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Saúde

Resistencia à ivermectina pode ser chave de surto de sarna em SC

Duas creches em Balneário Camboriú foram fechadas por conta do grande número de contaminações; UFAL elaborou estudo sobre tema em 2021.

Duas creches tiveram as aulas suspensas na cidade de Balneário Camboriú, em Santa Catarina, por conta da grande quantidade de casos registrados de escabiose, também conhecida como sarna humana.

E um dos fatores que pode ter levado a esse surto foi o uso desenfreado de ivermectina, medicação que compunha o chamado “kit covid” e tinha seu uso incentivado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) durante a pandemia, mesmo que tal medicação não tenha sua eficácia comprovada contra a doença.

Segundo o site NSC Total, tal hipótese foi inclusive admitida pelo médico infectologista Fábio Gaudenzi de Faria, superintendente de vigilância em saúde de Santa Catarina, mas não totalmente confirmada por não ter sido feita uma análise da resistência do parasita responsável pela escabiose.

O caso confirma estudos realizados por universidades federais durante a pandemia de covid-19, onde destacavam que o uso desenfreado de medicamentos como hidroxicloroquina e ivermectina poderiam tornar esses remédios ineficazes contra os casos para os quais eles foram originalmente desenvolvidos.

Vale lembrar que, em 2021, o sistema de saúde de Santa Catarina colapsou por conta do grande número de casos de covid-19, e pacientes diagnosticados com o vírus da covid-19 eram orientados a fazer o uso de medicamentos como ivermectina e cloroquina.

Pesquisa alerta para resistência ao medicamento
Em 2021, o Núcleo de Estudos em Farmacoterapia (NEF) da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) desenvolveu um trabalho onde cogitou que um surto de escabiose registrado em Pernambuco estava relacionado ao uso em excesso de ivermectina, que acabou por gerar cepas responsáveis pela escabiose que eram resistentes ao medicamento.

“O nosso artigo lança a hipótese de que poderíamos ter problemas com surtos de escabiose resistente, por conta do uso irracional da ivermectina. O surto está configurado, pois está havendo um aumento rápido de casos de lesões de pele com coceira e outros sintomas”, contextualiza Sabrina Neves, pesquisadora do Instituto de Ciências Farmacêuticas (ICF) e uma das autoras do artigo.

“Ainda não há diagnóstico da doença que está causando o surto. Algumas hipóteses da etiologia [origem] estão sendo testadas, entre elas está a escabiose levantada pelo artigo”, ressaltou.

A ivermectina era um dos medicamentos que faziam parte do chamado “kit covid”, que muitas pessoas recorreram para lidar com os efeitos da covid-19 inclusive com o incentivo do poder público no auge da pandemia, como por parte do então presidente Jair Bolsonaro.

Segundo a UFAL, o consumo desse antiparasitário aumentou quase dez vezes no Brasil graças a automedicação e a prescrição desenfreada – profissionais de saúde e pessoas continuaram usando o medicamento contra a covid-19 mesmo com evidências científicas e pareceres contrários do Ministério da Saúde e da indústria farmacêutica.

*GGN

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Política

Filho 04 de Jair Bolsonaro tem se reunido com políticos de Santa Catarina de olho na candidatura a vereador em 2024

O filho 04 do ex-presidente Bolsonaro, Jair Renan, tem se movimentado entre políticos de Santa Catarina, especialmente de Balneário Camboriú – onde mora desde março deste ano, quando ganhou um cargo no gabinete do senador Jorge Seif (PL) -, com vistas ao lançamento de sua candidatura a vereador pelo partido do pai em 2024, segundo O Globo.

Jair Renan, de 25 anos, tem comparecido nos últimos dois meses, a uma série de reuniões com lideranças locais do estado, entre as quais prefeitos de cidades vizinhas, vereadores e os deputados Zé Trovão, Júlia Zanatta e Caroline de Toni.

No último fim de semana, quando Jair Bolsonaro cumpriu agenda no estado, o estudante de direito recebeu a benção do pai para concorrer. Em entrevista à Jovem Pan, o ex-presidente falou sobre os planos do filho. Já no almoço que teve com o governador Jorginho Mello agradeceu a receptividade dos catarinenses com Renan: “Que seja muito feliz aqui”, disse.

Nas redes sociais, o 04 também aderiu à cidadania catarinense. Em publicação, afirmou que as armas e o chimarrão são os “símbolos de sua nova jornada”. Ao postar registro com Bolsonaro, repetiu os votos: “Recebendo meu pai em minha nova terra, seja muito bem-vindo a Santa Catarina”, disse.

Ainda sem filiação, a expectativa é de que Jair Renan Bolsonaro passe a integrar o quadro do PL. O presidente do diretório municipal de Balneário Camboriú, o prefeito Fabricio Oliveira (PL), é grande entusiasta da candidatura do filho do ex-presidente. No ano passado, Bolsonaro teve 74% dos votos no segundo turno entre os cidadãos de Balneário Camboriú.

O filho do ex-presidente, no entanto, também teve encontros com lideranças locais de outros partidos. Na semana passada, esteve no diretório municipal do Progressistas em Gaspar junto ao vice-prefeito da cidade, filiado à sigla.

Em Criciúma desde sábado, Jair Renan esteve em escola nesta segunda-feira junto ao prefeito da cidade, Salvaro (PSD). No último mês também esteve nas cidades vizinhas de Chapecó, Itajaí, Nova Trento e Penha. As agendas são quase sempre acompanhadas pelo empresário Emílio Dalçoquio.

No início de julho, na festa de aniversário de Balneário, esteve com Zé Trovão, deputado federal que chegou a ser preso por suspeita de ter organizado manifestações golpistas no Sete de Setembro de 2021. Desde que Jair Renan se mudou para Santa Catarina, os dois tem se aproximado. Recentemente, foram juntos a um clube de tiros da região.

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Vídeos: Ministro Luís Roberto Barroso, do STF, é atacado e tem casa cercada por bolsonaristas em SC

Ministro do STF estava em restaurante quando foi identificado por bolsonaristas, que acionaram grupos de Whatsapp e cercaram a casa onde Barroso estava. Ele deixou o local durante a madrugada.

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), foi hostilizado e teve a casa de veraneio em Porto Belo, litoral norte de Santa Catarina, cercada por apoiadores de Jair Bolsonaro (PL) na noite desta quinta-feira (3) após ter sido identificado jantando em um restaurante da cidade.

A presença de Barroso no local foi pulverizada em grupos bolsonaristas da cidade, que foram até o restaurante hostilizar o ministro, que teve que sair sob escolta.

Ao chegar, a casa no bairro Vila Nova foi cercada por bolsonaristas. Policiais federais e militares se uniram para proteger a residência do ministro, que teria deixado a cidade, segundo a polícia, por volta das 4h.

Cerca de 300 bolsonaristas cercaram a casa de Barroso gritando chavões propagados por Bolsonaro, como “Supremo é povo”.

O ato terminou por volta das 3h45 desta sexta, quando o ministro foi escoltado até Tijucas, rumo ao aeroporto de Florianópolis.

Veja vídeos divulgados nas redes.

Veja vídeos divulgados nas redes.

https://twitter.com/greicisiezemel/status/1588394923040002048?ref_src=twsrc%5Etfw%7Ctwcamp%5Etweetembed%7Ctwterm%5E1588394923040002048%7Ctwgr%5E437889979a9b4f06abf3aabd069dcd99f2864698%7Ctwcon%5Es1_c10&ref_url=https%3A%2F%2Fd-2042083860617218946.ampproject.net%2F2210211855000%2Fframe.html

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*Com Forum

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Cotidiano

Fronteira que elegeu Bolsonaro, compra botijão de gás em outros países

Prática é frequente em Santa Catarina, onde Bolsonaro venceu com folga; preço do botijão de gás passou dos R$ 100.

Com o preço médio do botijão de gás passando dos R$ 100, os moradores de regiões de fronteira estão cruzando para os países vizinhos para comprar o combustível. Em todos eles, Jair Bolsonaro foi o mais votado.

A prática tem sido frequente em Santa Catarina, que é vizinha da Argentina, e foi o estado em que Bolsonaro venceu com mais folga, ao receber 65,8% dos votos totais.

