Documento elaborado pela Human Rights Watch lista uma série de ataques contra os cidadãos brasileiros cometidos pelo presidente de extrema-direita.
“O ataque do presidente Bolsonaro às agências de fiscalização ambiental está colocando em risco a Amazônia e aqueles que a defendem.” A afirmação é de Maria Laura Canineu, diretora da Organização Não-Governamental (ONG) Human Rights Watch (HRW) no Brasil. “Sem nenhuma prova, o governo tem culpado ONGs, voluntários brigadistas e povos indígenas pelos incêndios na Amazônia e, ao mesmo tempo, fracassado em agir contra as redes criminosas que estão derrubando árvores e queimando a floresta para dar lugar à criação de gado e agricultura, ameaçando e atacando aqueles que estão no caminho”, acrescentou.
A entidade internacional de pesquisa e defesa dos direitos humanos divulgou hoje (14) o 30° Relatório Mundial de Direitos Humanos 2020. O estudo detalha a situação dos direitos humanos em 90 países, incluindo o Brasil e diz que “o presidente Jair Bolsonaro assumiu uma agenda contra os direitos humanos”.
Segundo o relatório, autoridades e moradores da região amazônica contam que a intimidação contra populações indígenas aumentou significativamente em 2019, primeiro ano do atual presidente da República. A constatação é de que, sob o atual governo, apenas em novembro e dezembro, três indígenas foram assassinados.
Dados preliminares, denuncia o estudo de 652 páginas, apontam que de janeiro a meados de dezembro o desmatamento na Amazônia aumentou mais de 80 por cento.
Segundo a organização, o presidente Jair Bolsonaro adota uma política sistemática contra os direitos humanos e incentiva a execução de pessoas. “Sugeriu que criminosos deveriam ‘morrer na rua igual baratas’”. Em seu site, a organização acrescenta: “Os padrões internacionais de direitos humanos permitem matar pessoas deliberadamente apenas quando necessário para proteger uma vida”. Casos como o da menina Ághata Felix, de oito anos, assassinada por um policial no Rio de Janeiro, e do músico morto com mais de 80 tiros de fuzil no mesmo estado estão no relatório.
A ONG afirma também que “o governo Bolsonaro tem agido para enfraquecer os esforços de prevenção da tortura”, lembrando que o chefe de Estado brasileiro tentou exonerar peritos do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, órgão estabelecido por lei, “e descartou evidências de que a força-tarefa de intervenção penitenciária federal havia submetido presos a tortura no estado do Pará”.
A HRW denuncia ainda que Bolsonaro perseguiu a mídia, organizações não-governamentais e tentou restringir o acesso de crianças à educação sexual integral.
El País faz uma análise de um ano de governo Bolsonaro em que ele tenta trazer um dos pontos dessa tragédia em seu ataque a democracia.
Lógico que a coisa nesse governo é ainda muito pior.
Inflação, recessão, desemprego em massa, precarização, bicos, endividamento do povo e quebradeira de empresas.
Nenhuma pasta do ministério de Bolsonaro funciona. Os ministros são escancaradamente incompetentes. Então, o resultado não poderia ser outro.
O desastre está 100% garantido.
A direita nunca teve projeto para o Brasil e sim contra. Não seria diferente com Bolsonaro e Moro atuando juntos.
El País: Bolsonaro acelera deterioração da democracia no Brasil
A chegada ao poder no Brasil de Jair Bolsonaro — o primeiro presidente ultradireitista desde o retorno à democracia em 1985 — veio acompanhada de grandes temores por parte de seus adversários e das minorias. O primeiro ano de mandato incluiu confrontos com outros poderes do Estado, ataques à imprensa, à ciência, à história… decisões controvertidas e infinitas polêmicas. O militar reformado, que mantém vivo o discurso de nós contra eles da campanha e é abertamente hostil à esquerda, testou as instituições do Brasil.
O apoio à democracia caiu sete pontos, a 62% desde sua posse, os indiferentes ao formato de Governo aumentam enquanto se mantém em 12% a porcentagem dos que acreditam que em certas circunstâncias a ditadura é melhor, de acordo com a pesquisa do Datafolha divulgada no Ano Novo.
O Congresso, no qual não tem maioria, deteve suas iniciativas legislativas mais radicais como eximir policiais e militares de responsabilidade em tiroteios com bandidos e purgar os livros escolares de esquerdismo. O Supremo também foi uma barreira. Mas em áreas como a política cultural, destruiu tudo aquilo que não bate com sua visão. Os editoriais contra seus instintos autoritários são frequentes.
A ONU ligou os alarmes já em setembro, através de sua alta comissária para os Direitos Humanos, a ex-presidenta Michele Bachelet, que após criticar o aumento de mortos por disparos policiais afirmou: “Nos últimos meses observamos uma redução do espaço cívico e democrático, caracterizado por ataques contra os defensores dos direitos humanos e restrições impostas ao trabalho da sociedade civil”. Bolsonaro respondeu cruelmente ao ofender a memória do pai da chilena, um militar assassinado pela ditadura a quem acusou de comunista.
O último relatório anual sobre a qualidade da democracia no mundo do V-dem, um instituto da Universidade de Gotemburgo, coloca o Brasil no top 30% dos mais democráticos, mas alerta sobre sua guinada à autocracia (e a dos EUA, entre outros). O balanço de 2018, antes de Bolsonaro, já apontava uma deterioração desde os anos conturbados do impeachment da esquerdista Dilma Rousseff.
Ainda que o relatório sobre 2019 só fique pronto em alguns meses, o diretor do V-dem, o professor Staffan I. Lindberg, alerta que, baseado em suas observações, o Brasil vive “uma guinada à autocracia das mais rápidas e intensas do mundo nos últimos anos”.
O que mais preocupa esses acadêmicos, diz por telefone da Suécia, são os esforços do presidente e seu Governo para calar os críticos, sejam adversários políticos, juízes que investigam a corrupção, jornalistas, acadêmicos e membros da sociedade civil. “Foi o que fez (Recep Tayyip) Erdogan quando levou a Turquia da democracia à ditadura, o que faz (Viktor) Orban na Hungria, que está prestes a deixar de ser uma democracia, e exatamente o que (Narendra) Modi faz na Índia”, alerta Lindberg.
