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Moro segurou inclusão de prova para que caso não fosse para o STF

Investigações enviadas para o ministro Teori Zavascki não incluíam informações sobre participação de políticos em esquema de propina.

Em conversa com procurador, a delegada da Polícia Federal Érika Marena disse que Sergio Moro, então juiz da Operação Lava-Jato no Paraná, pediu para que ela não tivesse pressa em anexar aos autos uma planilha apreendida com um suspeito.

O diálogo inédito faz parte do material analisado por VEJA em parceria com o site The Intercept Brasil. Clique para ler a reportagem na íntegra. Só uma pequena parte do material havia sido divulgada até agora — e ela foi suficiente para causar uma enorme polêmica. A reportagem realizou o mais completo mergulho já feito nesse conteúdo.

Foram analisadas pela 649.551 mensagens. Palavra por palavra, as comunicações examinadas pela equipe são verdadeiras e a apuração mostra que o caso é ainda mais grave. Moro cometeu, sim, irregularidades. Fora dos autos (e dentro do Telegram), o atual ministro pediu à acusação que incluísse provas nos processos que chegariam depois às suas mãos, mandou acelerar ou retardar operações e fez pressão para que determinadas delações não andassem.

Além disso, revelam os diálogos, comportou-se como chefe do Ministério Público Federal, posição incompatível com a neutralidade exigida de um magistrado. Na privacidade dos chats, Moro revisou peças dos procuradores e até dava broncas neles.

A intromissão de Moro foi ilegal, já que as peças devem ser incluídas no inquérito na medida em que são coletadas pelos investigadores. A planilha indicava que parlamentares eram suspeitos de participar de esquema de corrupção, o que retiraria a investigação de Curitiba e a levaria para o Supremo Tribunal Federal. No diálogo, a delegada afirma que, por conta da orientação de “russo” (como o então juiz era chamado em muitos chats), ela esquecera de “eprocar” o documento, ou seja, registrá-lo no sistema eletrônico da Justiça. “Vou fazer isso logo”, completa.

Nota da redação: procurados por VEJA, Deltan Dalla­gnol e Sergio Moro não quiseram receber a reportagem. Ambos gostariam que os arquivos fossem enviados a eles de forma virtual, mas, alegando compromissos de agenda, recusaram-se a recebê-­los pessoalmente, uma condição estabelecida por VEJA.

Mesmo sem saber o conteúdo das mensagens, a assessoria do Ministério da Justiça enviou a seguinte nota: “A revista Veja se recusou a enviar previamente as informações publicadas na reportagem, não sendo possível manifestação a respeito do assunto tratado.

Mesmo assim, cabe ressaltar que o ministro da Justiça e Segurança Pública não reconhece a autenticidade de supostas mensagens obtidas por meios criminosos, que podem ter sido adulteradas total ou parcialmente e que configuram violação da privacidade de agentes da lei com o objetivo de anular condenações criminais e impedir novas investigações. Reitera-­se que o ministro sempre pautou sua atuação pela legalidade”.

Colaboraram Leandro Demori, Victor Pougy, Nonato Viegas e Bruna de Lara

 

*Da Veja

 

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O Ministro da Justiça, Sergio Moro, continua sendo o juiz da Lava Jato

Moro abandonou a toga, mas a toga não o abandonou.

Na verdade, num ato contínuo, Moro, o juiz corrupto e ladrão, refugiou-se no Ministério da Justiça, ou seja, o objetivo utilitário da pasta para Moro é bem mais profundo. O Brasil nunca se viu diante de circunstâncias como essa, em que o juiz mantém plenamente o controle do judiciário em benefício próprio já não sendo mais juiz, mas Ministro da Justiça.

Isso é uma aberração!

A harmonia que Moro faz entre a força-tarefa da Lava Jato e o aparelho estatal que controla como Ministro, incluindo a Polícia Federal, é das coisas mais escandalosas da história do Brasil. Ou seja, Moro coloca do Estado de joelhos para salvar a sua própria cabeça, seja como juiz ou como Ministro.

Alguém duvida que, por trás do atual juiz Lava Jato, Luiz Antônio Bonat, não estão as mãos invisíveis de Moro?

Nem o mais idiota ou cretino de seus apoiadores acredita nisso.

Moro segue conduzindo a Lava Jato, utilizando os mesmos métodos de perseguição política, a mesma força-tarefa, tudo, com uma grande diferença, hoje ele tem nas mãos todo o aparato do Ministério da Justiça e da Segurança Pública. É praticamente o rei da justiça no Brasil, fazendo deste país terra sem lei, terra de ninguém.