Os revendedores de botijões têm levado na esportiva a competição. “Estamos com inveja”, disse o presidente da Associação Brasileira dos Revendedores de GLP (Asmirg), Alexandre Borjaili. “Lá [na Argentina] o gás está a R$ 10 e aqui a R$ 130”, acrescentou.

O pior, segundo ele, é “que muitas vezes o combustível consumido lá é da Petrobras”.

Para ele, a culpa é da Petrobras, que, ao subir os preços, “está extorquindo dinheiro da população brasileira para dar lucro ao país”.

Borjaili aponta que a situação não é comum apenas no Sul. No Mato Grosso, a população também viaja para comprar botijões no Paraguai. O estado deu 60% dos votos totais para Bolsonaro, ficando em quinto lugar no ranking de apoio ao presidente.

*Com informações do Metrópoles

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Vídeo: Sem máscara, Bolsonaro tira fotos com banhistas e provoca aglomeração em praia de SC

Sem máscara, como é de costume, pois não se importa com as quase 200 mil mortes provocadas pela Covid, Bolsonaro segue provocando o caos pandêmico no Brasil com cenas revoltantes.

Após uma manhã de folga e de pescaria na Baía de Babitonga, em São Francisco do Sul, no Litoral Norte de Santa Catarina, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) chegou à Praia do Forte por volta das 11h deste domingo (20) e foi cercado por banhistas que o aguardavam no local.

Sem máscara, o chefe de Estado conversou e tirou fotos com a população que se aglomerou à sua volta. Ao contrário das recomendações dos órgãos de saúde e do que determina o decreto do governo de SC, nem mesmo os banhistas usaram máscaras durante o encontro, acessório obrigatório no Estado como medida de enfrentamento ao coronavírus.

Após a interação com os banhistas, Bolsonaro retornou à base militar onde está hospedado. A previsão é de que o presidente da Reública permaneça em SC até quarta-feira (23), mesmo sem roteiro definido. Não se descarta, no entanto, a possibilidade de que Bolsonaro deixe o forte para fazer turismo na região.

Um dia antes, o presidente chegou a Santa Catarina no fim da manhã e sobrevoou até por volta das 14h as áreas atingidas pela tragédia em Presidente Getúlio, no Alto Vale do Itajaí, onde ao menos 15 pessoas morreram nesta semana por causa do alto volume de chuva que caiu.

*Com informações de André Luz, NSC TV

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Reportagem sobre “respiradores fantasmas” do The Intercept gera impacto

A reportagem do ano e o jornalismo de impacto

Se a COVID-19 alterou a rotina do planeta e se nossas vidas nunca mais serão as mesmas depois dela, não é exagero dizer que a pandemia talvez seja a maior história que nossas gerações venham a contar. Por isso, reportagens que contam o drama humano pela sobrevivência e a transformação de nossos hábitos e relacionamentos são importantes para registrarmos na história este trágico episódio. O jornalismo deve oferecer a crônica desses tempos, mas não pode deixar de acompanhar como as autoridades lideram o combate à doença, quem se beneficia com a dor alheia e como os mais frágeis são novamente atingidos por decisões políticas ruins ou desastradas. E se assim é, o jornalismo catarinense já tem a sua reportagem do ano.

Publicada no dia 28 de abril no The Intercept Brasil, a reportagem denuncia a compra de 200 respiradores mecânicos pelo governo de Santa Catarina de uma empresa sem qualquer tradição na área e com valores bem acima aos praticados no mercado. Os repórteres Fábio Bispo e Hyury Potter mostram que a escolha da empresa prestadora do serviço não passou por licitação pública, que o processo durou apenas cinco horas e que foi celebrado um contrato de R$ 33 milhões. Os equipamentos deveriam ter sido entregues, mas não foram e quando isso acontecer, não é garantido que tenham as especificações técnicas necessárias. A reportagem ouve os envolvidos, cobra o poder público e mostra como negócios suspeitos podem ser feitos em situações emergenciais, quando as barreiras de controle habituais são dispensadas.

Mas por que esta é a reportagem do ano? Por seu impacto imediato.

Um dia depois de publicada, levou à criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Assembleia Legislativa, fez o governador Carlos Moisés abrir sindicâncias internas para apurar o pagamento antecipado do contrato e motivou uma decisão judicial bloqueando as contas da Veigamed, a empresa contratada. Em poucas horas, uma única reportagem mobilizou os três poderes para analisar um negócio suspeito, cujo objeto é um tipo de equipamento que pode salvar vidas em meio a uma epidemia. Não é pouca coisa, e não é comum no cenário jornalístico catarinense, bastante acomodado no duopólio e pouco disposto a fazer investigações do tipo.

A história do furo

O mercado jornalístico catarinense tem dois grandes players: a NSC – que comprou as operações da RBS no Estado, tem meios em todos os suportes e que retransmite a TV Globo – e o o Grupo ND – que também atua em todas as mídias e é o braço local da Rede Record. Apesar desse poder e capilaridade, a reportagem do ano não veio de nenhum desses gigantes, e foi publicada num meio alternativo e cuja sede fica no Rio de Janeiro. Entretanto, a história estava bem debaixo do nariz das redações locais.

Há duas semanas, o repórter Fábio Bispo já havia publicado reportagem apontando compra de respiradores pelo governo do Estado a preços 65% maiores. A matéria foi feita para a Associação dos Diários do Interior (ADI) e distribuída a jornais do interior catarinense, que não investiram na história. Diário Catarinense e Notícias do Dia também ignoraram a pista de que havia algo de estranho no negócio.

Bispo insistiu. “Fiz um pente fino no Portal da Transparência e me deparei com essa compra. Continuei fuçando e vi que o buraco é mais embaixo”. Como a história era complexa, Bispo foi buscar reforços e procurou o repórter Hyury Potter, com quem já trabalhou em outras ocasiões. Potter colabora com regularidade para The Intercept Brasil, e a reportagem foi aceita na hora.

Buscar um meio de circulação nacional para veicular a matéria foi estratégico. Em dez anos de reportagem, Fabio Bispo já viu CPIs serem instaladas com base no noticiário, mas muitas não avançaram. A operação abafa resfriava os ânimos dos políticos e da opinião pública.

Se os meios jornalísticos catarinense não serviram de berço da reportagem do ano, também não puderam ignorá-la. O assombro com as revelações provocou fatos nos três poderes, e as redações locais precisaram repercutir o assunto. Algumas deram os créditos, outras não. “Fiz várias perguntas nas coletivas do governo perguntando sobre os respiradores. Em quase todas elas, o secretário de Saúde ou mentiu ou omitiu informações. Foi a senha pra eu saber que estávamos com a pauta certa na mão”, relembra Fábio Bispo.

Pra que serve o jornalismo?

A repercussão foi rápida e maior do que os repórteres imaginavam.

A reportagem do The Intecept Brasil tem valor jornalístico, mas também oferece algumas pistas de como qualificar este exercício profissional em Santa Catarina (e também em outros estados). A matéria mostra o quanto os meios locais ainda podem fazer em se tratando de jornalismo investigativo. Denúncias como esta deveriam partir das redações mais próximas dos acontecimentos.

A matéria mostra também que repórteres obstinados com uma história podem recorrer a alternativas fora do Estado, quando observarem pouca receptividade regional. Às vezes, santo de casa não faz milagre mesmo e é necessário apelar para outras entidades…

Mais uma vez, o episódio demonstra o quanto o jornalismo sério e responsável tem lugar cativo na agenda da sociedade. Ele pode prestar serviços, trazendo à tona mal feitos e distorções sociais; pode aumentar o nível de transparência pública que impede crimes e abusos; e pode ajudar a frear medidas que causem prejuízos concretos à vida humana.

Alguém pode perguntar: “E daí?” Não estamos tratando do aquecedor da piscina do Palácio da Alvorada, mas de respiradores artificiais, tão necessários a milhares de pacientes infectados pelo novo coronavírus. De forma indireta, mas sem exageros, o jornalismo pode ajudar a salvar vidas humanas.

https://twitter.com/demori/status/1255984606270099457?s=20

 

 

*Rogério Christofoletti/GGN – Professor de jornalismo na UFSC e pesquisador do objETHOS

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A carreata dos coveiros do Brasil. Como disse Bolsonaro “o vírus não passa em vidro blindado”

Coveiros da nação sairão em carreata no sábado, em nome do mercado, no arrastão da morte.