Os exemplos são inúmeros. Bolsonaro destituiu o diretor do órgão que realiza a medição oficial do desmatamento na Amazônia, pediu um boicote ao jornal Folha de S.Paulo e às empresas anunciantes, sugeriu que o jornalista norte-americano Glenn Greenwald possa ser preso no Brasil por revelações jornalísticas, em um discurso no Chile elogiou Pinochet e no Paraguai, Stroessner. A lista continua e é longa.
O diretor do V-dem afirma que “Bolsonaro é o presidente com menos restrições (das instituições democráticas) desde o final do regime militar” porque quando assumiu a Presidência as instituições — do Congresso à Promotoria Geral da União — já sofriam um enfraquecimento. De fato, desde 2017 o instituto de análise não considera o Brasil uma democracia liberal, e sim uma democracia eleitoral.
A visão da advogada constitucionalista Vera Chemim é menos sombria. Afirma que o presidente “não significa uma ameaça real à democracia ainda que continue atirando no próprio pé” com polêmicas desnecessárias que podem se tornar contraproducentes para seus interesses porque reforçam a esquerda e ofuscam a ação de seu Governo.
Chemim afirma que “o Estado de direito democrático é suficientemente sólido e relativamente maduro para sobreviver a qualquer tentativa de intervenção político-ideológica que possa desconstruir o regime democrático conquistado a duras penas em 1985” e consagrado na Constituição. Diz que o presidente “não afetou as instituições democráticas ainda que tenha de fato agitado a conjuntura política e jurídica quando se expressa e age de maneira impulsiva e explosiva, alimentando ainda mais a profunda polarização ideológica entre as supostas direita e esquerda”.
Bolsonaro faz referências constantes à necessidade de governar para a maioria e eliminar até o último vestígio de seus antecessores esquerdistas, como frisou dias atrás ao mencionar os livros de texto. Abordou o assunto sem ser perguntado por nenhum dos jornalistas que o esperavam diante de sua residência em Brasília, seu local favorito para se comunicar com a imprensa. “A partir de 2021, todos os livros serão nossos, feitos por nós. Os pais irão adorar. Terão a bandeira na capa. Terão o hino. Hoje, como regra, os livros são um monte de coisas escritas, é preciso suavizar (…) Não pode ser como esse lixo que hoje é a regra”.
O especialista sueco alerta sobre dois assuntos: uma vez calados os críticos e a imprensa, os Governos têm o domínio absoluto da informação. E “não são necessárias mudanças legais para que um país se transforme em uma autocracia eleitoral. Veja a Bielorrússia”.
Advogada que participou da entrega da denúncia contra Bolsonaro explica que decisão partiu da necessidade de proteger as populações indígena.
“O presidente Bolsonaro caminha a passos largos para ocupar seu lugar na história ao lado das figuras mais deletérias que já governaram países”. A afirmação é da advogada Juliana Vieira dos Santos ao explicar a petição que pede a investigação do presidente Jair Bolsonaro no Tribunal Penal Internacional (TPI) em Haia, na Holanda.
Santos é integrante do Coletivo de Advogados em Direitos Humanos (CADHu) que, junto com a Comissão Arns, conjunto de entidades que reúnem juristas e acadêmicos, protocolou nesta semana uma denúncia à instância internacional sobre violações contra os povos tradicionais por responsabilidade do presidente do Brasil. Os acusadores defendem que medidas propostas por Bolsonaro fortalecem e intensificam um processo de genocídio das etnias indígenas no país.
Em entrevista à Agência Pública, a advogada explica as razões que levaram os defensores de direitos humanos entrarem com o pedido. O TPI é uma corte permanente e independente que processa e julga indivíduos que cometem violações dos direitos humanos, como genocídios e crimes de guerra, ou apresentam ameaças contra a paz e a segurança internacionais.
De acordo com Santos, a corte também tem como papel coibir as violações de direitos humanos. “O Tribunal vem julgando, ao longo dos anos, muitos casos graves de situações de conflitos, como extermínio de etnias, países em guerra. O que a gente está pedindo nessa comunicação é que se comece a atuar nessa esfera preventiva”, diz a advogada.
O TPI foi planejado em 1998 na Conferência de Roma e atua desde 2002 em Haia, quando o Estatuto de Roma, que regula suas competências e diretrizes, foi ratificado. Atualmente, 122 estados são signatários do Estatuto, inclusive o Brasil — o país se incorporou por meio do Decreto nº 4.388, de 25 de setembro de 2002, dois meses depois do estatuto entrar em vigor internacional.
A corte já julgou casos como o do ex-ditador líbio, Muammar Kadafi, que chegou a ter prisão decretada pela repressão aos protestos contra o seu governo em 2011. Antes de Kadafi, a primeira ordem de prisão emitida pelo Tribunal contra um chefe de Estado foi contra o ex-presidente do Sudão, Omar al-Bashir, em 2008, acusado de genocídio pelos crimes cometidos na região de Darfur.
Na conversa por telefone, a advogada também defendeu o papel de instituições como o Ministério Público Federal e o próprio Congresso Nacional contra medidas que caracteriza como “processo de desdemocratização’”, como a expansão da Garantia da Lei e da Ordem (GLO) para se aplicar à reintegração de posse no campo.
Confira a íntegra da entrevista:
Do ponto de vista do conteúdo, o que sustenta essa petição contra o presidente Jair Bolsonaro no Tribunal Internacional Penal?
A gente apresenta uma série de ações, omissões e discursos do presidente que geram uma situação de incitação ao genocídio e crimes contra a humanidade por conta de violações de direitos dos povos indígenas e tradicionais no Brasil. A gente cita neste documento quais são as ações concretas, como o desmonte das políticas públicas de proteção de direitos socioambientais e das estruturas de fiscalização ambiental no Brasil.
Os exemplos são: as sucessivas tentativas de esvaziamento da Funai [Fundação Nacional do Índio]; a transferência do serviço florestal para o Ministério da Agricultura; a própria reestruturação do Conama [Conselho Nacional do Meio Ambiente], com a redução de 22 para 4 conselheiros que representam a sociedade civil; o contingenciamento de verbas do Ministério do Meio Ambiente para a Funai; a criação de núcleos do governo para rever multas ambientais já aplicadas; perseguição e exoneração de funcionários de públicos de órgãos socioambientais que contrariem essa política de desmontes; a medida provisória que prevê uma licença para desmatamento caso o órgão ambiental não responda em um prazo específico… Enfim, uma série de medidas. Isso tudo cria uma situação real de degradação ambiental.