 

*Por Carlos Henrique Machado Freitas

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Polícia Federal, a lei não é para todos

A Polícia Federal, que é subordinada ao Ministério de Moro, investiga o vazamento das mensagens trocadas entre Moro, Dallagnol e outros procuradores da Força-tarefa da Lava Jato, porém, não investiga o conteúdo das conversas, se há ou não crime no mesmo. Isso fere a lei, de acordo com o que dizem os juristas.

De acordo com o jurista Wálter Maierovitch, professor de direito da Unicamp (Universidade de Campinas), a PF deve investigar no mesmo inquérito todos os aspectos do caso.

“Se o negócio for sério, a PF tem que investigar nesse inquérito a suposta ação criminosa de roubo e vazamento destas mensagens particulares, como já foi anunciado, mas também a autenticidade do material, se não foi adulterado, e por fim o teor dele”, diz. “Não tem cabimento uma investigação para cada coisa, o caso é um só”, diz.

O presidente da Associação Brasileira de Advocacia Criminal (Anacrim), James Walker Júnior, mestre em direito penal, afirma que agentes policiais “não podem escolher o que investigar”, disse

“Todas as circunstâncias que eventualmente podem caracterizar um crime devem ser investigadas, o vazamento tanto quanto o conteúdo do que se está sendo dito. É evidente”, continua.

Segundo Frederico Horta, doutor em direito penal e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mesmo para se investigar apenas o vazamento, seria necessário analisar todos os telefones, começando pelo coordenador da Lava Jato, Deltan Dallagnol.

“Não adianta nada apurar os outros porque você não vai descobrir nada de relevante. Aparentemente, tudo foi captado de um celular dele ou de um computador dele”, conclui.

 

*Com informações do 247

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ESCÂNDALO! Moro coordenava Lava Jato; Deltan era o Robin; “Fachin é nosso”, por Reinaldo Azevedo

Vem a público a primeira reportagem da parceria Veja/The Intercept Brasil que traz diálogos inéditos da entre o então juiz Sérgio Moro e Deltan Dallagnol e entre os procuradores. Leiam. A íntegra está aqui. Não há mais dúvida: Moro é o real coordenador da Força Tarefa. Deltan Dallagnol, que deveria exercer tal função, é só a fachada da operação. Fala e se comporta como subordinado do juiz.

O que há de grave nisso? Ora, o juiz que instruía a acusação era também aquele que, depois, julgava. É impressionante! Na conversa com Dallagnol,

Moro: – pede que a acusação altere a denúncia para torná-la mais forte.

É ILEGAL!; – cobra Dallagnol sobre manifestação contra prisão preventiva e estabelece prazo.

É ILEGAL!; – instrui procurador a criar dificuldades para uma determinada delação.

É ILEGAL!; – orienta delegada da PF a não anexar um documento a processo.

É ILEGAL!; – cobra de Dallagnol parecer do MPF sobre pedido de habeas corpus da Odebrecht; o procurador diz que não está pronto, mas que pode enviar rascunho para o juiz redigir a sua decisão — contrária, é claro!

É ILEGAL!; – toma uma decisão, tudo indica, antes mesmo de o MPF deflagrar uma operação.

É ILEGAL!; – determina a data de operações do MPF. É ILEGAL!.

Notem que, na síntese que faço, elimino personagens. É importante que os leitores tomem ciência dos procedimentos como coisas em si, para evitar que amores e rancores acabem contaminando a avaliação sobre o comportamento do juiz.

Não deixem de ler a reportagem. Ali está o roteiro de tudo o que não deve fazer um magistrado.

Soa a cada dia mais ridícula a conversa esfarrapada de Moro e demais envolvidos de que não reconhecem a autenticidade dos diálogos.

A reportagem é devastadora para a reputação de Moro.

A reportagem é devastadora para a reputação de Dallagnol.

A reportagem é devastadora para a reputação da Lava Jato.

A reportagem é devastadora para a reputação do relator do caso no Supremo, que se tornou mero homologador de uma tramoia que se dava nas sombras.

A reportagem é devastadora para a reputação da Justiça brasileira.

E se está apenas no começo.

Quem quer ser julgado por um juiz com a isenção de Moro?

Quem quer sair às ruas para defender que todos os juízes se comportem à moda Moro?

Quantos outros juízes ainda estão dispostos a subscrever abaixo-assinados, confessando, então, que podem agir como Moro?