Todos, empresários e comerciantes que participarão desse ato criminoso deveriam ser autuados em flagrante por atentar contra a saúde pública, o Ministério Público tem que fazer isso.

Eles, os gananciosos, farão um buzinaço, dentro de seus carros, para que os seus empregados voltem a dar lucros a eles, porque, como disse Bolsonaro numa live: “o vírus não passa em vidro blindado”.

Santa Catarina, que apoia as ideias tresloucadas e irresponsáveis de Bolsonaro, tem 450 leitos de UTI e, atualmente, 149 casos confirmados de coronavírus.

Pressionado por Bolsonaro e empresários, o governador Carlos Moisés (PSL), governador de Santa Catarina vai interromper a quarentena na próxima quarta (1º/04).

O resultado será desastroso, sobretudo para os pobres e os trabalhadores, enquanto os empresários se isolam e isolam os seus.

Estão vendendo a ideia de que a morte dos pobres é um mal menor.

Entre a vida de milhares de brasileiros e o lucro dos mercados, que morram as pessoas, mas que “salvem o mercado”

São as elites em ação direta contra o povo, com apoio estatal, para produzir o caos sanitário e social sem paralelo.

Como bem disse Veríssimo: “Digam o que disserem do Bolsonaro & Filhos, eles nunca esconderam o que eram, ou chegaram ao poder disfarçados de outra coisa. O que os 57 milhões elegeram foi isso aí mesmo”.

A foto em destaque retrata uma hecatombe na Itália: comboio de caminhões do exército levando corpos de dezenas e até centenas de vítimas do coronavírus para serem cremados sem a presença de um parente sequer.

Provavelmente, é isso que Bolsonaro quer para o Brasil com sua insistência em acabar com o confinamento dos brasileiros, para estes voltarem ao trabalho e atenderem à ganância do mercado.

 

*Da redação

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Vídeo: Petroleiros em greve denunciam perseguição e cárcere por parte da Petrobras

A greve dos petroleiros, iniciada na madrugada deste sábado (1), teve mais duas adesões durante a manhã: a Refinaria Alberto Pasqualini, no Rio Grande do Sul, e o Terminal Madre de Deus, na Bahia.

A paralisação já acontece em 12 unidades de refino e 4 terminais da Transpetro, subsidiária da Petrobrás que pode sofrer demissões e ainda está na lista de privatizações do governo Bolsonaro. Porém, grevistas tem denunciado perseguição e até casos de cárcere por parte da direção da Petrobras:

Na Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados (Fafen-PR), os trabalhadores continuam ocupando a unidade há 12 dias contra o fechamento da fábrica e as mil demissões anunciadas pela gestão da Petrobrás, que seriam efetivadas no dia 14 de fevereiro.

Já no Rio de Janeiro, um grupo de cinco diretores da Federação Única dos Petroleiros (FUP), continua ocupando uma sala no edifício sede da Petrobras, demandando uma negociação com a gestão da estatal. Além de exigir a suspensão das demissões na Fafen-PR, os trabalhadores querem seja cumprido o Acordo Coletivo de Trabalho.

O diretor de Assuntos Jurídicos e Institucionais da FUP, Deyvid Bacelar, que é um dos dirigentes que está na ocupação do edifício da Petrobras no Rio afirmou: “estamos ocupando aqui com uma comissão permanente de negociação da FUP para termos resultados favoráveis aos trabalhadores e trabalhadoras, não só da Fafen- PR, mas de todas as nossas áreas operacionais”. Após manter os grevistas em cárcere, a estatal pediu reintegração de posse do prédio que foi negada pela Justiça.

O deputado federal, Rogério Correia (PT-MG), afirmou que vai levar as denúncias ao Congresso e Ministério Público. “Denúncia grave de cárcere de trabalhadores em greve pela direção da PETROBRAS. Responsabilidade de qualquer acidente é do Governo Bolsonaro: repressor e privatista. Estou enviando ao MP , MP do Trabalho , Camara Federal e amanhã pela manhã marco presença na porta da empresa como membro da Comissão de Direitos Humanos. Greve é direito constitucional dos trabalhadores e a causa é justa: garantir para o Brasil sua principal empresa”, afirmou o parlamentar.

As paralisações, até o momento, estão sendo feitas em dez estados: Amazonas, Bahia, Ceará, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Santa Catarina, São Paulo, Paraná, Pernambuco e Rio Grande do Sul.
Acidente

Os petroleiros denunciaram na noite desta sexta-feira (31), um vazamento de amônia na Fafen-PR. Segundo eles, “o acidente foi provocado pela decisão irresponsável da gestão de parar a caldeira que mantém a fábrica operando e, assim, acelerar a paralisação da unidade, à revelia dos alertas dos trabalhadores, que vêm ocupando há 12 dias a Fafen-PR para evitar o seu fechamento e as demissões que atingirão mil famílias”. O vazamento foi controlado durante a madrugada, com apoio do Corpo de Bombeiros.

 

 

*Com informações do PT/FUP

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Extrema pobreza avança no Brasil e já atinge mais de 13 milhões de pessoas, diz IBGE

A extrema pobreza no Brasil bateu recorde em 2018 com mais de 13 milhões de pessoas vivendo com menos de 2 dólares ao dia, segundo a pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgada nesta quarta-feira.

O Brasil não tem uma linha explícita de extrema pobreza, mas o Banco Mundial convencionou o parâmetro de 1,90 dólar ao dia como referência. Pelos parâmetros do banco são consideradas pobres as pessoas que vivem com até 5,50 dólares.

Segundo a pesquisa do IBGE, o Brasil tinha cerca de 13,5 milhões de pessoas vivendo com menos de 1,90 dólar ao dia em 2018. O percentual de pessoas na extrema pobreza atingiu no ano passado 6,5% da população brasileira, maior patamar desde o início da pesquisa em 2012.

Em 2017, 6,4% dos brasileiros viviam na extrema pobreza e o menor patamar foi registrado em 2014, de 4,5%.

“Em 2018 tínhamos na extrema pobreza o equivalente a mais que as populações de países como Portugal, Grécia e Bolívia”, destacou o pesquisador do IBGE Leonardo Athias.

O IBGE lembrou ainda que o Bolsa Família, principal programa social do país, tem como foco famílias com renda per capita de até 89 reais ao mês, enquanto para o Banco Mundial uma pessoa se encontra em pobreza extrema com uma renda per capita de 145 reais ao mês.

“Quando ele (Bolsa Família) foi pensado lá atrás, era próximo da linha de extrema pobreza global. Mas não foi atualizado e criou esse gap de 89 para 145 reais”, disse Athias.

O aumento da extrema pobreza no país nos últimos anos, explicou o IBGE, está diretamente ligado à recessão no biênio 2015/2016, que provocou demissões em massa. Parte dessas pessoas só conseguiu retornar ao mercado de trabalho mais tarde, em condições menos favoráveis.

“A crise econômica puxou a pobreza. E para superar isso tem que haver políticas de combate à pobreza, medidas de estímulo ao mercado de trabalho, políticas distributivas para proteger as populações mais vulneráveis desses ciclos econômicas e estimular cada vez mais a educação”, avaliou o gerente do IBGE André Simões.

O maior percentual de população vivendo com menos de 5,50 dólares ao dia foi registrado no Maranhão, de 53%. Na outra ponta está Santa Catarina, onde apenas 8% das pessoas tinham um renda domiciliar inferior a esse valor.

EDUCAÇÃO

Segundo o IBGE, ao longo das últimas gerações houve um aumento considerável no nível de instrução da população brasileira, mas mesmo assim o país está distante do patamar internacional.

A pesquisa mostrou que em 2017 –dado comparável a outros países– 49% dos brasileiros com idade entre 25 e 64 anos não tinham concluído o ensino médio, mais que o dobro da média dos países da OCDE, cujo percentual era de 21,8%.