E depois vem o discurso sistemático do governo de desautorização da aplicação das leis protetivas do meio ambiente e de completo desapreço, tanto em relação aos povos indígenas quanto à participação da sociedade civil. O nosso objetivo é demonstrar que o discurso do presidente e suas medidas concretas têm consequências.
Além disso, a degradação ambiental não caminha sozinha. Ela cria um ambiente de impunidade para permitir ataques de grupos armados, de mineração ilegal, de expansão de agronegócio sobre a floresta e terras demarcadas. Tudo isso são fatos que forçam as comunidades tradicionais a deixarem suas terras ou viverem em uma situação de completa precariedade, que é traduzida pela fome, por assassinatos, pelo aumento da violência, pelo confinamento nas reservas. Isso tudo vem crescendo.
A gente traz ao Tribunal a questão ambiental como pano de fundo para mostrar que, se essa situação continuar nessa escala e com essa gravidade, a gente vai chegar sim aos crimes de genocídio.
E quais são os trâmites de uma denúncia no Tribunal Penal Internacional?
A petição foi apresentada em inglês na quarta-feira à noite para a procuradora-chefe do Tribunal Penal Internacional. Nosso documento é um pedido de abertura de investigação do presidente Jair Bolsonaro. Ele não é propriamente a denúncia, mas um pedido de abertura de inquérito. A procuradora vai analisar esse documento, entender se existem elementos suficientes para a abertura desse inquérito e daí ela pode ouvir o governo brasileiro, testemunhas, contratar peritos e fazer todo o processo investigativo para depois pode apresentar a denúncia.
É como se fosse um inquérito que estamos pedindo que ela instaure. Depois, ela oferece a denúncia para o Tribunal e se inicia, então, um processo [que é] como um julgamento, com direito de defesa e todas as prerrogativas de um processo criminal. No Tribunal Penal, a procuradora pode levar essa denúncia. Funciona como se fosse nosso Ministério Público: entendendo que há elementos suficientes de cometimento de crimes da competência do Tribunal, ela pode oferecer a denúncia. Não existe a necessidade de um Estado, como funciona nos casos da ONU [Organizações das Nações Unidas] ou do sistema interamericano. No Tribunal Penal é diferente porque não são os estados que são julgados, mas o indivíduo.
A petição é justificada dizendo que aqui, no Brasil, a gente não teria um caminho eficiente para fazer esse tipo de denúncia, para apurar essas questões. Então, qual o objetivo de se levar essas denúncias a uma instância internacional?
Eu acho que essa questão é importante porque o presidente Bolsonaro tem demonstrado pouco ou nenhum apreço à independência das instituições. Isso fica comprovado pelas sucessivas interferências na Polícia Federal; com mudança de liderança na investigação de seu próprio filho [o senador Flávio Bolsonaro]; ou mesmo na nomeação de um procurador-geral da República [Augusto Aras] completamente alinhado a suas ideias, em total desrespeito à lista tríplice que a instituição providencia. Então, é por conta dessas questões que a gente entende que seria importante uma investigação independente e imparcial, feita pela comunidade internacional.
E o que, de fato, o Tribunal Penal Internacional pode fazer? Quais são as sanções e punições possíveis?
Instaurado o inquérito e com o entendimento de que existem elementos para a denúncia, o processo criminal no Tribunal Penal termina, se houver condenação, com uma sanção de prisão, que pode ser até 30 anos ou mesmo prisão perpétua, dependendo da gravidade do caso; mas também existe previsão de advertência ou perda de bens. O artigo 77 do Estatuto de Roma que define essas penas, sendo essas as mais graves: prisão e prisão perpétua.
O que é o Estatuto de Roma?
O Estatuto de Roma é o documento internacional ao qual o Brasil é signatário, ou seja, o Brasil participa deste tribunal com a promulgação interna desse documento. Então, é lei aqui no Brasil a gente participar internacionalmente dessa instância.
E é também um documento assinado por todos os países em que se entendeu que existia uma preocupação internacional em relação aos direitos humanos. É um sistema internacional de proteção aos direitos humanos que quase todos os países aceitaram e assinaram para que se evite o cometimento de atrocidades, como aconteceu na Segunda Guerra, por exemplo, de crimes de genocídio e contra a humanidade. Então, o tribunal tem essa competência para olhar para todos os países e entender se, em cada país signatário, está acontecendo algum crime que justifique alguma atuação internacional.
É interessante visualizar que o Tribunal vem julgando, ao longo dos anos, muitos casos graves de situações de conflitos, como extermínio de etnias, países em guerra. O que a gente está pedindo nessa comunicação é que o Tribunal comece a atuar nessa esfera preventiva, que também está previsto no Estatuto de Roma. E é um desafio para esse sistema de proteção aos direitos humanos lidar com um país que tenha algum grau de democracia.
No nosso caso, um país em ‘desdemocratização’. Toda jurisprudência que a gente estudou dos casos de genocídio, o Tribunal se preocupa em entender a questão histórica: como se chegou àquela situação de genocídio. E quando a gente olha para o nosso caso no Brasil, a gente verifica que um dos elementos fundamentais desses casos é o momento da incitação, da desumanização de uma determinada população. E é isso que a gente está vendo acontecer com as etnias indígenas no Brasil. E por isso a nossa preocupação em levar isso, nesse momento, enquanto a gente entende que ainda tem alguma chance de evitar o genocídio.
Ainda que um inquérito não tenha sido instalado, qual a simbologia de levar o caso a essa instância internacional?
Para nós, é muito triste levar um brasileiro para o Tribunal Penal Internacional. É com pesar que a gente faz isso. Mas o presidente Bolsonaro decidiu destruir a Amazônia e, com ela, os hábitos, os modos de vida dessa população indígena. Esse discurso de desautorização da aplicação das leis ambientais é uma preocupação muito grande para nós. A simbologia maior dessa nossa investida é compreender que o presidente Bolsonaro caminha a passos largos para ocupar seu lugar na história ao lado das figuras mais deletérias que já governaram países. Eu acho que é essa a simbologia.
Você faz parte do Coletivo de Advogados em Direitos Humanos (CADHu), que subscreve a petição. Qual tem sido a atuação do grupo, nesse contexto de ameaça aos direitos humanos?
