Por Reinaldo Azevedo
Deltan Dallagnol, coordenador da Lava Jato, é, antes de mais nada, um sedutor. Mesmo quando está falando sobre o próprio cocô. E notem que este “blogueiro” — a palavra vai com aspas porque reproduzo a fala do valente quando se refere a mim, não porque eu queira que a palavra “blogueiro” signifique algo além de blogueiro, sem aspas — está sendo absolutamente referencial. Não se trata de metáfora, como há de ficar claro. Ele mesmo tratou do assunto em rede nacional de televisão para, curiosamente, ganhar a plateia. Como num antigo fado português, exclamo: “Que estranha forma de vida!””
A Lava Jato não virou uma espécie de imperativo categórico, apesar de todas as ilegalidades que praticou à luz do dia e nos porões do estado de direito, por acaso. Reconheça-se talento individual, capacidade de se tornar influente junto às pessoas certas, poder de insinuação — no sentido etimológico da palavra. Mesmo quando há o apelo escatológico.
“Insinuar” vem do verbo latino “insinuo”, cujo significado é “meter, introduzir, penetrar”. Mas onde? Nos “sinus” — vale dizer: nas “pregas”, nas “dobras” de uma túnica, por exemplo. Assim, um inseto poderia se “insinuar” na vestimenta de um nobre romano. Por metáfora, “insinuar” é ir se metendo com cautela em algum lugar, ir ganhando terreno, ir penetrando em determinados círculos sociais de forma gradual. Por associação de ideia, “insinuar” também significa “sugerir sem ser explícito”, “dar a entender”. Na evolução da língua, o “insinuante” também é um sedutor.
Mensagens que vieram a público do lote recebido pelo site The Intercept Brasil de fonte anônima evidencia que Deltan é um rapaz insinuante, dada a potência polissêmica da palavra. Insinuou-se, por exemplo, no Supremo. No dia 22 de abril de 2016, em mensagem a Sergio Moro, ele comemora: “Caros, conversei com o Fux, mais uma vez, hoje. Reservado, é claro: o ministro Fux disse quase espontaneamente que Teori fez queda de braço com Moro e viu que se queimou. E que o tom da resposta do Moro depois foi ótimo. Disse para contarmos com ele para o que precisarmos, mais uma vez. Só faltou, como bom carioca, chamar-me para ir à casa dele rs. Mas os sinais foram ótimos. Falei da importância de nos protegermos como instituições. Em especial no novo governo”. E o então juiz respondeu: “Excelente. In Fux we trust”.
Deltan comemorava mais uma conquista. Em 13 de julho de 2015, depois de um encontro com Edson Fachin, ele mal se conteve e saudou a, digamos, posse de um ministro: “Caros, conversei 45 m com o Fachin. Aha uhu o Fachin é nosso”.
A VEZ DE BARROSO
Ah, não, leitor amigo! Este post não traz denúncia de ilegalidade. Não desta vez. Trata-se aqui de mostrar a estratégia de um sedutor, de um jovem insinuante. Agora, é a vez de conquistar o também ministro do Supremo Luiz Roberto Barroso, hoje o mais apaixonado de todos os lava-jatistas.
Vamos a um diálogo inédito? Mais um entre o então juiz Sergio Moro e Deltan Dallagnol. No dia 3 de agosto de 2016, o procurador recebe uma mensagem do juiz (transcrição conforme o original):
06:39:57 Moro – Está confirmado o jantar no Barroso?
10:04:51 Deltan – Ele acabou de confirmar. Estou adiantando meu voo porque terça estarei na comissão especial. Boa reunião amanhã c eles!!
12:29:19 Moro – Obrigado. Preciso do endereço e horário do jantar
13:48:37 Deltan – Não tenho ainda tb… passo assim que ele indicar…
13:48:54 Deltan – Lembrando que ele é carioca… talvez tenha convidado e não passe o endereço mesmo kkkk 16:38:29 Moro – Boa
Como se percebe, mais uma vez, Deltan expressa um juízo pouco lisonjeiro sobre os cariocas. Já havia acontecido na conversa sobre São Fux, aquele em que “they trust”.
AS ESTRATÉGIAS DE UM SEDUTOR
A conversa é retomada à noite. Fiquem atentos porque vão se misturar duas coisas aí: o jantar na casa de Barroso e uma entrevista que Deltan concedeu a Jô Soares (conforme o original).
20:08:40 Deltan – Copiei Vc de modo oculto em email em que envio endereço, repassando o convite.
20:49:17 Deltan – informo que a arte do convite da Palestra – Democracia, corrupção e justiça: diálogos para um país melhor, que ocorrerá no dia 10 de agosto, já está pronta, conforme link que segue abaixo. Ademais, indico que na segunda-feira estarei em contato para informar sobre o roteiro de atividades (refeições, aeroporto, translado). https://www.uniceub.br/media/891615/moro_convite.pdf
22:26:27 Moro – Como foi no Jô?
22:29:11 Moro – Não recebi o email com endereço
22:43:39 Deltan – Ele quer que Vc vá, e seria bacana Vc ir… só não sei o timing rs. Da vez anterior que fui, eu fui mais no conteúdo. Nessa vez, tentei mesclar conteúdo com entretenimento e acho que o resultado foi bacana….