O Brasil aparece à frente de países como México, Turquia, Costa Rica e Portugal, mas atrás de diversos outros como Colômbia, Argentina, Chile, África do Sul e a maioria dos europeus, além de Nova Zelândia, Austrália e Japão.

“O aumento da escolaridade se deu de forma mais rápida nas gerações mais novas, que se beneficiaram do processo recente de expansão da educação básica e do ensino superior. Mas mesmo assim está abaixo da média da América Latina”, disse a pesquisadora do IBGE Betina Fresneda.

“Temos uma dívida educacional muito grande a ser pagar e uma inércia das nossas políticas públicas que ganharam mais força na década de 1990”, completou a pesquisadora.

No Brasil, apenas 19,7% das pessoas com idade entre 25 e 34 anos tinham ensino superior completo em 2017, ao passo que a média da OCDE era de 36,7%, segundo o IBGE.

Os dados da pesquisa revelaram ainda que o Brasil tinha em 2015 uma das maiores taxas de analfabetismo da América Latina, de 8% das pessoas com 15 anos ou mais. Esse percentual é igual ao da República Dominicana e menor apenas que El Salvador, Honduras e Guatemala.

Por outro lado, a taxa de analfabetismo era de 0,2% em Cuba, 0,8% na Argentina, 1,5% no Uruguai e 3,4% na Venezuela.

 

 

*Com informações do Uol

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“Como Nascem os Monstros”: Ex-PM revela em livro a realidade perversa da PM no Rio

Com quase dois metros de altura, mais de 100 quilos entre músculo e alguma gordura, o ex-soldado da Polícia Militar do Rio de Janeiro Rodrigo Nogueira Batista, de 33 anos, é um “monstro” como a gíria popular classifica os brutamontes do tamanho dele. A orelha esquerda estourada pelos tatames de jiu-jitsu e o nariz meio torto ajudam a compor a figura do ex-PM preso em Bangu 6 (Penitenciária Lemos de Brito). Essa prisão, destinada prioritariamente a ex-policiais, bombeiros, agentes penitenciários e milicianos, faz parte do Complexo Penitenciário de Bangu, bairro da zona oeste do Rio de Janeiro. Preso desde novembro de 2009, Rodrigo foi condenado pela Justiça Militar a 18 anos por furto qualificado, extorsão mediante sequestro e atentado violento ao pudor e a 12 anos e 8 meses no Tribunal do Júri por tentativa de homicídio triplamente qualificado.

Segundo a condenação judicial, Rodrigo e seu então parceiro, o cabo Marcelo Machado Carneiro, abordaram a vendedora ambulante Helena Moreira na descida do Morro de São Carlos, onde ela morava. Ela iria à estação de metrô Estácio, no bairro do Estácio de Sá, Rio de Janeiro, e levava na bolsa R$ 1.750. Os policiais a revistaram, roubaram a quantia em dinheiro e sequestraram Helena pensando que ela fosse mulher de algum traficante. Segundo a decisão do juiz Jorge Luiz Le Cocq D’Oliveira, os PMs mantiveram a vendedora sob cárcere privado por quatro horas, onde ela foi agredida e “constrangida a praticar atos libidinosos” antes de ser atingida por um tiro de fuzil no rosto, que teria sido disparado por Rodrigo. Ainda segundo a sentença, a vítima se fingiu de morta após a sessão de tortura e foi à delegacia dar queixa. Rodrigo recorreu da sentença no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ele afirma não ter cometido o crime pelo qual foi condenado, mas diz com todas as letras que “não é inocente”, cometeu “outros erros” como policial, que ele não quer detalhar para não complicar sua situação.

Ele é autor do livro “Como Nascem os Monstros”, da Editora Topbooks, um brutal “romance de não-ficção”, em que mistura suas próprias histórias às histórias de outros colegas, casos de repercussão na crônica policial e “causos” da corporação. No livro, Rodrigo descreve com consistência a transformação de um jovem comum, com vagos ideais de defesa da sociedade e combate ao crime, em um criminoso fardado que usa de sua posição para matar, sequestrar, extorquir e prestar serviços à milícia. O resultado é um quadro aterrador de achaque de oficiais aos recrutas, corrupção dos batalhões e uma ácida interpretação da visão da sociedade em relação à polícia.

“Nenhum, eu digo e afirmo, nenhum recruta sai do CFAP [Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças] pronto para empunhar uma arma no meio da rua”, afirma categoricamente o ex-PM. Mas logo ele vai aprender que tem que pagar para tirar férias, para ficar nos melhores postos da corporação e assistir aos oficiais lucrando com a venda de policiamento. “No Morro dos Macacos, ninguém entrava sem autorização do comando. Se um carro fosse roubado, e o bandido fugisse com o veículo para o interior da comunidade, sorte dele (…). Acredite, se um policial adentrar uma comunidade sem autorização do comando, não importa o motivo, ele responderá por descumprimento de ordem. O morro que está ‘arregado’ não tem tiro nem morte, basta estar com o carnê em dia”, denuncia.

“Posso garantir que, ao ingressar na corporação, ninguém acredita que um dia vai sequestrar alguém, roubar seu dinheiro, matar essa pessoa e atear fogo ao corpo. Pode até ter uma vontadezinha de atirar em algum bandido (…), mas pensar em tamanha crueldade é impossível”, narra Rodrigo no livro. “Embaixo da casca monstruosa que envolve esse tipo de criminoso, o policial militar que erra, também havia (há?) um homem que um dia estudou, passou no concurso, se formou, fez um juramento e marchava com garbo. Deu orgulho à sua família e, pelo menos uma vez, arriscou morrer pela sociedade.”

Tenho diante de mim um monstro: alguém condenado por um crime hediondo, mas, na própria metáfora de Rodrigo, alguém que também é produto de mecanismos cruéis de uma corporação cruel. Ligo o gravador. Essa é a versão dele.

Como você entrou na Polícia Militar?

Entrei na Marinha com 18 anos, fui aprendiz de marinheiro em Santa Catarina. Sempre gostei muito da vida militar. Logo no começo eu já me desiludi com o militarismo na Marinha. Eu sentia falta de realmente me sentir útil. Quando eu tive que escolher uma especialização na Marinha, não consegui passar nos exames para mergulhador. Sobraram algumas áreas bem ruins e aí resolvi fazer o curso da polícia. Passei no primeiro concurso que eu fiz, pedi baixa da Marinha e fiquei aguardando. No fim, eu fui pra polícia.

Mais uma vez veio a desilusão. Assim que nós nos apresentamos lá no CFAP (Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças da Polícia Militar), onde a maioria dos praças são treinados. O CFAP deveria ser um centro de excelência, mas para você ter uma ideia, no primeiro dia não teve nem almoço pros recrutas. No primeiro dia tivemos só meio expediente e o comando já liberou todo mundo.

Você conta no livro que ali começou uma degradação de um rapaz que tinha um ideal, queria defender a sociedade, e começou a tomar contato com a violência e a corrupção na corporação. Como foi isso pra você?

O processo de perversão começa no início da formação. Quando cheguei no CFAP, o primeiro contato quando a gente sai do campo para a companhia é um caminho cercado por árvores. Do alto daquelas árvores, os policiais antigos começavam a disparar tiros de festim e soltar bombas. O camarada que deveria ser treinado desde o início pra policiar, já começa a ser apresentado a uma guerra. Dentro do CFAP, a cultura dos instrutores não é formar policiais. É formar combatentes. E aí é que tá o problema: você formar um combatente para trabalhar numa coisa tão complexa quanto o aspecto social que ele vai ser inserido. Um dia o policial tá trabalhando com um mendigo, no outro com um juiz, no outro com um assassino, no outro com um estuprador. Para você preparar um combatente para trabalhar nesse contexto, é muito delicado. Demora muito. Se isso não for muito bem feito você acaba criando monstros.