O grupo é autor, por exemplo, do habeas corpus coletivo [para beneficiar gestantes e mães de filhos com até 12 anos que estejam presas preventivamente] no STF [Supremo Tribunal Federal]. Esse foi um caso bem emblemático que inclusive a Eloísa [Machado, professora da Fundação Getúlio Vargas], que redigiu a ação, ganhou um prêmio internacional por conta dessa atuação. O CADHu é uma organização informal, um grupo de advogados que atuam pro bono. Cada um de nós tem sua militância profissional e sua atuação. Nós nos juntamos sempre que entendemos que há necessidade de uma atuação jurídica que nenhuma organização esteja levando adiante. Ou também atuamos a pedido de alguma organização que entenda que exista alguma violação forte de direitos humanos.
E neste contexto de violações….
Estamos com bastante trabalho. [risos]
Nesta semana, por exemplo, tivemos prisões de brigadistas em Alter do Chão, Pará. É um contexto de ofensiva contra os ativistas em direitos humanos e socioambientais. O que pode ser feito para evitar esse tipo de ameaça aos defensores e ativistas?
Eu participo também de outro projeto que se chama Projeto Aliança que é exatamente uma rede de advogados para atuar na defesa de direitos e liberdades individuais, que é um pouco mais estruturado. A gente contribuiu um pouco na articulação dessa questão dos brigadistas. Então, o que a gente tem feito é isso: formado redes, conectado quem tem a expertise com quem precisa naquele momento. É um trabalho de criar trincheiras para resistir a esses avanços de ‘desdemocratização’.
E como vocês enxergam essas medidas como a expansão da GLO para reintegração de posse no campo, integrantes do próprio governo mencionando uma ideia de AI-5 no debate público. O que significam essas medidas e discursos?
Todas essas medidas de ‘desdemocratização’ têm que ser combatidas imediatamente. Não vai haver AI-5 porque o Brasil tem instituições sólidas. O Congresso, por exemplo, tem se mostrado uma instituição sólida para impedir muitas dessas medidas; o Supremo também, com seus problemas, tem se mostrado uma instituição sólida. O Ministério Público Federal também, com suas questões… O Brasil não é o quintal do presidente e, para isso, essas instituições têm se mostrado importantes e atuantes nessas questões. Então, o presidente está tentando, mas a sociedade civil e as instituições estão segurando e se movimentando para impedir esses arroubos autocratas de Bolsonaro.
Aumentam as denúncias de violência contra mulheres, LGBTs e manifestantes por parte das forças de segurança de Sebastian Piñera nos protestos contra as políticas neoliberais no Chile. Entretanto, ontem (25), o senador aliado do presidente e ex-ministro de Defesa Andrés Allamand afirmou que os casos são justificáveis para “restabelecer a ordem”. “Sem violações dos direitos humanos, é impossível normalizar o país”, disse em entrevista a um canal mexicano.
Nesta terça-feira (26), a Human Rights Watch se reuniu com o presidente chileno para apresentar um relatório sobre os caso protagonizados por carabineros (a polícia chilena) e pelas Forças Armadas. Segundo a organização, foram cometidas graves violações dos direitos humanos, que incluem uso excessivo de força nas ruas e abusos na detenção.
O relatório aponta que os policiais forçam mais mulheres e meninas a se despir do que homens. Uma advogada chilena de direitos humanos contou à entidade um caso em que, apesar de homens e mulheres terem sido presos nas mesmas circunstâncias, policiais forçaram apenas as mulheres a se despir. Também mencionou outros casos em que policiais tocaram os órgãos genitais femininos depois de forçá-las a tirar a roupa.
As manifestações, que ocorrem há mais de um mês, são pacíficas, mas a resposta das autoridades chilenas é desproporcional, o que já foi reconhecido por Piñera ao afirmar que os militares usam força excessiva para conter os protestos. O presidente chileno também já anunciou a intenção de aumentar o número de agentes da polícia nas ruas e de dar novos poderes às Forças Armadas. Ao todo, já foram registrado 26 mortos e mais de 2.300 feridos, segundo o Instituto Nacional de Direitos Humanos (INDH).
O Movimento de Integração e Libertação Homossexual (Movilh), do Chile, já denunciou 16 casos de supostos abusos cometidos por agentes do Estado. De acordo com o INDH, de 17 de outubro até ontem já foram registradas 396 queixas de tortura e maus-tratos pela polícia de Piñera, além de 79 denúncias de violência sexual, incluindo estupro.
Em nota, a Anistia Internacional afirma que a intenção da repressão promovida pelo governo é ferir manifestantes para desencorajar protestos. “A intenção das forças de segurança chilenas é clara: ferir aqueles que demonstram desencorajar o protesto, chegando ao extremo de usar tortura e violência sexual contra manifestantes. Em vez de tomar medidas para conter a grave crise de direitos humanos, as autoridades sob o comando do presidente Sebastián Piñera mantêm sua política de punições por mais de um mês, fazendo com que mais pessoas se juntem ao grande número de vítimas que continua a aumentar até hoje ”, disse Erika Guevara Rosas, diretora das Américas da Anistia Internacional.
O Brasil amanheceu com uma ressaca do bem. O STF, nesta quinta-feira (7), por 6 a 5, voltou a barrar o cumprimento da pena antes de esgotados todos os recursos, revertendo o entendimento estabelecido pela corte em 2016. O veto à execução da pena após condenação em segunda instância (Tribunais de Justiça ou Tribunais Regionais Federais) pode beneficiar até 5 mil condenados no Brasil — como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O professor da Universidade de São Paulo (USP) Rafael Mafei, em entrevista ao Globo, explica que o núcleo do direito ao contraditório, ampla defesa e direito ao recurso é bem atendido por um sistema que preveja duas instâncias, a segunda com ampla possibilidade de revisão da primeira decisão.
“O dispositivo legislativo que mais explicitamente prevê o direito fundamental ao recurso é a Convenção Americana de Direitos Humanos, que fala do “direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente”, e que “tal recurso não pode ser restringido nem abolido””, explica Mafei.
O jurista ressalta a necessidade de se reconhecer que tribunais estaduais e regionais muitas vezes desobedecem orientações de tribunais superiores, principalmente para prejudicar os réus. “(Os tribunais) Contam com as limitações das defesas, especialmente dos réus presos, e deixam de atender a jurisprudência. Sem prejuízo do trânsito em julgado, é importante que os tribunais superiores sejam sensíveis e consigam corrigir injustiças dessa natureza”.