Não! Eu não estou surpreso com o que leio porque, a rigor, nem precisava desses vazamentos para apontar as ilegalidades da Lava Jato. Mas, claro, estou surpreso com a desfaçatez.

E, queridos, temos de pensar, claro!: grande parte da imprensa serviu de porta-voz e de inocente útil da agressão sistemática ao devido processo legal e ao estado de direito.

Em que outros abismos pretendemos entrar sob o pretexto de combater a corrupção?

Quantos outros crimes estamos dispostos a endossar em seu nome?

Reproduzo um trecho bastante saboroso da reportagem:

As conversas entre membros do Ministério Público Federal assumem várias vezes o tom de arquibancada, com os membros da força-tarefa vibrando e torcendo a cada lance da batalha contra os inimigos. Em 13 de julho de 2015, Dallagnol sai exultante de um encontro com o ministro Edson Fachin e comenta com os colegas de MPF: “Caros, conversei 45 m com o Fachin. Aha uhu o Fachin é nosso”. A preocupação da força-tarefa com a comunicação para a opinião pública era constante. Em 7 de maio de 2016, Moro comenta com Dallagnol que havia sido procurado pelo apresentador Fausto Silva. Segundo o relato do juiz, o apresentador o cumprimentou pelo trabalho na Lava-Jato, mas deu um conselho: “Ele disse que vcs nas entrevistas ou nas coletivas precisam usar uma linguagem mais simples. Para todo mundo entender. Para o povão. Disse que transmitiria o recado. Conselho de quem está a (sic) 28/anos na TV. Pensem nisso”. Procurado por VEJA, Fausto Silva confirmou o encontro e o teor da conversa entre ele e Moro.

COMENTO

Mais uma vez, um ministro do Supremo é tratado como uma espécie de boneco de mamulengo da turma. Como esquecer o “In Fux We trust”?

E, como se nota, mais uma vez o verbo “haver” é espancado pela turma.

E, claro, como se nota, Dallagnol está convicto de que Fachin também não é um juiz isento. Afinal, segundo o procurador, o relator do petrolão no Supremo tem lado: é deles!

Leiam a reportagem.

É devastadora.

 

*Por Reinaldo Azevedo

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New York Times: Moro é imoral, ilegal e sujo

New York Times, um dos mais importes jornais do mundo traz matéria com críticas acentuadas a Moro e a forma desonesta e suja como o ex-juiz conduziu a operação Lava Jato.

“as mensagens vazadas mostram que Moro frequentemente ultrapassou seu papel de juiz”; “Os vazamentos revelam um juiz imoral, que se uniu a procuradores, a fim de prender e condenar indivíduos que já consideravam culpados”, diz o jornal.

Segundo a reportagem: “Ele ofereceu conselhos estratégicos aos procuradores: eles deveriam, por exemplo, inverter a ordem das várias fases da investigação; rever moções específicas que planejavam arquivar; acelerar certos processos; desacelerar muitos outros. Moro passou informações sobre uma possível nova fonte para o MP; repreendeu os promotores quando demoraram demais para realizar novos ataques; endossou ou desaprovou suas táticas; e forneceu-lhes conhecimento antecipado de suas decisões”.

E segue afirmando que: “Moro se envolveu em questões de cobertura da imprensa e se preocupou em obter apoio do público para a acusação”. “‘O que você acha dessas declarações malucas do comitê nacional do PT? Deveríamos refutar oficialmente?’ Ele perguntou uma vez ao promotor federal Deltan Dallagnol, referindo-se a uma declaração do Partido dos Trabalhadores de Lula, na qual a acusação era considerada uma perseguição política. Observe o uso da palavra ‘nós’ – como se o Sr. Moro e o Sr. Dallagnol estivessem no mesmo time”.

O jornal não economizou críticas às ações de Sergio Moro enquanto juiz da Lava Jato:

“Isso tudo é, claro, altamente imoral – se não totalmente ilegal. Não viola nada menos que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que diz: ‘Todos têm direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por um tribunal independente e imparcial, na determinação de seus direitos e obrigações e de qualquer acusação criminal contra ele. ‘De acordo com o Código de Processo Penal do Brasil, os juízes devem ser árbitros neutros e não podem dar conselhos a nenhuma das partes em um caso. Moro também violou muitas disposições do Código Brasileiro de Ética Judicial, particularmente uma que diz que o juiz deve manter “uma distância equivalente das partes’, evitando qualquer tipo de comportamento que possa refletir ‘favoritismo, predisposição ou preconceito'”.