As instruções, as aulas que são ministradas no CFAP desde o início elas começam a mudar o viés do camarada. A minha turma não teve nem aula de direito penal, não teve aula de direito constitucional, não teve aula de filosofia, de sociologia. A gente chegava na sala de aula, sentava, o instrutor falava meia dúzia de anedotas da história da polícia militar e o resto é contando caso (matou fulano, prendeu ciclano). Dentro do próprio ambiente ali, os outros oficiais que coordenavam o curso só tinham um objetivo: deixar o cara aguerrido, endurecido, fazer esse recrudescimento da moral do indivíduo para ele não demonstrar piedade, covardia. Eles acreditam que se o camarada endurecer bastante ele pode preservar a própria vida com isso. Mas isso é ruim: você cria um cachorrinho bitolado que não consegue enxergar as coisas ao redor como elas são.

Depois de alguns meses no CFAP, o recruta vai estagiar e trabalhar com os antigos na rua. Como na época era verão, existiam as chamadas Operações Verão. Eles colocam o policial antigo armado e dois ou três “bolas-de-ferro”, como eles chamam os recrutas, justamente por dificultar a movimentação do antigo. Geralmente, os batalhões que recebem esse efetivo do CFAP são os litorâneos. Aí a gente foi pro 31º, no Recreio, 23º, que é o Leblon, 19º, Botafogo, 2º, Copacabana… Eu ficava um pouquinho em cada um.

No período de praia, por exemplo, a gente chegava e o antigo ficava angustiado com a nossa presença porque queria pegar o dinheiro do flanelinha, do cara que vende mate, da padaria. Outro exemplo: uma das instruções que os oficiais davam antes do efetivo sair pro policiamento era: “olha, vocês podem fazer o que quiserem, pega o pivete, bate, quebra o cassetete, dá porrada no flanelinha. Só não deixa ninguém filmar e nem tirar foto. O resto é com a gente. Cuidado em quem vocês vão bater, com o que vocês vão fazer e tchau e benção”. A minha turma partiu pro estágio com dois meses de CFAP, dois meses tendo meio expediente e depois rua. E aí, meu camarada, a barbárie imperava: pivete roubando, maconheiro… Quando caía na mão era só porrada e muito gás de pimenta. Foi ali que eu tive contato com as técnicas de tortura que a Polícia Militar procede aí em várias ocasiões. Você vê agora o caso do Amarildo. O modus operandi vai se repetindo, evoluindo, até que toma uma proporção mundial. Eu conheci aqueles recrutas que participaram do caso Amarildo lá no presídio da Polícia Militar e eles foram formados depois do meu livro. O último parágrafo do meu livro diz que os portões do presídio da polícia militar estarão sempre abertos para receber cada novo monstro nascente. E que venha o próximo. E continuam nascendo os monstros, um atrás do outro. Aqueles policiais que participaram do caso Amarildo, pelo menos de acordo com o que o inquérito está investigando eles estão fazendo as mesmas práticas que eu já fazia, que o meu recrutamento já fazia, que outros fizeram bem antes de mim e que já vem de muitos anos. Vem de uma cultura.

Como um policial aprende a torturar?

É no dia a dia mesmo. O nosso direito dificulta o trabalho do policial em certos aspectos. Por exemplo, um pivete roubou uma coisa de um turista e correu. O policial corre atrás do pivete e pega o pivete. Quando ele consegue chegar no pivete, ele já jogou o que ele roubou fora e ele é menor de idade, não pode ser encaminhado para a delegacia. Porra, mas o policial sabe que ele roubou. E aí entra o revanchismo, a hora da vingança. Primeiro lugarzinho separado que tiver (cabine, atrás de um prédio, dentro dos postos do guarda-vidas) é a hora da válvula de escape. E eu posso assegurar para você: da minha turma do CFAP, de dez que se formaram comigo, nove jamais pensaram que passariam por um processo de desumanização tão grande. O camarada começa a ver um pivete levando choque, spray de pimenta no ânus, no escroto, dentro da boca e não sente pena nenhuma. Pelo contrário, ele ri, acha engraçado.

E tem um motivo: se nesse momento que o mais antigo pegou o pivete e começa a fazer isso, se você ficar sentido, comovido por aquela prática, pode ter certeza que vai virar comédia no batalhão, vai ser tido como fraco. Vai ser tido como inapto para o serviço policial. E aí você vai começar a ser destacado, a ser visto como um elemento discordante desse ideal que a tropa criou. Se eu tô com você, mas você não tem disposição pra bancar o que eu tô fazendo com um vagabundo, na hora que der merda é você que vai roer a corda. Na hora que o vagabundo me der tiro, você não vai ter peito pra meter tiro nele. No fim, você vai ser afastado: vai ficar no rancho, na faxina ou em algum baseamento a noite toda.

Você vai formando e selecionando por esse critério. Se você é duro, você vai trabalhar na patrulha, no GAT (Grupamento de Ações Táticas), na Patamo (Patrulhamento Tático Móvel)… Agora você que é mais sensato, que não vai se permitir determinadas coisas, não tem condições de você trabalhar nos serviços mais importantes. Não tem como o camarada sentar no GAT se não estiver disposto a matar ninguém. Não tem como. E não é matar só o cara que tá com a arma na mão ali, é matar porque a guarnição chega a essa conclusão: “Não, aquele cara ali a gente tem que matar.” Aí é cerol mesmo. Se você não estiver disposto a participar disso aí, tu não vai sentar no GAT, não vai sentar numa patrulha nunca.

No livro, você descreve o constante clima de guerra e revanchismo entre policiais e traficantes e conta a história do recruta Sampaio…

É uma das partes verídicas do meu livro, fiz questão de chamar a atenção pra esse caso do Sampaio. Quem sabe para a família também ler e sentir que alguém lembrou dele. Esse caso foi muito sério… Foi pesado pra caraca… [Rodrigo chora]. No livro eu coloco que o protagonista conhecia, mas não tinha muita intimidade com o Sampaio. Eu particularmente conhecia bem o Sampaio. Um dia eu cheguei para trabalhar no CFAP, tava de serviço na guarda. Era sexta-feira de carnaval. Quando eu cheguei, já ouvi a notícia que o Sampaio tinha sido assassinado com 19 tiros, lá em Caxias [Duque de Caxias, município da região metropolitana do Rio]. O Sampaio era filho caçula de uma família relativamente grande, tinha vários irmãos, a mãe dele era uma senhora bem velhinha. Era pra ele estar de serviço comigo naquele dia. Ele ia todo dia pro CFAP de ônibus. Naquele dia, ele ia de carona com um outro companheiro lá do CFAP. Ele tava ali parado no ponto de ônibus, esperando o cara passar de carro e passaram alguns bondes de vagabundos voltando do baile. Ele morava numa área onde tinha traficantes, mas, como ele era recruta e cria da área, ele achou que teria uma tolerância com a presença dele pelo menos até ele se formar e conseguir sair. Ele tava no ponto às cinco da manhã, os vagabundos voltavam do baile e alguém o reconheceu. Eles fizeram a volta e começaram a atirar nele ali. Ele correu, correu muito, quase 800 metros. E foi cair lá perto de uma ruazinha de barro com 19 tiros de calibre .380. Todos eles nas costas. Todos.

A gente já chegou no CFAP com essa notícia próximo a nossa formatura. Aí pediram voluntários para a guarda fúnebre e eu fui pro enterro dele. Foi uma representação da polícia lá. E pô, bicho, ali eu vi como… [Rodrigo chora novamente]. Se eu tava rachado, ali foi o ponto de quebra. Pô cara, ele tinha 19 anos. 19 anos…

Como o clima de guerra entre criminosos e policiais influencia na formação do policial no dia a dia?

Depois que eu vi o Sampaio no caixão lá com flores até o pescoço, só a cara pra fora, a família dele chorando… O comandante do CFAP nem quis ir ao enterro, nenhum oficial foi. A kombi que a gente usou pra levar o corpo até o enterro, a gente teve que empurrar porque não funcionava. Depois que eu vi esse descaso todo, eu pensava: “porra, o Sampaio morreu. Tomou 19 tiros. Não é possível que vai ficar por isso mesmo”. Não teve uma palestra de alguém pra conversar com a gente, não teve um inquérito, não teve nada. Ninguém sabe até hoje quem deu 19 tiros num recruta que estava desarmado. Ninguém sabe. Ali eu pensei: “se eu der mole, vai ser um contra um e de caixão livre. Alguém vai ter que pagar, isso aqui não vai ficar de graça não. Vou ter que escolher de que lado que eu tô.” E nós nos formamos, e eu fui começar a trabalhar na rua.