Isso dito, as reações Brasil afora, não poderiam ser diferentes.
O presidente Jair Bolsonaro vetou integralmente uma proposta que obrigava os profissionais de saúde a registrar no prontuário médico da paciente e comunicar à polícia indícios de violência contra a mulher. O Projeto de Lei da Câmara (PLC) 61/2017 foi aprovado em setembro pelos deputados, na forma do PL 2538/2019.
De acordo com a mensagem presidencial, os ministérios da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e da Saúde manifestaram-se pelo veto ao projeto alegando contrariedade ao interesse público.
“A propositura legislativa altera a vigente notificação compulsória de violência contra a mulher atendida em serviço de saúde público ou privado, que atualmente tem por objetivo fornecer dados epidemiológicos, somente efetivando-se a identificação da vítima fora do âmbito da saúde em caráter excepcional, em caso de risco à comunidade ou à vítima, sempre com o seu consentimento.
Assim, a proposta contraria o interesse público ao determinar a identificação da vítima, mesmo sem o seu consentimento e ainda que não haja risco de morte, mediante notificação compulsória para fora do sistema de saúde, o que vulnerabiliza ainda mais a mulher, tendo em vista que, nesses casos, o sigilo é fundamental para garantir o atendimento à sua saúde sem preocupações com futuras retaliações do agressor, especialmente quando ambos ainda habitam o mesmo lar ou ainda não romperam a relação de afeto ou dependência”, diz a justificativa do veto.
A proposição, de iniciativa da deputada Federal Renata Abreu (Podemos-SP), alterava a Lei Maria da Penha (Lei 11.340, de 2006) com o objetivo de constituir objeto de notificação compulsória, em todo o território nacional, os casos em que houvesse indícios ou confirmação de violência contra a mulher atendida em serviços de saúde públicos e privados.
Os casos também deveriam ser obrigatoriamente comunicados à autoridade policial no prazo de 24 horas, para as providências cabíveis e para fins estatísticos. O veto segue para análise de senadores e deputados em sessão no Congresso. Ainda não há data para inclusão desse veto na pauta.
Em tom agressivo, presidente brasileiro mandou duros recados à ONU, a governos, a ONGs e à imprensa, surpreendendo atores internacionais e levando muitos a lamentar.
Jair Bolsonaro não tinha chegado nem sequer à metade de seu discurso e meu WhatAapp, Signal e email já estavam sendo bombardeados por mensagens de diplomatas e representantes de entidades internacionais. Todos chocados com o que estavam ouvindo.
Mas uma das mensagens, particularmente dura, veio de um representante que faz parte da cúpula das Nações Unidas: “Ele (Bolsonaro) acabou de perder a última chance de ser respeitado”. Em outra mensagem, um mediador perguntava: “Há algo mais extremo que essa visão de mundo?”.
Enquanto ele discursava, a câmera oficial da ONU percorria o salão, apenas para registrar rostos fechados, inclusive o da chanceler Angela Merkel.
Depois do vexame do discurso de seis minutos em Davos, em janeiro, de uma participação apagada no G-20 e de ofensas a líderes internacionais, Bolsonaro tinha mais uma chance de mostrar ao mundo que poderia ser moderado e, assim, começar a recuperar seu respeito internacional. Fracassou rotundamente.
Dentro da ONU, não foram poucos os comentários diante de seu discurso. Era esperado do Brasil um sinal de que o país estava pronto a fazer parte do esforço internacional para lidar com desafios globais. Mas Bolsonaro chamou a atenção ao repetir em várias ocasiões as palavras soberania e pátria.
O presidente, sem dúvida, fez questão de reposicionar o Brasil no mundo e na ONU. Mas não da forma que muitos na entidade esperavam.
A ONU, segundo ele, não representa interesses globais. Mas é, sim, um espaço de nações soberanas. “Não estamos aqui para apagar nacionalidades em nome de interesses globais”, disse. E emendou um alerta de que o Brasil não aceitará que haja uma mudança na ONU.
Uma forma de dizer: não mexam comigo. No fundo, o que se viu no palco foi um presidente com um discurso ainda mais radicalizado, intolerante e nacionalista que nas demais reuniões internacionais.
Militarismo, Deus, elogios à polícia e ameaças substituíram palavras como sociedade civil, espaço democrático, diversidade, multilateralismo e o sistema internacional. “Acho que nunca começamos nosso trabalho nesse tom”, lamentou uma fonte.
No lugar de se comprometer com metas ambientais, Bolsonaro preferiu partir para o ataque e rejeitou a tese de que a Amazônia seja um patrimônio da humanidade. Sem citar nomes, fez alusão ao “espírito colonialista” da França e preferiu garantir que a Amazônia está “praticamente intocada”, gerando inúmeros comentários.
Fustigou Raoni, acusado de ser usado como “peça de manobra” em uma guerra pela floresta, e manobrou a própria Constituição. “Bolsonaro distorce argumentos sobre autonomia dos povos originários para negar direitos que a própria Constituição garante”, disse Camila Asano, coordenadora de programas da Conectas Direitos Humanos.
“Categoricamente, anuncia que não promoverá novas demarcações de terras indígenas. É extremamente grave que o presidente tenha usado a Assembleia Geral da ONU como palanque para atacar uma liderança indígena e ameaçar a segurança jurídica das terras ianomâmis e Raposa Serra do Sol, que já estão demarcadas”, afirmou.
Bolsonaro atacou ONGs e a imprensa internacional, proliferou teorias da conspiração e fez um discurso com a forte marca da demagogia de um populista que duvida do poder da democracia.
Ditaduras Bolsonaro também surpreendeu com sua nova apologia às ditaduras do Cone Sul, desta vez feita sem citar nomes. Experientes embaixadores brasileiros admitiram que o que ele fez no palco da ONU não tem precedentes na era democrática do país e poderia se igualar à apologia a um torturados que ele fez em pleno Congresso Nacional, ainda quando era deputado.
Ele justificou o Golpe de Estado de 1964 e as demais ditaduras na região, num tom radicalmente oposto ao que disse José Sarney quando falou no mesmo palco, nos anos 80. Naquele momento, ele lembrou que o Brasil “saiu de uma longa noite autoritária” e se apresentava ao mundo como uma democracia.
Ao citar socialistas cubanos, ele indicou que teriam “tentaram mudar o regime brasileiro” e de outros países. “Civis e militares foram mortos e outros tantos tiveram reputação destruídas. Mas vencemos aquela guerra e resguardamos nossa liberdade”, declarou.