 

*Com informações do 247

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Faustão, a bala de prata que matou Moro e a Lava Jato

DOMINGÃO DA LAVA JATO
Por Leandro Fortes

De todas as mazelas da Lava Jato desnudadas pela matéria da revista VEJA, em parceria com o The Intercept Brasil, uma nota tragicômica se sobressai ao lodo geral: Fausto Silva, o Faustão, era conselheiro do então juiz Sérgio Moro.

Deslumbrado, o bacharel da zona rural não se conteve. Foi ao Telegram revelar a Deltan Dallagnol os conselhos de Faustão de como falar ao “povão” sobre as atrocidades que cometia, à margem da lei. Um media training inusitado que acabou servindo, agora, para confirmar o que todos sabiam, mas que Moro mentia, descaradamente, para se safar: as mensagens são todas reais.

Faustão foi procurado pelos repórteres e confirmou, exatamente, o teor da conversa. Esse fato consolida a credibilidade de todo o material, o que torna a nova leva de informações ainda mais grave. Nos diálogos recém publicados, fica ainda mais claro que Dallagnol subordinou completamente a força-tarefa do Ministério Público Federal de Curitiba a Sérgio Moro.

Não há, portanto, mais nenhuma dúvida que Moro foi um juiz parcial que orientava e instrumentalizava os acusadores contra um réu que, mais para frente, seria julgado por ele mesmo. Isso é, simplesmente, a coisa mais abominável que pode existir dentro do Estado de Direito e do ordenamento jurídico de um país que queira ser reconhecido como nação civilizada.

Agora, a questão não é mais se Moro e Dallagnol são culpados, ou se as mensagens são verdadeiras. A única discussão plausível, nesse momento, é quando a farsa do julgamento de Lula será anulada e essa gente será processada e punida pelo que fez.

 

*Por Leandro Fortes

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De Fachin a Faustão, Veja e Intercept acertam Moro com um tiro de canhão

Foi a inteligência do governo Bolsonaro que tranquilizou Moro ao dizer que o Intercept não tinha mais nada de relevante para revelar contra ele?

Imagina o Brasil numa guerra precisando das informações do GSI.

A reportagem Intercept-Veja, que chegou às bancas nesta sexta-feira (5), revela que o apresentador Fausto Silva orientou a comunicação de Moro e dos procuradores da Lava Jato pra falar com o povão.

Imagina isso! E, pra piorar, Faustão confirma o diálogo e, consequentemente, as mensagens vazadas pelo Intercept que Moro diz não existirem.

Pra onde Moro, Dallagnol, Carlos Fernando Lima e Monique Cheker vão correr agora?

É comovente a forma com que Dallagnol trata a parceria da Lava Jato com Fachin, ministro do Supremo Tribunal Federal.

Aha uhu, o Fachin e nosso! Festeja Dallagnol.

E pensar que, além da condenação e prisão de Lula, a Lava Jato, que brincava com a justiça, destruiu centenas de empresas e milhões de empregos, levando ao caos a economia brasileira.

As revelações feitas pela reportagem da Veja, em parceria com o Intercept Brasil, são definitivas e não deixam margem para manobras retóricas, mostrando que todos os envolvidos diretamente na Lava Jato, de Moro a Dallagnol, passando por outros procuradores, não podem continuar no cargo que ocupam, pois precisam para ser investigados, condenados e presos.

 

*Por Carlos Henrique Machado Freitas

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Veja confirma: Glauber tem razão, Moro é corrupto e ladrão

No final das contas, o que a revista Veja publicou, em parceria com o Intercept, o Deputado Federal do Psol, Glauber Braga, foi até econômico, pois a chave do caso em que a justiça se corrompe e rouba para uma das partes, no caso, a acusação na Lava Jato, simplesmente está sob o controle da manete de Sergio Moro.

E são essas revelações que vêm pipocando pelo Intercept, Veja, Folha e Band, que Moro diz “não ter nada demais”.

Esta densa reportagem que segue abaixo, de forma inapelável, desaba a catedral da república de Curitiba, comandada pelo chefe da “Liga da Justiça”, Sergio Moro, o juiz corrupto e ladrão, como disse Glauber Braga.

