O que já é conhecido na conduta de Moro não suscita suspeita, induz certeza
As duas ações em que Edson Fachin emitiu decisão e Gilmar Mendes proferiu voto, apesar de formalmente separadas, tratam do mesmo tema.
Na aparência, a conduta ilegal e persecutória de Sergio Moro nos processos com que retirou o candidato Lula da Silva (39% das preferências) da disputa pela Presidência em 2018, encaminhando a eleição de Bolsonaro (18%). A rigor, o que está na essência das ações judiciais é uma operação de interferências distorcivas no processo eleitoral que comprometeram, por inteiro, a legitimidade de uma eleição presidencial.
Nem Sergio Moro é “caso de suspeição”, nem a ocupação da Presidência por Bolsonaro, mesmo que vista como legal, tem legitimidade.
O que já é conhecido —e falta muito— das violações do Código de Processo Penal, da Lei Orgânica da Magistratura e da própria Constituição na conduta judicial de Sergio Moro não suscita suspeita, que é dúvida: induz certeza. São fatos. Não retidos em memória, mas em diferentes registros comprovadores e consultáveis, muitos de longo conhecimento em tribunais e em parte da população.
A torrente desses fatos no voto de Gilmar Mendes sufoca qualquer dúvida sobre sua caracterização: são atos deliberados, planejados, combinados, marginais às normas e à moralidade judicial.
Nessa delinquência de cinco anos, do princípio de 2014 ao fim de 2018, a ação julgada por Edson Fachin refere-se à preliminar de quatro inquéritos contra Lula, entre eles os do apartamento de Guarujá e do sítio de Atibaia. Quando se vê a razão de Fachin para anular essas condenações, fica quase impossível acreditar que tais processos tramitassem por anos. Dessem em condenações por Sergio Moro. Até em aumento das penas pelo Tribunal Federal Regional do Rio Grande do Sul, o TRF-4, com base em relatório pouco menos do que ininteligível de um desembargador idem, João Gebran.
Quisesse, ou não, dar uma sentença que preservasse Sergio Moro do processo sobre a suspeição que é certeza, Edson Fachin viu-se com uma constatação indescartável: “não restou provado vínculo” entre os benefícios atribuídos a Lula, tanto na acusação como na condenação, e negócios ou desvios na Petrobras.
Logo, esses processos foram criados e receberam sentença ilegalmente em juízo restrito a desvios na estatal. Convém enfim realçar: a anulação das condenações de Lula por Moro não decorreu, portanto, apenas de incompetência geográfica da 13ª Vara Criminal do Paraná, como tem parecido. Procedeu, também, da violação deliberada de Moro às leis processuais e penais. Com o fim de fazer a prisão de um candidato à Presidência, o que daria a vantagem a outro. Crime, pois não?
Nada se deu sob sigilo nessa delinquência contra as instituições do Estado de Direito e a eleição legal. Muito ao contrário, a construção do escândalo era um componente planejado da operação.
Gilmar falou, a propósito, em conluio e consórcio Lava Jato-“mídia”. Não dispensou nem as orientações de um repórter aos dallagnóis. Incontestável, como mais um capítulo eleitoral da imprensa/TV. Mas uma ressalva é de justiça: em meio à enorme pressão pró-Lava Jato, a Folha pode ter pecado de corpo, mas não renegou a velha alma. Os poucos juristas, advogados e comentaristas da casa que apontaram a delinquência e as arbitrariedades da Lava Jato tiveram espaço e liberdade assegurados nestas páginas.
Não é menos justo, em sentido oposto, dizer que os Conselhos Nacionais do Ministério Público e da Justiça, assim como o Supremo Tribunal Federal, souberam sempre o que se passava na Lava Jato. Por experiência no Judiciário e no MP, por informações, por muitos recursos processuais de advogados e pelos poucos trabalhos da “mídia” fora da moda. Ao seu dever fiscalizador preferiram o silêncio e a inação, traindo-se e traindo a Justiça e o Estado de Direito.
Se tudo precisar de recomeço, que seja. Importante é que a Justiça está se despindo de uma impostura, ao tempo mesmo em que se reergue na defesa dos cidadãos e do país sob ataque da doença e do governo, ambos letais.
*Janio de Freitas/Folha
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