Ao dizer essa frase, ele simplesmente cuspiu sobre a entidade, que o havia criticado por sua apologia às ditaduras. Um dos representantes da ONU exclamou: “não posso acreditar no que estou ouvindo”.
Bolsonaro fez um discurso de guerra, repleto de termos e inimigos dos anos 60 e 70: a ameaça socialista e a necessidade de impedir que nossa soberania seja questionada.
Mas, acima de tudo, ofendeu a muitos naquela sala. Num trecho comentado por vários diplomatas, ele alfinetou os demais governos e entidades, alertando que eles tinham aplaudido os presidentes brasileiros que, por ali, tinham passado.
Sua insistência em citar a Bíblia, os cristãos e Deus foram vistas com cautela, num sinal de que tentará redirecionar a agenda internacional com base nesses valores. “Ele esqueceu que preside sobre um país diverso”, disse um diplomatas.
Ele ainda chocou ao falar das vítimas entre os policiais e não citar os números de mortos pela polícia no Brasil.
Elogios? Apenas para seu mentor, Donald Trump.
Nos minutos que esteve no palco do mundo, não deu garantias, não construiu pontes, não reconheceu os problemas do país.
Usando um tom de voz desafiador, como se o Brasil estivesse em guerra e como se o microfone não estivesse funcionando, Bolsonaro escolheu apenas os inimigos imaginários, enquanto os reais problemas foram ignorados.
Em Nova York, ele apenas confirmou a visão ideológica da política externa e do que será seu governo. E agora o mundo inteiro ouviu, em todas as línguas oficiais da ONU.
“Quando será a próxima eleição?”, me escreveu um experiente embaixador asiático.
Ação de ongs obrigou o governo brasileiro a pedir a palavra em reunião da ONU para responder às críticas e defender portaria.
Foi transferido para a ONU o debate sobre a portaria 666 do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro. A medida permite a deportação sumária de estrangeiros e impede que entrem no país suspeitos de envolvimento em crimes como terrorismo e exploração sexual infantil.
Nesta quarta-feira, coube à entidade Conectas Direitos Humanos, em parceria com a Missão Paz, fazer a denúncia diante do Conselho de Direitos Humanos da ONU. As organizações apelaram para que o governo abandone a proposta e pediu que as entidades internacionais pressionem o Brasil.
Num discurso diante dos governos estrangeiros, as ongs classificaram a portaria como “um ataque pelo governo Bolsonaro à nova lei de imigração do Brasil”, aprovada em 2017.
“Recentemente, o Ministro da Justiça, Sérgio Moro, emitiu o Decreto 666, que prevê que as pessoas suspeitas de serem perigosas ou suspeitas de um crime podem ser arbitrariamente impedidas de entrar no país e ser sujeitas a deportação sumária”, declarou a Conectas.
“O decreto em questão viola a Nova Lei de Migração, o direito internacional e muitos princípios constitucionais, incluindo o princípio da dignidade humana, a presunção de inocência e o devido processo legal”, denunciou.
A entidade lembrou que o decreto “tem sido criticado por diversas organizações, incluindo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados no Brasil”.
O pedido das ongs é de que o Conselho de Direitos Humanos da ONU “acompanhe os retrocessos relativos à proteção dos direitos humanos de migrantes, refugiados e requerentes de asilo no Brasil”.
“Instamos também o Governo Federal e o ministro Moro a revogarem o Decreto 666, a respeitarem as disposições da Constituição Brasileira, bem como a salvaguardarem e respeitarem a Nova Lei de Migração”, declarou.
A intervenção obrigou o Itamaraty a ter de pedir a palavra durante a reunião do Conselho para dar uma resposta às críticas.
De acordo com a delegação brasileira, a portaria é dirigida especificamente a pessoas envolvidas em terrorismo, crime organizado, tráfico de drogas ou armas. O governo lembrou que, em tais circunstâncias, essas pessoas “não seriam bem-vindas em grande maioria dos estados-membros da ONU”.
O governo, apontando para o fato de que o caso será avaliado pelo Judiciário, insistiu que ninguém é impedido de entrar no Brasil ou deportado por conta de raça, nacionalidade, opinião política ou religião.
A delegação ainda insistiu que o Brasil tem recebido milhares de venezuelanos e que, no passado recente, também recebeu haitianos e sírios.
Na semana passada, na ONU, a embaixadora do Brasil, Maria Nazareth Farani Azevedo, declarou que o país tinha “a melhor” lei de imigração, evitando falar das críticas das agências das Nações Unidas.
Na última sexta-feira, a Procuradoria-Geral da República, Raquel Dodge, entrou com uma ação judicial no Supremo Tribunal Federal, solicitando uma liminar para a revogação imediata do Decreto.
Nesta semana, ela criticou a portaria, indicando que ela fere a “dignidade humana”. Ao escrever ao Supremo Tribunal Federal, ela considerou que”ao criar as anômalas figuras da ‘deportação sumária’ e do ‘repatriamento’ ‘por suspeita’, não condizentes com a abrangência delimitada pela normativa legal e constitucional”. “Em suma, a portaria exorbita o espaço normativo reservado pela Constituição à regulamentação”.
Sua avaliação é de que ela ainda “viola os direitos à ampla defesa, contraditório, devido processo legal e presunção de inocência de estrangeiros; fragiliza o direito ao acolhimento; e ofende os princípios da publicidade, da liberdade de informação e do acesso à justiça”.
O eurodeputado francês está a recolher assinaturas para candidatar Luiz Inácio Lula da Silva ao mais importante prémio europeu de direitos humanos. Se for bem-sucedido, o ex-presidente brasileiro ficará acompanhado de Nelson Mandela, Xanana Gusmão, Guillermo Fariñas ou, mais recentemente, Malala.
Emmanuel Maurel quer ver Lula da Silva receber o Prémio Sakharov. O eurodeputado francês chegou a candidatar-se à liderança do Partido Socialista francês, mas a derrota no congresso de abril de 2018 seria determinante para a decisão de se desvincular do partido, meses mais tarde. É membro fundador do partido Esquerda Republicana Socialista, no qual milita desde o ano passado.
