Por Reinaldo Azevedo
Aqui tudo parece/ que é ainda construção/ e já é ruína”. São versos da música “Fora da Ordem”, de Caetano Veloso, que está em “Circuladô”, de 1991. É o mesmo disco que traz “Cu do Mundo”, em que se canta: “A mais triste nação/ na época mais podre/ compõe-se de possíveis/ grupos de linchadores”. O poeta americano Ezra Pound afirmou que os “artistas são as antenas da raça”. Podem antecipar maravilha e horror. Quase 28 anos depois de “Circuladô”, os linchadores, também os do mundo virtual, perderam qualquer pudor, e a ruína tenta se passar por construção.
Leiam o diálogo que segue, travado entre Débora Santos, assessora da XP Investimentos, e Deltan Dallagnol, coordenador da Lava Jato A transcrição segue conforme o original. E vocês entrarão em contato com dois flagrantes da nossa ruína: Deltan e, antes dele, o ministro Luiz Fux, do Supremo, participaram de reuniões privadas com banqueiros e investidores para discorrer sobre o tema “Lava Jato e eleições”. Os encontros devem ser chamadas, sem exagero, de clandestinos.
17 de maio de 2018
16:57:38 Débora Olá Deltan, tudo bem? Aqui é Debora Santos. Já nos vimos algumas vezes no ANPR, sou esposa do Pelella. Peguei seu contato com ele para te fazer um convite
16:58:59 Débora Trabalho como consultora/ analista de política e Judiciário da XP Investimentos. Queria te convidar para um bate papo com investidores brasileiros e estrangeiros aqui em SP
17:00:45 Débora Vi que você tem um evento aqui em SP no final do mês e queria ver se conseguimos encaixar um encontro.
17:43:11 Deltan Oi Debora tudo bem? Que honra seu contato!!
17:43:24 Deltan Então, já tenho uma palestra agendada na XP pro fim do ano 17:43:35 Deltan Seria um público diferente?
17:43:53 Deltan Neste mês quase impossível pela agenda, julho mais fácil. 17:44:05 Deltan Vc falaria com Graziella que cuida das palestras?
17:55:02 Débora Claro, claro. Seria um público mais seleto. CEOs e tesoureiros dos grandes bancos brasileiros e internacionais
7:57:02 Débora Falo com a Graziella. Obrigada. Abs
17:59:19 Deltan Me passa uma lista de quem são?
17:59:22 Deltan Quando seria?
18:01:41 Débora Quando você puder. Antes do final do semestre.
18:04:57 Débora JP Morgan Morgan Stanley Barclays Nomura Goldman Sacha Merrill Lynch Cresit Suisse Deutsche Bank Citibank BNP Paribas Natixis Societe Generale Standard Chartered State Street Macquarie Capital UBS Toronto Dominion Bank Royal Bank of Scotland Itaú Bradesco Verde Santander
18:06:17 Débora Esses seriam os convidados. Nem todos comparecem.
18:06:36 Débora Você deve estar agendado para o Expert, uma conferência grande que realizamos em setembro.
18:07:42 Débora Esse bate-papo é privado, com compromisso de confidencialidade, onde o convidado fica à vontade para fazer análises e emitir pareceres sobre os temas em um ambiente mais controlado.
18:08:17 Débora Semana passada recebemos o presidente do TSE, ministro Fux, por exemplo e não saiu nenhuma nota na imprensa.
18:09:25 Débora Nem sobre a presença dele na XP.
18:09:43 Débora Assim, já aconteceu com vários personagens importantes do cenário nacional, como você.
18:22:33 Deltan Quais as datas possíveis de junho?
18:22:51 Deltan Tome em conta os jogos da copa
18:23:10 Débora Primeira semana
18:23:21 Débora Qualquer dia, seria ótimo.
19:31:19 Deltan Primeira semana não consigo.
19:31:19 Deltan A partir do dia 18 conseguiria
19:31:19 Deltan Agenda antes está impraticável.
21:08:39 Débora Podemos acertar então. Na semana do dia 18, só tem jogo do Brasil na sexta. Veja qual dia é melhor pra voc.
23:06:04 Deltan Mas me esclarece melhor: Vcs têm encontros regulares sem data definida? Ou querem fazer um encontro específico com alguma pauta? O ideal seria eu participar de um encontro que já exista.
18 de maio de 2018
10:33:53 Débora Fazemos econtros regulares com atores do mercado para fazer análises conjunturis sobre temas da atualidade. Estamos na fase de ciclo de encontros sobre Lava Jato e Eleições, por isso estivemos com o ministro Fux, na semana passada, e estamos negociando data com os ministros Barroso e Alexandre de Morais tb.