Quando eu cheguei no batalhão, eu não poderia trabalhar numa coisa que fosse muito perigosa. Eles colocaram a gente num serviço de P.O, que é o Policiamento Ostensivo a pé. Eu trabalhei muito na área da Tijuca. Naquela época não tinha UPP ainda, não existia. Então a Tijuca, agora é menos, mas era uma região muito complicada de se trabalhar pela quantidade de morros ao redor. Eu trabalhava na rua 28 de setembro e no fim dessa rua era o Morro dos Macacos, que era o único morro da facção criminosa ADA (Amigos dos Amigos) em uma área cercada pelo Comando Vermelho. Era um morro muito forte, os bandidos eram muito aguerridos no combate. Não tinham medo de matar polícia, de dar tiro em polícia. É uma área onde passa muito ladrão, principalmente do Jacarezinho. Eles vinham de lá, atravessavam o túnel Noel Rosa, roubavam na 28 de setembro e voltavam pro Jacarezinho, mudavam de área de batalhão e era difícil de pegar. Ali, bicho, meio dia eu já dei tiro nos outros ali em saidinha de banco. A primeira vez que eu disparei a minha arma de fogo foi assim, meio dia e pouco, no Itaú da 28 de setembro. Tinha acabado de assumir o serviço. A gente vinha de ônibus até a 28 de setembro, eu pus os pés na rua e um camarada apontou: “Tão roubando, tão roubando”. Aí eu vi um cara saindo do banco e sentando na moto. Já puxei a arma, falei pra ele parar, e o garupa se encolheu. Aí o motorista acelerou e eu atirei. Só que eu errei e o cara escapou. Ali eu vi que o troço é de verdade, que se der mole, fechar o olho, vai ser baleado. Aconteceu também quando o Borrachinha foi baleado [episódio descrito no livro]. O Borrachinha tomou um tiro de .380 no meio do olho, foi pro hospital. E não passava uma semana sem que alguém próximo a mim tivesse levado um tiro. Policial que era baleado quando tentavam assaltar…. Quando eu tava na patrulha todo dia tinha. Todo dia, quando eu tava trabalhando na DPO, e com o rádio e eu escutava: “Prioridade, prioridade. Assalto em tal rua” é porque algum vagabundo tinha dado tiro em patrulha e tava correndo. O GAT quando entrava no Morro dos Macacos, eu tava patrulhando em volta e só ficava escutando o pau roncando lá. E eu só ficava pensando: “pô cara, eu tenho que ir pra lá, quero ir pra lá, quero dar tiro”. E agora que eu tive tempo pra parar e pensar eu fico vendo como isso é absurdo. É absurdo.

Eu via essas coisas acontecerem. Rajada de fuzil uma da tarde nos Macacos, seis horas da tarde o cara descarregando uma nove milímetros em cima da patrulha pra poder fugir. Eu via isso acontecendo. Agora eu penso como isso é surreal, é uma guerra. Essa banalização do confronto entre polícia e bandido é singular no Rio de Janeiro.

O criminoso aqui no Rio de Janeiro não tem receio de dar tiro no policial, nenhum receio. Não tem receio de jogar uma granada em cima do policial que entra numa favela. Tem noção do que é isso? Escutar uma granada explodindo e você saber que é pra você? Bicho, isso deixa qualquer um pirado. Você tá passando com a sua patrulha e de repente você escuta os tiros atrás. O cara fica louco. Bicho, você dentro de um blindado, parece que você tá no Iraque ou na Síria cara. Quando você embica de blindado dentro de um acesso à favela, é tiro batendo no vidro, na lataria. Granada explodindo. Não tem como o cara não ficar louco. Isso cria um stress no policial que tá ali direto, que fica difícil do policial equacionar isso na cabeça dele. Você imagina uma escala de 24 horas por 72 de descanso. Então o cara chega na segunda-feira, vai trabalhar. Entra no blindado, bota colete, fuzil, carregador e vai pra favela. Troca tiro, leva tiro, mata um, dois, vai pra delegacia levar a ocorrência. Vão pro batalhão. Passa terça, quarta, quinta. Sexta-feira ele entra, vai pra favela de novo, troca tiro de novo, mata mais um. Não tem como se conservar são.

O monstro é uma metáfora desse processo de desumanização pelo qual o camarada passa na lida diária do trabalho. Por mais que o cara ele tenha tendências homicidas, seja violento, tenha caráter duvidoso antes de entrar na Polícia Militar, quando ele entra isso tudo é potencializado. É a hora disso extravasar. Essa lida contínua com situações de confronto, morte e violência tem que ser encarada de maneira séria pelos gestores da Polícia Militar. A gente tem que parar e pensar: a quem interessa deixar que esse bando de alienados fique na rua matando e levando tiros. A quem interessa isso?

No livro você também comenta sobre a participação dos oficiais nesse ciclo de violência e corrupção e chega até mesmo a chamá-los de “chefes de quadrilha”. Você diz que eles estão no comando disso tudo. Como isso acontece?

É o coronelismo moderno. No militarismo, não tem como uma coisa seja ela boa ou errada continuar sem a anuência de quem tá no comando. Se eu e você estamos na patrulha e a gente começa a agir de uma maneira que está desagrando o comando, ele vai tirar a gente da patrulha. Se eu e você estamos na patrulha, trocando tiros, matando gente e a gente continua na patrulha, é porque o comando quer que a gente continue. Dentro da estrutura da Polícia Militar, o coronel, o comandante do batalhão é que coordena todo esse esquema que mantém a área do batalhão em funcionamento. Toda área de batalhão no Rio de Janeiro tem ponto de táxi, tem clínica de aborto, tem tráfico de drogas, tem oficina de desmanche, tem jogo do bicho. Essas atividades só podem ocorrer enquanto o policial não vai lá e manda parar. Por que o policial não vai lá pra impedir? Porque ele tem determinação pra não ir. Posso garantir pra você que qualquer policial do Rio de Janeiro que fechar uma banca de bicho na área do batalhão dele, no outro dia ele tá em outro batalhão. Isso se não estiver em outra cidade. E ainda pega fama de “rebelde”, de “problemático”.

Há algum tempo teve uma comoção muito grande por conta de uma menina que foi fazer um aborto e faleceu, a Jandira. Todo mundo sabia onde era aquela clínica de aborto. Por que aquela clínica não foi fechada? Se a patrulha for lá e fechar a clínica de aborto, o coronel vai querer saber porque fechou a clínica. “Ah, teve reclamação”. Ok, mas a clínica manda dinheiro pro batalhão pra continuar funcionando. Se o policial se meter nesse esquema, ele vai sofrer algum tipo de consequência. Não é consequência de morte, violência, não. É consequência administrativa. Vai ser encostado de alguma forma e daqui uma semana a clínica vai estar funcionando de novo, pode ter certeza.

No batalhão, você tem a administração da lavradura militar e tem as companhias. O comandante da companhia é quem vai definir que tipo de serviço existe dentro das companhias (se o cara vai trabalhar na patrulha, na Patamo, nas cabines…) A patrulha é considerada um serviço bom. Te deixa móvel, você consegue se movimentar bastante dentro da área do batalhão e tem possibilidade de ganhos. Você pode extorquir o usuário de drogas, você pode pegar um ladrão, tomar a arma dele e ficar com o dinheiro dele e vender a arma. É diferente do serviço baseado, que você tem que ficar parado no mesmo lugar o dia todo. Pra você trabalhar nessa patrulha, você tem que ser indicado pelo comandante de companhia, pois é ele quem determina onde cada um vai ficar. Você foi indicado, beleza, vai trabalhar na patrulha. Pra você se manter na patrulha, você vai ter que dar alguma coisa pro comandante de companhia. Porque tem alguém atrás de você que tá querendo ir pra patrulha também. Na minha época, todo mundo que trabalhava na patrulha pagava cem reais por mês pra continuar na patrulha. Cem meu e cem do comandante da patrulha. Toda sexta-feira à noite, o comandante da companhia pegava duzentos reais de cada patrulha, de quem tava de serviço à noite. Isso da patrulha. Mas ele também pega de quem tá trabalhando num subsetor, também pega 200 reais do cara que tava na cabine, mais um dinheiro do camarada que trabalha no trânsito. Quando você vai ver no final do mês, esse pedagiozinho dá uma soma boa pro comandante de companhia.