Entrevistado em Bruxelas pelo DN, o político francês considera que Lula da Silva foi alvo de um julgamento “forjado” à medida dos interesses dos seus opositores. Além do mais, entende que por ser o “modelo de uma geração”, o antigo presidente brasileiro já deveria receber uma distinção, que deixaria “a Europa honrada”.
Nesta entrevista, Emmanuel Maurel deixa ainda críticas à atuação do atual presidente brasileiro Jair Bolsonaro, tanto do ponto de vista interno, em relação à Amazónia, como a nível internacional, tendo em conta a forma “mal-educada” como se referiu à primeira-dama francesa.
Quais são as razões que o levam a propor o nome de Lula da Silva para o mais importante prémio de Direitos Humanos a nível europeu? Primeiro, Lula, para mim e para muitas pessoas da minha geração, sempre foi um modelo. É alguém que conseguiu, com a força do seu trabalho e com determinação, juntar pessoas muito diferentes, para implementarem uma política de redução das desigualdades no Brasil que era muito importante na época. Lembro-me também da sua luta pela educação. Portanto, Lula era, só por si, um presidente exemplar. Seguidamente, considero que o julgamento com o qual foi confrontado é, pelo menos, controverso ou até escandaloso. Porque hoje temos muitas evidências para provar que estávamos perante algo falsificado por opositores políticos, que queriam eliminá-lo completamente. Além disso, observo que o novo ministro da Justiça – nada mais do que o juiz Sergio Moro – condenou Lula e foi promovido por Bolsonaro. Acima de tudo, há uma situação de emergência. Hoje Lula está preso em condições difíceis. Falamos de uma mudança de prisão, para uma prisão de direito comum, onde a sua segurança não está absolutamente garantida.
E, por isso, acha que ele deve receber o Prémio Sakharov? Penso que a Europa ficaria honrada em defender esse ex-presidente, mesmo que tenha discordâncias com ele. O problema não é esse. A questão é que não pode usar-se a justiça para fins políticos e eliminar completamente os opositores. Então, acho que ele tem todas as qualidades necessárias na situação atual para receber esse prémio.
Para si, a ausência de justiça na prisão de Lula é uma evidência? Se quiser, hoje, todos concordam em dizer – ou pelo menos, a maioria dos observadores – que o julgamento foi uma fraude. Foi “cozinhado” [bidonné], como dizemos em francês.
Parece pôr em causa o princípio da separação de poderes, no Brasil. Não. Eu não digo isso. Não conheço o Brasil o suficiente para dizer que não acredito na separação de poderes. Mas sabe que em muitos países no mundo, inclusive na Europa, há a tentação de alguns líderes para instrumentalizar a justiça. Não é apenas no Brasil. Dá-se o caso de no Brasil ser espetacular, porque temos um presidente Bolsonaro, que tem um superego e diz tudo o que lhe passa pela cabeça. E, nesse caso, deixa entender claramente que também é para se livrar de um opositor político. Estamos numa fase muito preocupante, em que o presidente do Brasil multiplica as provocações e nomeadamente contra minorias sexuais ou contra os povos indígenas. Ele comporta-se de forma grosseira enquanto chefe de Estado. Viu recentemente o que sucedeu em Biarritz. De qualquer forma, em relação a Biarritz, presumo que ainda há uma mensagem política para ser enviada da Europa. Porque o Brasil é um país grande, um país amigo, e estamos inconsolavelmente tristes por ver que atualmente é liderado por alguém tão próximo das teses da extrema-direita.
Como avalia a vontade do povo brasileiro para mudar tão radicalmente, depois dos mandatos de Lula da Silva e de Dilma Rousseff? Não acho que isso seja algo específico do Brasil. De certa forma, há a mesma coisa nos Estados Unidos, a eleição de Trump. Com o nosso ponto de vista europeu, pode ser difícil de compreender, mas se mergulharmos um pouco na realidade americana, entenderemos que existe uma espécie de forma de ressentimento por parte das classes populares, que se consideravam esquecidas. No Brasil é um pouco diferente, é entre a classe média. Houve um debate sobre o descontentamento. E não estou a dizer que o povo brasileiro não deva eleger quem quiser. Não é essa a questão. O problema é que na maneira de agir do senhor Bolsonaro prevalecem as provocações sucessivas. E este é um risco que existe para a democracia em geral. Também é nosso dever alertar as pessoas.
O senhor faz parte de um grupo político, aqui no Parlamento Europeu, em que está incluída a Esquerda Nórdica Verde – portanto, com um objetivo ambientalista, de proteção do clima. Como é que avalia o que está a acontecer do outro lado do Atlântico, com importantes áreas da Amazónia a arder? Sinto que, quer seja do lado dos Estados Unidos ou do Brasil, há uma tal perceção em relação ao meio ambiente, que eles dizem, “bem, se a catástrofe foi acontecer, então aproveitemos enquanto é tempo”. É uma atitude profundamente irresponsável. A desflorestação no Brasil tem consequências dramáticas não apenas para os brasileiros, mas para o planeta. E, certamente, para os sul-americanos. Em seguida, baseia-se num modelo económico agrícola amplamente obsoleto. Enormes fazendas, a produzir carne e mais carne, apesar de os especialistas do GIEC [Grupo Intergovernamental sobre a Evolução do Clima, na ONU] explicarem que a produção de carne cria muitos gases de efeito estufa. No Acordo de Paris, todos tentaram fazer uma série de compromissos. Seria bom que os cumprissem. Portanto, desse ponto de vista, Bolsonaro não faz o que tinha de fazer.
Vê o que está a acontecer na Amazónia como um problema técnico ou também como uma questão política, face à incapacidade de lidar com os incêndios? Não é apenas técnico. Poucos dias antes dos primeiros incêndios, tínhamos grandes proprietários de terras a dizerem que, fosse como fosse, fariam muito trabalho de desflorestação. Eu creio que as autoridades não fizeram nada para o impedir, até o encorajaram. Hoje, porém, a situação é tão dramática que, pelo que entendi, o governo brasileiro começa a dar-se conta de que algo precisa ser feito. Então, não é um problema técnico, é amplamente um problema político. E, quando há um problema político, deve responder-se politicamente.