As manifestações do último dia 30 tiveram como principal objetivo a defesa de Sergio Moro. Em Brasília, um enorme boneco de Super-Homem com o seu rosto foi inflado na frente do Congresso. Símbolo da Lava-Jato, que representa um marco na história da luta anticorrupção no país, o ex-juiz vem sofrendo sérios arranhões na imagem desde que os diálogos entre ele e membros da força-tarefa vieram a público revelando bastidores da operação. As conversas ocorridas no ambiente de um sistema de comunicação privada (o Telegram) e divulgadas pelo site The Intercept Brasil mostraram que, no papel de magistrado, Moro deixou de lado a imparcialidade e atuou ao lado da acusação. As revelações enfraqueceram a imagem de correção absoluta do atual ministro de Jair Bolsonaro e podem até anular sentenças.

No material que o Intercept diz ter recebido de uma fonte anônima, há quase 1 milhão de mensagens, totalizando um arquivo com mais de 30 000 páginas. Só uma pequena parte havia sido divulgada até agora — e ela foi suficiente para causar uma enorme polêmica. Em parceria com o site, VEJA realizou o mais completo mergulho já feito nesse conteúdo. Foram analisadas pela reportagem 649 551 mensagens. Palavra por palavra, as comunicações examinadas pela equipe são verdadeiras e a apuração mostra que o caso é ainda mais grave. Moro cometeu, sim, irregularidades. Fora dos autos (e dentro do Telegram), o atual ministro pediu à acusação que incluísse provas nos processos que chegariam depois às suas mãos, mandou acelerar ou retardar operações e fez pressão para que determinadas delações não andassem. Além disso, revelam os diálogos, comportou-se como chefe do Ministério Público Federal, posição incompatível com a neutralidade exigida de um magistrado. Na privacidade dos chats, Moro revisou peças dos procuradores e até dava bronca neles. “O juiz deve aplicar a lei porque na terra quem manda é a lei. A justiça só existe no céu”, diz Eros Grau, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, falando em tese sobre o papel de um magistrado. “Quando o juiz perde a imparcialidade, deixa de ser juiz.”

Não seria um escândalo se um magistrado atuasse nas sombras alertando um advogado de que uma prova importante para a defesa de seu cliente havia ficado de fora dos autos? Pois isso aconteceu na Lava-Jato, só que em favor da acusação. Uma conversa de 28 de abril de 2016 mostra que Moro orientou os procuradores a tornar mais robusta uma peça. No diálogo, Deltan Dalla­gnol, chefe da força-tarefa em Curitiba, avisa à procuradora Laura Tessler que Moro o havia alertado sobre a falta de uma informação na denúncia de um réu — Zwi Skornicki, representante da Keppel Fels, estaleiro que tinha contratos com a Petrobras para a construção de plataformas de petróleo, e um dos principais operadores de propina no esquema de corrupção da Petrobras. Skornicki tornou-se delator na Lava-­Jato e confessou que pagou propinas a vários funcionários da estatal, entre eles Eduardo Musa, mencionado por Dalla­gnol na conversa. “Laura no caso do Zwi, Moro disse que tem um depósito em favor do Musa e se for por lapso que não foi incluído ele disse que vai receber amanhã e da tempo. Só é bom avisar ele”, diz. (VEJA manteve os diálogos originais com eventuais erros de digitação e ortografia.) “Ih, vou ver”, responde a procuradora. No dia seguinte, o MPF incluiu um comprovante de depósito de 80 000 dólares feito por Skornicki a Musa. Moro aceita a denúncia minutos depois do aditamento e, na sua decisão, menciona o documento que havia pedido. Ou seja: ele claramente ajudou um dos lados do processo a fortalecer sua posição.

Em sua defesa após o estouro do escândalo das mensagens, o ministro vem repetindo que atendia tanto os encarregados da acusação quanto os da defesa no dia a dia e tinha conversas com eles, nenhuma delas imprópria, na sua visão. De fato, está na rotina de um juiz receber as partes envolvidas no processo, mas de maneira oficial, sempre com registro, e não por meio de um sistema privado de comunicação. A posição do ex-juiz fica ainda mais difícil de defender diante dos dados analisados pela parceria VEJA/The Intercept. Não eram conversas protocolares entre juiz e Ministério Público. Do conjunto, o que se depreende, além de uma intimidade excessiva entre a magistratura e a acusação, é uma evidente parceria na defesa de uma causa. Os exemplos mais robustos vêm das conversas entre Moro e Dalla­gnol. Em 2 de fevereiro de 2016, por exemplo, o juiz escreve a ele: “A odebrecht peticionou com aquela questao. Vou abrir prazo de tres dias para vcs se manifestarem”. Dalla­gnol agradece o aviso. Moro se refere ao questionamento da Odebrecht à Justiça da Suíça a respeito do compartilhamento de dados, incluindo extratos bancários, da empresa naquele país. Grosso modo, a empreiteira tentou impedir que o Ministério Público suíço enviasse dados à força-tarefa.