10:34:49 Débora Além de integrantes do Judiciário, estivemos nas últimas semanas com algumas lideranças políticas e cientistas políticos.
10:35:33 Débora A reunião com vc se coloca nesse contexto do ciclo de debates sobre eleições, lava jato e conjuntura política em 2018.
11:24:14 Débora A principal diferença entre a conferencia que vc fará em setembro e dessa reunião privada é o tipo de público. Na conferencia ampliada, é um público heteregeneo que compreende o cenário mais amplo, sem aprofundamentos, meio que o que já está nos jornais. O público dessas reuniões privadas é mais qualificado, se aprofunda em conceitos de debates.
22 de Maio de 2018
23:08:33 Deltan Débora, a ida dos Ministros é remunerada como palestra?
23:09:01 Deltan Os encontros são convocados então tendo em vista um convidado especifico, certo?
23:42:49 Débora Sim, fazem parte de um projeto que vem sendo desenvolvido ao longo do ano, mas são convocadas rodadas para cada convidado
23:44:40 Débora Temos como hábito respeitar a privacidade dos nossos convidados 23:55:23 Deltan Opa entendo perfeitamente.
23:55:44 Deltan Debora vou pedir para a Fernanda que me ajuda com essas palestras para falar com Vc.
23 de Maio de 2018
00:01:15 Débora Tudo bem.
COMPREENDENDO A CONVERSA
Como sabemos, a Lava Jato buscou e busca se estabelecer como o eixo formador de um outro país. Desse eixo irradiariam um novo Ministério Público, um novo Poder Judiciário, um novo Congresso e uma nova forma de fazer política. E, no entanto, a cada diálogo que se revela, o que se vê é a ruína moral a serviço da corrosão institucional. O diálogo que vocês acabam de ler diz muito mais do que parece.
Reportagem publicada em parceria pela Folha e pelo site The Intercept Brasil já evidenciou que Deltan Dallagnol, em conversa com Roberson Pozzobon, seu colega de força-tarefa, buscou criar uma empresa, em nome das respectivas mulheres, para profissionalizar a sua atividade de palestrante. Em uma mensagem enviada àquela que Sergio Moro diria ser sua “conge”, o procurador admite ter ganhado R$ 400 mil líquidos com a atividade paralela só no ano passado. O Brasil empobreceu bastante de 2014, ano em que teve início a Lava Jato, a esta data. Mas Deltan enriqueceu.
Falemos um pouco das personagens que aparecem no diálogo acima. Débora Santos é mulher do procurador Eduardo Pelella, que foi chefe de gabinete e braço direito de Rodrigo Janot quando procurador-geral da República. Era, de fato, dizem as boas línguas, quem tocava a PGR. Ela já foi personagem deste blog. E por uma razão singularíssima: trabalhava na área de “consultoria em comunicação social e gestão de crises” no gabinete de ninguém menos do que Edson Fachin, o ministro do Supremo que é o relator do petrolão.
Vocês entenderam direito: Pelella, o marido de Débora, traçava as estratégias do procurador-geral da República, também chefe do Ministério Público Federal, o órgão que acusa. E Débora, a mulher de Pelella, traçava as estratégias de comunicação de Fachin, o relator do petrolão, o homem que julga. A promiscuidade entre acusador e juiz parece que tenta se estabelecer como regra no país. O resultado é desastroso.
LAVA JATO E ELEIÇÕES
Débora quer que Deltan discorra sobre “Lava Jato e eleições” a quem regula suas apostas a depender de cenários que, ora vejam, dependem, por sua vez, em grande parte, das decisões do próprio procurador. Quanto custa a bola de cristal do vidente que tem como interferir no futuro? Reitere-se: Débora, a mulher de Pelella, o íntimo de Janot, que desenhou a Lava Jato, não está convidando o buliçoso procurador para falar a uma plateia ampla — a conferência —, que ela trata até com certo desdém. Afinal, um evento assim, aberto, seria formado por um “público heterogêneo”, que se contenta “meio com o que já está nos jornais.”.
Não! A Pelella do Pelella quer mais — e sabe que Deltan vai oferecer: “O convidado fica à vontade para fazer análises e emitir pareceres sobre os temas em um ambiente mais controlado”.
Ou por outra: aquele que representa o órgão que é o titular da ação penal e que detém praticamente o poder de vida e morte sobre carreiras políticas vai desenhar cenários, que ele próprio tem o poder de fabricar, a banqueiros, em “reuniões privadas”.
*Matéria completa no Blog do Reinaldo Azevedo