Jair Bolsonaro recusou a ajuda internacional para a Amazónia, anunciada na cimeira do G7. Na mesma altura, à distância, envolveu-se numa troca de palavras com Emmanuel Macron, num tom pouco usual na diplomacia entre países. Sendo um cidadão e político francês, considera que Macron soube gerir as provocações de Bolsonaro? Se se está a referir às observações sobre a senhora Macron, não é uma coisa digna de um chefe do Estado. Um chefe do Estado deve ser um diplomata, deve ser racional, deve ser respeitador. Isso é verdade para todos os chefes do Estado do planeta, portanto, o senhor Bolsonaro comportou-se como uma pessoa muito mal-educada. Obviamente, presta um mau serviço até mesmo ao Brasil, que é um país muito grande e, além disso, um país amigo muito grande. Aquilo não se faz.
Bolsonaro sugere à Europa para usar o dinheiro oferecido ao Brasil para se reflorestar a si própria. Vê alguma razão nestas palavras? Ele está muito mal informado, porque a Europa refloresta consideravelmente. Em França, por exemplo, há ainda mais florestas hoje do que no passado. Por isso, seria bom que ele pusesse os dossiês em dia, e procurar consultores que sejam sérios, já que a verdade é que hoje a Europa refloresta massivamente.
Voltando ao Prémio Sakharov, já tem o número de membros do Parlamento Europeu necessário para a candidatura? São necessários 40 deputados ou um grupo político… Não, porque estamos no início do processo. Comecei isso há alguns dias, mas acho que há uma boa hipótese de conseguirmos. Porque as pessoas ainda se preocupam com o destino do presidente Lula.
Acredita numa oportunidade de tornar Lula da Silva um vencedor do prémio, aqui no Parlamento Europeu, com todas as divisões que há hoje nesta câmara? Eu luto por isso. Vamos ver.
Nesta terça-feira, eventona ONU vai denunciar apologia de Bolsonaro à ditadura e sua política de desmonte de mecanismos de Justiça e Verdade no País.
GENEBRA – O governo de Jair Bolsonaro está ignorando o pedido do relator especial da ONU para a Promoção da Verdade, Justiça e Reparação, Fabián Salvioli, para realizar uma missão ao Brasil. Seu objetivo era o de avaliar como o governo está lidando com as vítimas da Ditadura (1964-1985), se a estruturas de reparação estão funcionando e se Justiça está sendo feita.
A informação de que o pedido de visita foi realizado faz parte de um relatório publicado pela ONU e que será alvo de um debate nesta quarta-feira, em Genebra.
O Brasil afirma que todos os relatores da ONU podem visitar o País. Mas condiciona a visita a um acordo sobre datas. Por enquanto, não existe qualquer sinal de que uma data será oferecida pelo Planalto para que Salvioli faça uma visita ao Brasil.
Uma primeira solicitação ocorreu no governo de Dilma Rouseff, em 2014, por um antecessor a Salvioli. Mas a turbulência política no Brasil a partir de 2015 impediu que a visita fosse realizada. Sob a gestão de Michel Temer, o governo justificou que não tinha condições de receber os relatores da ONU e, em 2018, nenhuma visita ocorreu. O Itamaraty indicava que, ao assumir um novo governo em 2019, as visitas seriam retomadas.
O UOL apurou que, entre os diferentes relatores que solicitaram visita ao Brasil, o governo autorizou a viagem de missões sobre a situação do combate à hanseníase, albinismo e resíduos tóxicos. Mas ignorou, entre outros, o pedido de Salvioli.
O relator foi quem, em final de março, enviou uma carta ao governo brasileiro protestando contra a decisão de Bolsonaro de ordenar a comemoração do Golpe de 1964. Para ele, o ato era “um retrocesso inaceitável”. O relator chegou a qualificar a iniciativa do presidente de “imoral”. “O Brasil deve reconsiderar planos para comemorar o aniversário de um golpe militar que resultou em graves violações de direitos humanos por duas décadas”, disse o comunicado da relatoria da ONU.
Como resposta, o governo brasileiro enviou uma dura carta ao relator. Nela, Brasília se nega a reconsiderar sua atitude e ainda alerta que 1964 foi um ato “legítimo”.
Relatório
Enquanto o governo de Jair Bolsonaro implementa um desmonte das estruturas de Memória, Justiça e Verdade no Brasil e faz apologia ao regime de Augusto Pinochet, a relatoria da ONU alerta, de uma forma geral, que garantir a reparação às vítimas da ditadura não é uma opção política. Mas sim uma obrigação de estado.
As conclusões também estão no informe preparado por Salvioli. “Os estados atuam frequentemente como se a reparação fosse uma escolha política, em vez do cumprimento de uma obrigação devida às vítimas em resultado de uma violação ilegal do direito internacional e nacional”, disse.
Na avaliação do informe, tal medida também “permitirá que as vítimas ganhem confiança no Estado, sejam reconhecidas como titulares de direitos”. “Isto, por sua vez, trará benefícios à sociedade”, constata.
Mas a relatoria da ONU alerta: “para que o direito à reparação seja efetivo, é essencial que o estado e quaisquer outros atores envolvidos nas violações reconheçam sua responsabilidade”.
Nesta terça-feira, em Genebra, o relator da ONU, Fabian Salviolli, se juntará com representantes da OAB e do Instituto Herzog para denunciar o governo Bolsonaro, justamente por suas medidas para desmontar a estrutura criada no Brasil ao final do regime militar.
Uma das acusações será baseada em decisões tomadas pelo governo para minar o trabalho de entidades como a Comissão de Anistia, além do questionamento público da conveniência do pagamento de reparações.
A denúncia diante do Conselho será apresentada por Hélio Leitão, presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB. Seu discurso apontará para atos do presidente brasileiro na comemoração da ditadura, em elogios a torturadores e, principalmente, para o esvaziamento de comissões nacionais destinadas a examinar os casos da Ditadura e monitorar a tortura hoje.
Na avaliação da ONU, programas de reparação para as vítimas devem ser “sustentados por um quadro jurídico sólido que proporcione sustentabilidade e proteja as vítimas das convulsões políticas, bem como por um aporte adequado de recursos para garantir a sua implementação”.
O informe também defende que as vítimas participem do processo de concepção, execução e acompanhamento dos programas de reparação. “As organizações da sociedade civil desempenham um papel essencial para garantir que os programas nacionais de reparação sejam estabelecidos adequadamente e que as possíveis deficiências sejam abordadas”, disse.
“Elas também são cruciais para alcançar as vítimas, como demonstrado nos casos de vítimas de violência sexual, e para estabelecer processos de registro, documentar os danos causados às vítimas e fornecer, quando possível”, completa.