“Para mim, coincidências não existem. Não há coincidência intranscendente, e repito: qualquer coincidência tem o dedo de Deus ou do diabo”. (Nelson Rodrigues)
Em futebolês, “jogar contra o patrimônio” é marcar gol contra. É o que Lula mais tem feito nos últimos dias, o último deles ao afirmar: “Eu acho que é mais uma armação de Moro”, comentando a volta do ex-juiz à ribalta, depois de ver o nome dele envolvido nas investigações sobre um plano de vingança do PCC para sequestrar e matar várias autoridades.
Com direito a teleprompter e fundo todo branco no Jornal Nacional, Sergio Moro aproveitou a oportunidade da sua reentrada em cena para se fazer de vítima de uma conspiração do governo e acusar Lula de colocar em risco a sua vida e a da sua família. Até aquele dia, ele estava esquecido, vivendo o ostracismo numa solitária cadeira no Senado.
Que Lula anda falando demais, sem freios e sem provas, estamos todos de acordo, mas fiquei com várias pulgas atrás da orelha com essa história.
“Fiquei sabendo que a juíza não estava nem em atividade quando deu o parecer para ele. Não vou ficar atacando ninguém sem ter provas e, se for mais uma armação, ele vai ficar mais desmascarado ainda”, disse Lula, em Itaguaí, no Rio de Janeiro, numa solenidade na Marinha, em meio a um dia carregado de compromissos.
A juíza a que o presidente se refere é Gabriela Hardt, da hoje famosa 13ª Vara Federal de Curitiba, a mesma que ajudou Moro a mandar Lula para a prisão, em 2018, tirando-o da campanha presidencial, quando era franco favorito, e abrindo caminho para a chegada da extrema-direita ao poder, numa grande operação que envolveu políticos de oposição ao PT e militares, como o general Villas Bôas. Depois, como sabemos, Moro viraria ministro da Justiça de Bolsonaro. Tudo coincidência?
Quem, afinal, disse para Lula “ficar sabendo” que a inclusão do nome do ex-juiz nas investigações da Polícia Federal era uma “armação” do próprio Moro? Seria uma “inside information” dos órgãos de segurança para o presidente? Neste caso, Lula deveria dizer a fonte e mostrar as provas. Do jeito que falou, apenas desmereceu o republicano trabalho da Polícia Federal e do seu ministro da Justiça, o competente Flávio Dino, que salvaram a vida de um inimigo juramentado do presidente e do seu governo.
Ou foi apenas uma ilação de Lula diante dos antecedentes da dupla de magistrados de Curitiba? Só o próprio presidente poderá responder a essas dúvidas. Em outra coincidência, no mesmo dia, Hardt tirou o sigilo das investigações sobre o PCC, o que municiou Moro no seu contra-ataque a Lula.
Assim como a 13ª Vara de Curitiba não tinha competência para julgar os processos de Lula na Lava Jato, segundo decisão do Supremo Tribunal Federal, agora também é questionada a entrada de Gabriela Hardt no caso do PCC.
A dúvida foi levantada pelo Conjur, o mais conceituado site de consultoria jurídica do país, que ouviu juristas para chegar à conclusão de que “a Justiça Federal do Paraná não é competente para conduzir a investigação sobre o suposto plano para sequestrar o senador Sergio Moro (União Brasil/PR). Como os delitos em averiguação não seriam praticados devido ao fato de ele ser parlamentar, nem em detrimento de bens, serviços ou interesse da União, o processo caberia à Justiça estadual”.
E, nesse caso, como as investigações sobre o PCC foram abertas em São Paulo, o processo deveria ficar com a Justiça paulista, afirma o Conjur, que ouviu, entre outros, Afrânio da Silva Jardim, professor aposentado de Direito Processual Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Ruy Lopes Junior, professor de Direito Processual Penal da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
O novo imbróglio entre Lula e Moro, que só interessa ao ex-juiz, começou com uma entrevista do presidente à TV 247, na véspera da operação da PF, em que o presidente falou que se vingaria do seu algoz provando sua inocência, e o chamou de “merda”. Foi o que bastou para misturar tudo no no mesmo balaio e transformar Lula de vítima em algoz de Moro nas redes bolsonaristas. A lição que fica de tudo isso para o governo é que o presidente Lula deveria parar de falar em fatos e personagens do passado para centrar seus discursos e entrevistas em projetos e programas de seu terceiro governo, que está prestes a completar 100 dias, e ainda está atolado em disputas internas na base aliada sobre os rumos da economia e nas relações com o Congresso.
Na volta da viagem à China, Lula precisa arrumar a cozinha palaciana e botar ordem na articulação política e na comunicação social do governo, não podendo ser ele o único porta-voz, até para não perder a voz, como aconteceu esta semana.
*Kotscho/Uol
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