Se o cara que tá no serviço, por exemplo, a patrulha, não quiser pagar, OK. Ele só não vai ficar na patrulha, vai ser deslocado pra outro serviço. Esse pedágio é uma forma do comandante receber um dinheiro e se blindar. Ele não precisa disputar na rua o dinheiro que ele vai receber, ele recebe dentro do batalhão. É um tipo de achaque e corrupção muito difícil de ser descoberto porque um policial dificilmente vai dizer que o comandante tá extorquindo ele. Dificilmente vai dizer, dificilmente vai conseguir provar e vai sobrar pra ele.

Por que dificilmente ele vai dizer?

Porque se ele falar pro comandante do batalhão que o comandante da companhia tá pedindo cem reais pra ele continuar na patrulha, a primeira coisa que o comandante do batalhão vai dizer é: “você não tá mais na patrulha”. Ele pode tentar produzir provas, colocar uma câmera escondida, tentar ir mais a fundo. Mas aí, meu camarada, ele tá assinando a própria sentença de morte. Aí você tá querendo prejudicar o comandante da companhia, tá querendo prender o cara. Entre a própria tropa é visto como ofensivo, como uma coisa péssima. Isso não vai acontecer nunca.

Esse é só mais um exemplo. Quer outro? Pra você tirar férias, você tem que pagar o sargenteante. Olha que absurdo. Esse dinheiro é dividido entre o sargenteante, que é um sargento, e o capitão que é comandante de companhia. Isso tá no filme lá, no Tropa de Elite, não é mais novidade pra ninguém. Mas não para por aí não. Se você não quer mais trabalhar, você pode chegar no oficial e falar que não quer mais trabalhar. Ele vai falar: “Ok, todo mês o seu salário fica pra mim”. Aí o sargenteante te coloca numa escala fantasma. Ou seja, você não existe mais no batalhão. Você não precisa mais colocar os pés no batalhão. Isso é bom pro cara que trabalha na milícia, no jogo do bicho. O camarada que, por exemplo, tá trabalhando na banca do jogo do bicho. Recebe lá cinco mil por semana pra trabalhar no jogo do bicho. Ir pro batalhão pra ele é ruim porque ele perde o dia de trabalho dele no bicho. Então ele pega o salário dele de dois mil reais, deposita na conta do comandante de companhia e não aparece mais no batalhão. Fica só trabalhando no jogo do bicho. Pra ele é mais jogo, porque ele não precisa mais se expor, não precisa botar farda, ter horário, fazer a barba. O interessante pra ele é a carteira de policial e o porte da arma. Isso é muito comum, é fácil de se constatar. Qualquer promotor de justiça que chegar no batalhão de surpresa e disser: “bom dia, eu quero o efetivo do batalhão e a escala de serviço”. Ele vai encontrar, no mínimo, cinco, seis fantasmas. Em qualquer batalhão do Rio de Janeiro. Isso é batata.

Esses esquemas todos nos batalhões da Polícia Militar são muito antigos. Eles fazem parte de uma cultura da polícia. Acabar com esses esquemas todos vai demandar uma coisa muito complicada, que seria tirar o poder das mãos dos coronéis.

Por isso você defende a desmilitarização?

É um primeiro passo. Quando você vê um soldado policiando, alguma coisa já tá errada. Ou o camarada é soldado, ou é policial. Ele pode até ser um soldado policial dentro do quartel, mas não na rua. O soldado tem uma premissa que é o quê? Matar o inimigo. O soldado é formado para eliminar o inimigo e o policial não, pelo menos não deveria. O policial, ao contrário do que se acredita em boa parte da sociedade carioca, ele não foi feito pra matar ninguém. O policial não tem inimigo. O camarada que hoje tá dando tiro no policial, ontem pode ter estudado com ele, pode ter frequentado os mesmos lugares que ele. O criminoso é resultado da nossa sociedade, do nosso contexto. O crime é um fato social e o policial não pode enxergar o criminoso como um inimigo. Não é pra matá-lo. Prendeu, leva pra lei tomar as providências dela. Mas o que se convencionou acreditar é justamente o oposto.

coronel, os oficiais, acumulam muito poder em uma figura só. O coronel tem uma área de influência enorme dentro do batalhão dele, ele determina muitas coisas. E o soldado não pode questionar o coronel. O soldado não pode entrar na sala do coronel e falar assim: “Coronel, por que eu não posso abordar aquela van pirata que tá passando ali?” Porque isso já constitui uma transgressão disciplinar. Desde o legalismo do militarismo, até as regras subjetivas que regem a relação entre subordinados e superiores hierárquicos, tudo serve para impedir o camarada de pensar. Ele não pode virar pro comandante e falar: “capitão, não vou pra rua porque o colete tá vencido”. Não pode. Ele pode reclamar do colete, mas não pode reclamar para o capitão que é quem resolveria. Quando você tira o militarismo e coloca os profissionais de segurança em nível equivalente, se o profissional de segurança questionar o coronel por que ele teve que voltar das férias pra trabalhar, o coronel não vai poder responder: “você tá indo porque eu quero. Porque eu tô determinando que você vá. E se você não for, vai ficar preso à disposição”.

Você vê que essa confusão de atribuições entre soldado e policial, elas não se resolvem de maneira fácil. As coisas continuam acontecendo aos olhos de todo mundo e ninguém faz nada. Por exemplo, aquele pessoal que tava voltando de uma festa dentro do HB20 branco e que foram perseguidos por uma patrulha. Não teve um estalinho, uma bombinha, nada que viesse do HB20 pra patrulha e o cara deu 15 tiros de fuzil no carro, num carro em fuga. Só poderia acontecer na cabeça de um soldado, na cabeça de um policial não aconteceria nunca. Um policial iria correr atrás, cercar. Mas ele não ia dar tiro em quem não tá dando tiro nele. Só na cabeça do soldado, que acha que tá na guerra e acha que se não atirar primeiro vai levar tiro. O cara foi lá, deu a sirene e o carro acelerou pra fugir da polícia. “Ah, é bandido, vou dar tiro”. Podia ser alguém bêbado, podia estar todo mundo fazendo uma suruba dentro do carro, podia ter uma cachaça no carro e o cara estar com medo de ser pego, o cara podia não ter habilitação, o cara podia ser surdo… São milhões de coisas, mas o cara não para pra analisar essas coisas porque ele não foi condicionado pra pensar, a contextualizar o tipo de serviço que ele tá fazendo. Ele foi treinado pra quê? Acelerou, correu, bala!

Aquelas crianças que tavam brincando na rua, filmando, um correu atrás do outro. Daqui a pouco é tiro pra todo lado e o garoto caiu agonizando. Sabe por quê? Preto e pobre correndo na favela é bala. Depois a gente vê o que é. Foi o soldado sobrepujando o policial de novo. Ele tava entrando num território conflagrado. Ele entrou lá pra prender ou pra matar? Pra matar, pô. Se ele tivesse entrado pra prender, a primeira coisa que ele ia fazer quando viu o menino correndo era gritar pra ele parar.

A nossa sociedade carioca, principalmente da região metropolitana, criou, até por sofrer muito com os assaltos e tudo mais, um pensamento torto. Quando um policial vai lá e mata um bandido, a sociedade faz o quê? Aplaude. Toda vez que o policial entra em confronto, mata um cara que tava fazendo o arrastão a sociedade aplaude e estimula. Só que o policial militar tem que entender que quando ele errar a sociedade não vai aplaudir não. A sociedade vai sentar pra formar o tribunal do júri e vai condená-lo sem a menor vergonha. Mas ao mesmo tempo, criou-se essa cultura de que o policial tem que matar.

