sala de POA que tá com a porta que não fecha de tanta coisa? Kkkk”.
As mensagens mostram que a Lava Jato também deixava acumular denúncias externas, recebidas de terceiros. Numa tarde em novembro de 2017, Dallagnol anunciou aos colegas que Paludo faria uma triagem dessas informações para “enterrar com devidas honras as centenas de esqueletos” da força-tarefa.
De tempos em tempos, Paludo chamava a atenção do grupo para o estoque de PICs que mofavam nas gavetas dos colegas por períodos superiores a seis meses – e que chegavam a dois anos. As informações recebidas de outros órgãos, como a Receita Federal, também se amontoavam às centenas.
De tempos em tempos, Paludo chamava a atenção do grupo para o estoque de PICs que mofavam nas gavetas dos colegas por períodos superiores a seis meses – e que chegavam a dois anos. As informações recebidas de outros órgãos, como a Receita Federal, também se amontoavam às centenas.
Questionamos a força-tarefa sobre o aparente descontrole sobre as investigações, tanto as abertas pelos procuradores como as informações recebidas de terceiros.
Em resposta, o MPF do Paraná argumenta que o trabalho da equipe “cresceu exponencialmente ao longo do tempo”, e que os procedimentos são auditados anualmente pela corregedoria, “inclusive no tocante à regularidade formal dos procedimentos e eventuais atrasos”. Ainda segundo a Lava Jato, “casos são arquivados quando não há linhas de investigação ou por outras causas como atipicidade e prescrição”.
Também questionamos perguntamos se era comum que o MPF de Curitiba abrisse PICs sobre assuntos já vinham sendo apurados pela Polícia Federal, ou vice-versa. A Lava Jato confirmou que isso era uma ocorrência comum, “dado que ambos os órgãos têm poderes investigatórios”.
“Se já existe essa decisão condenatória preestabelecida e pré-anunciada isso é sinal efetivamente de que não se pode esperar, ao menos da chamada Lava Jato de Curitiba, qualquer tipo de Justiça para o paciente”, rebateu Cristiano Zanin, advogado do ex-presidente Lula.
Na sessão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), na terça-feira (4) – que por 2 votos a 1, decidiu que Lula poderá acessar todos os dados dos sistemas Drousys e MyWebDay que interessem à defesa, e também retirou a delação do ex-ministro da Fazenda de ação contra Lula – chamou a atenção uma fala da subprocuradora-geral da República Cláudia Sampaio Marques que em um ato falho em sua sustentação oral evidenciou a conduta parcial da Lava Jato com relação ao ex-presidente Lula.
A subprocuradora tentou desqualificar o recurso apresentado pela defesa de Lula para ter acesso às provas, representada na sessão pelo advogado Cristiano Zanin. Segundo ela, o recurso era uma medida protelatória para adiar “a sentença condenatória”, se referindo ao processo sobre o suposto recebimento de um imóvel da Odebrecht para a sede do Instituto Lula, que ainda não teve sentença proferida.
“Há uma estratégia de defesa que está sendo desenvolvida pelo advogado. Ele não quer, na verdade, a prolação da sentença condenatória”, disse Claudia Sampaio, acrescentando que “o advogado está lutando bravamente para impedir a sentença”.
Zanin rebateu: “O que se busca aqui é o devido processo legal. Sem o devido processo legal teremos sempre o arbítrio. Se vossa excelência acha que a posição da defesa é no sentido de impedir uma decisão ‘condenatória’, isso é tão grave quanto a afirmação anterior. Porque se já existe essa decisão condenatória preestabelecida e pré-anunciada isso é sinal efetivamente de que não se pode esperar, ao menos da chamada Lava Jato de Curitiba, qualquer tipo de Justiça para o paciente”