22:45:14 Deltan –Vou checar por que não foi e reenvio
22:51:41 Deltan – Pra mim dá como enviado… deve chegar amanhã, mas adianto por aqui
EXPLICAÇÕES
Pausa para algumas explicações. Roberto Barroso foi convidado para dar aula no Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). Na faculdade, ele montou um certo Instituto de Diálogos Constitucionais (IDcom). E esse instituto — que é o próprio Barroso — resolveu organizar um debate sob o título “Democracia, corrupção e justiça: diálogos para um país melhor”. Sim, o evento aconteceu e está aqui, na página pessoal de Barroso, chamada “Luís Roberto Barroso – Jurisdição Constitucional e Debates Públicos). O ministro fez no dia 13 de agosto daquele ano uma postagem sobre o evento.
Reparem como fica difícil para os bravos contestar o conteúdo do que vem a público, né?
Já vou voltar a Barroso. Quero me ater à atuação de Dallagnol no programa do Jô.
O COCÔ E O APELO AO PÚBLICO
Deltan realmente tinha ido ao programa de Jô Soares. O rapaz que pensou em abrir empresa em nome da mulher para administrar as suas palestras; que trata a sua tarefa como a oportunidade para fazer “networking”; que admite a seus pares ter chegado a hora de “lucrar”; que cobra quase R$ 30 mil por uma palestra, além de hospedagem para a família no “Beach Park”, bem, esse sedutor tem plena consciência de que está também numa cruzada publicitária, de construção da própria imagem: o jovem com cara de bom genro, que não tolera a corrupção.
Observem que ele admite na conversa com Moro que apelou a uma estratégia de comunicação no programa no Jô: mesclou “conteúdo com entretenimento”. Não se esqueçam: em 2018, ele debateu com o também procurador Roberson Pozzebon, o “Robito”, a possibilidade de explorar o ramo das palestras motivacionais. Parece que descobriu também, entre seus múltiplos talentos, a vocação para “coach”.
O objetivo no Programa do Jô era mesmo ganhar a plateia. Que os filhos dos desempregados das empreiteiras que estavam demitindo em massa não pudesse ir para o “Beach Park”, bem, eis um preço que os outros têm a pagar pelo modo como ele e Moro resolveram combater a corrupção. Abaixo, vídeos de Deltan no programa do Jô.
O COCÔ E O SENSO DE HUMOR
O estado de direito estava indo para o esgoto, junto com o cocô de Deltan, mas ele conseguia mesclar “informação e entretenimento” para fazer rir a plateia. E recebeu os elogios merecidos.
DE VOLTA A BARROSO
Lembrem-se que Sergio Moro reclama de que não tinha recebido o convite para o jantar na casa de Barroso. Deltan repassa às 22:51:43 daquele 3 de agosto de 2016 ao então juiz mensagem que havia recebido do próprio ministro, com o seguinte conteúdo — e Barroso certamente há de reconhecer aí a sua escrita.
“Caros Deltan, Moro, Oscar, Caio Mário e Susan: Tereza e eu teremos o imenso prazer em recebê-los para um pequeno coquetel/jantar em nossa casa, no dia 9 de agosto próximo, 3ª feira, às 20:30, em honra dos participantes do evento “,Democracua, Corrupção e Justiça: Diálogos para um País Melhor”. Será uma reunião em traje casual, com a presença limitada aos organizadores do evento, o que inclui membros da minha assessoria e poucos dirigentes do UniCEUB. Com máxima discrição. Na medida do possível, desejamos manter como um evento reservado e privado. Estamos muito felizes de tê-los aqui. Nosso endereço é [TRECHO OMITIDO POR ESTE ESCRIBA]. Nosso telefone é [TRECHO OMITIDO]. Deltan tem meu telefone e pode ligar em qualquer necessidade. Abraços a todos. Luís Roberto Barroso.”
Parece que o ministro do Supremo, onde tramita parte dos processos oriundos da Lava Jato e algumas de suas derivações, tem consciência de que o jantar/coquetel oferecido por um figurão da terceira instância com quem COM QUEM ACUSA E COM QUEM JULGA EM PRIMEIRA poderia não cair muito bem se tornado público.
Abaixo, há um pequeno trecho do evento. Dê-se a mão à palmatória. Deltan é um craque na comunicação. Vejam a falsa modéstia juvenil com que revência seus pares de seminário.
https://youtu.be/Iq9AfjGxAR0
ENCERRO
Viram só? Não há denúncia nenhuma aqui. Trato da escalada de um projeto que também está ancorado numa estratégia de comunicação, que foi se insinuando no Supremo, com a captura de ministros da corte constitucional. Só neste texto, três deles parecem como entregues à metafísica lava-jatista.
Ignoro, para encerrar, se, quando advogado de defesa do terrorista Cesare Battisti, Barroso foi convidado por algum ministro do Supremo para um coquetel/jantar.
Não há nada de errado em promover seminários, e os participantes não têm de ser demonizados por isso, embora eu possa destacar a notável ausência de advogados de defesa — que nem precisariam ser dos réus da Lava Jato — na composição da mesa.
Mas algo está errado quando um figurão da corte quer homenagear, entre outros, as duas figuras de proa da Lava Jato em “evento reservado e privado”.
Bem, a psicanálise diz que a sedução é sempre, em certa medida, uma via de mão dupla. Sedutor e seduzido estão quase sempre numa espécie de concerto de vontades.
Vai demorar para o estado de direito sair do abismo em que foi jogado.
Mas vai sair.
*Do Reinaldo Azevedo