Tem uma frase sua no livro que até vai nesse sentido, quando você escreve: “O PM só vale o mal que ele pode causar”. Como é que o PM enxerga essa hipocrisia da sociedade que às vezes exige o policial e às vezes o monstro?

Se o PM andar com uma roupa humilde, pegar ônibus pra trabalhar, se ele não andar demonstrando que tá armado, ele vai ser encarado por aquelas pessoas que o conhecem como um policial bobão que não faz mal pra ninguém. Agora, se ele tá dentro de um Fusion, com uma pistola enorme na cintura, com roupa de marca, cordão de ouro no pescoço e mete a porrada em quem tá fazendo merda perto da casa dele. Se ele se torna algo que realmente traz risco, ele se torna valorizado. “Ih, pô, não mexe com o fulano não. Ele é polícia”. Há uma glamourização desse estado desumanizado. A sociedade valoriza mais o monstro do que o policial e é por isso que ele tá nascendo o tempo todo.

As nossas próprias autoridades políticas valorizam a criação dos monstros, mas tem que ter alguém pra eu apontar o dedo na hora que tiver dando merda. As autoridades querem que existam monstros e tem vários exemplos disso. Você lembra do caso do Matemático, que foi perseguido pelo helicóptero? O camarada de helicóptero com uma M60, atirando em um carro em fuga que não deu um tiro nele. Enquanto isso, a esteira de tiros batendo nos muros das casas, nos carros estacionados, em tudo que é lugar. Aquilo ali é o exemplo da hipocrisia e de como as nossas autoridades são parciais. Se fosse uma Patamo fazendo isso, os policiais iriam todos presos. Mas como foi o helicóptero, tá tudo tranquilo. Agora, me diz a diferença entre o cara do helicóptero e os caras do HB20? Não tem diferença nenhuma. Mas o tratamento foi bem diferente. “Ah, aquele PM ali que atirou no carro em fuga, errou. Mas o cara do helicóptero, não, vamos proteger ele porque alguém tem que fazer esse tipo de merda.”

O Estado quer que alguns profissionais façam sim esse tipo de serviço sujo. Como fizeram com o Matemático, como fizeram com o Bem-te-vi na Rocinha, mas sempre que a coisa começa a chamar muita atenção, eles entregam alguns pra serem açoitados. E com isso a gente vai empurrando. E não enfrentamos nenhum problema.

O seu livro chegou a ser proibido no BEP (Batalhão Especial Prisional, prisão para policiais militares).

A Polícia Militar não gostou do livro, tanto que ele foi censurado. Eu me ressinto um pouco de não ter previsto isso. Eu até imaginava que teria algum tipo de represália. Depois de escrever o livro, eu pensei em segurar ele e lançar quando eu saísse da prisão. Mas as coisas não se resolveram, eu já tava com o livro pronto, a editora tinha gostado e tava querendo publicar. Aí eu lancei o livro enquanto ainda tava no presídio da Polícia Militar. Foi a pior coisa que eu fiz. Escrever um livro falando mal da Polícia Militar dentro do presídio da Polícia Militar, que que tu imagina que pode ter acontecido?

Cara, quando o livro foi lançado, minha esposa levou 30 exemplares pra distribuir lá no BEP, pra alguns amigos. Eu ia dar pra rapaziada que sabia que eu tinha escrito o livro e queria ler. Quando ela chegou, não deixaram ela entrar com o livro. “Ah, mas por que não pode entrar com o livro?” “Ordem do comando, não pode entrar com esse livro no presídio.” Minha esposa ficou nervosa e foi lá no plantão do Ministério Público no centro do Rio pra contar o que aconteceu, que o livro foi censurado. Ela contou que o Elite da Tropa, por exemplo, pode entrar, o livro que o capitão escreveu. Mas o livro que o ex-soldado escreveu não pode. Aí ela foi e relatou isso lá pro Ministério Público e depois de alguns dias o MP oficiou o comando da Polícia Militar solicitando informações sobre o porque da censura prévia. O comando deu lá as explicações dele.

Dois dias depois, de madrugada, aconteceu. Entraram quatro policiais, pelo que eu pude perceber, na minha cela, todo mundo com roupa do BOPE, touca ninja, sem identificação. Entraram na minha cela, me acordaram e eu fui pro saco, tomei choque. Saco e choque pra caramba. E eles falaram: “Manda lá a tua esposa retirar a denúncia do Ministério Público, se não tu vai amanhecer suicidado aqui dentro. Na próxima vez que a gente voltar, vai ser pra você se suicidar, entendeu bem?”. Como não entender um recado desse? A minha esposa não foi mais lá, retirou a denúncia e o assunto morreu, ficou por isso mesmo. Eu falei com a minha advogada e ela foi, procurou gente pra denunciar, mas ninguém quis ouvir.

O Comando da Polícia Militar se doeu mesmo comigo, tomou como uma coisa pessoal que poderia trazer algum tipo de incômodo pra eles lá em cima. É impressionante como ainda hoje você incomoda se você falar o que você pensa, se você falar a verdade.

Teve uma livraria, uma rede de varejo que, por conta do lançamento do livro, queria fazer uma noite de lançamento. Eles queriam fazer o lançamento do livro, falaram com a minha editora e tudo mais. A Justiça autorizou a minha ida até a livraria pra poder fazer a noite de lançamento. Só que, no despacho, o juiz determinou que ficava a critério da Polícia Militar providenciar a escolta pra que eu fosse até o local de lançamento no dia tal, hora tal, pra fazer o lançamento do livro. Só que no dia, a escolta não pode me levar porque ficou empenhada em outra atividade. Ou seja, o comandante providenciou a escolta, mas no dia disse que não tinha escolta pra me levar. A tentativa era essa, de calar, de evitar que eu falasse.

Em que ponto se perde o policial e se ganha o monstro?

São vários pontos de quebra. Pra mim foi a morte do Sampaio. Quando eu vi o Sampaio morto, um recruta de 19 anos morto com 19 tiros pelas costas. Ali eu falei: “É guerra e se alguém atentar contra minha vida, eu vou tacar bala também”. Ali foi que eu percebi a crueza da morte. Essa lida diária com a violência constante é que causa a desumanização. Com a corrupção também, mas ela se torna parte do processo da violência. Porque pra você conseguir pegar o arrego do traficante, você tem que subir o morro e dar tiro nele. Se não o traficante não vai te pagar nada. Traficante não paga pra quem tá baseado na entrada do morro, porque quem tá baseado na entrada do morro não atrapalha o movimento da boca. Essa desumanização vem primeiro com a violência, depois vem com os benefícios pecuniários que você pode ter quando os outros querem evitar a violência. Primeiro eu vou lá, entro no morro, entupo o traficante de bala. Vai descer um, dois, três mortos. Na semana que vem o traficante vai pagar pra não descer mais três mortos. A corrupção é consequência desse estado de violência que o policial tá sujeito o tempo todo. O policial militar tá o tempo todo oprimido: na folga dele ele tá oprimido, tem receio de ser reconhecido, assassinado. Pra mim esse ponto de quebra foi perceber que eu estava no meio de uma guerra de verdade. E como o Sampaio, depois vi muitos outros amigos morrendo, fui a muitos enterros, funerais. Mas aí eu já estava mais recrudescido. Tem outro caso que eu conto é o de dois policiais assassinados numa cabine, no Andaraí, o sargento Marco Aurélio e o cabo Peterson. Eles chegaram pra trabalhar, de manhã cedo, e lá na cabine Caçapava o vagabundo matou os dois de .45. O cara fugiu sem levar nada. Cheguei lá pra ver e tava o sargento Marco Aurélio sem a parte de cima da cabeça e o Peterson tava todo cheio de tiros no tórax.

Muita gente da minha turma morreu, tá presa, foi excluída. E a fábrica de monstros tá aberta, continua lá. Eles vão preenchendo. Sempre tem gente querendo entrar por causa dessa glamourização do monstro. Todo concurso da PM é 100 mil inscritos, 80 mil inscritos. É muita gente, pô. A relação candidato/vaga é paralela a vários cursos aí da UERJ. A fábrica tá aberta e muita gente quer entrar nela, mas a gente vê que tá tudo errado.

 

*Da Agência Pública