Preocupado com a história, Moro pede notícias a Dalla­gnol no dia 3. “Quando sera a manifestação do mpf?”, pergunta. “Estou redigindo, mas quero fazer bem feita, para já subsidiar os HCs que virão. Imagino que amanhã, no fim da tarde”, responde o procurador. No dia seguinte, Dalla­gnol informa a Moro que a peça estava quase pronta, mas dependia ainda da revisão de colegas. “Protocolamos amanha, salvo se for importante que seja hoje. Posso mandar, se preferir, versão atual por aqui, para facilitar preparo de decisão”, escreve. Moro tranquiliza Dalla­gnol: “Pode ser amanha”. No dia 5, prazo final, por volta das 15 horas, Dalla­gnol manda pelo Telegram ao juiz a peça “quase pronta”. A situação é completamente irregular. Em vez de se comunicarem de forma transparente pelos autos, juiz e procurador usam o Telegram. Como se não bastasse, o chefe da força-­tarefa ainda envia a Moro uma versão inacabada do trabalho para que o juiz possa adiantar a sentença.

Dentro da relação estabelecida pela dupla, chama atenção também o momento em que Dalla­gnol dá dicas ao “chefe” sobre argumentos para garantir uma prisão. Isso aconteceu em 17 de dezembro de 2015, quando Moro informa que precisa de manifestação do MPF no pedido de revogação da prisão preventiva de José Carlos Bumlai, pecuarista e amigo de Lula. “Ate amanhã meio dia”, escreve. Dalla­gnol garante que a ação será feita e acrescenta: “Seguem algumas decisões boas para mencionar quando precisar prender alguém…”. À luz do direito, é tão constrangedor quanto se Cristiano Zanin Martins fosse flagrado passando a Moro argumentos para embasar um habeas­-corpus a favor de Lula.

Mesmo entre parceiros com bastante afinidade há momentos de tensão (e que precisam ser resolvidos com uma conversa ao vivo). Em um deles, ocorrido em um chat de 17 de novembro de 2015, Moro dá um puxão de orelha em Dalla­gnol. O juiz reclama de que está difícil entender os motivos pelos quais o MPF recorreu da sentença aplicada aos delatores Augusto Ribeiro de Mendonça Neto, Pedro José Barusco Filho, Mário Frederico Mendonça Góes e Júlio Gerin de Almeida Camargo. Dalla­gnol tenta se justificar, sem sucesso. “O mp está recorrendo da fundamentação, sem qualquer efeeito pratico”, critica o juiz. “Na minha opinião estao provocando confusão.” Para Moro, o efeito prático do recurso apresentado pelo MPF será “jogar para as calendas a existência execução das penas dos colaboradores”, ou seja, postergará o início do cumprimento da pena aplicada aos delatores citados. Mais uma vez, tudo fora dos autos. Dalla­gnol, resignado, pede um encontro com Moro para a manhã do dia seguinte: “25m seriam suficiente (sic)”.

Peças fundamentais na Lava-­Jato, as delações exigem também que o juiz se comporte de forma imparcial e somente após as negociações, conduzidas pelo MPF, pois ao fim do processo caberá a ele decidir se aceita ou não a oferta. Nesse capítulo, Moro cruzou igualmente a linha, a exemplo do caso do ex-deputado Eduardo Cunha. Na noite de 12 de junho de 2017, Ronaldo Queiroz, procurador da força-tarefa da Lava-Jato na PGR, cria um grupo no Telegram com Dalla­gnol para avisar que foi procurado pelo advogado de Cunha para iniciar uma negociação de delação premiada. Queiroz afirma que as revelações poderiam ser de interesse dos procuradores de Curitiba, Rio de Janeiro e Natal, onde corriam ações relacionadas ao político. Após membros do Rio de Janeiro serem incluídos no grupo, Queiroz posta uma mensagem que dá uma ideia de sua visão de mundo sobre a quantidade de honestos na Justiça e na política (uma visão de mundo compartilhada por muitos de seus colegas da Lava-Jato). Queiroz afirma esperar que Cunha entregue no Rio de Janeiro, pelo menos, um terço do Ministério Público estadual, 95% dos juízes do Tribunal da Justiça, 99% do Tribunal de Contas e 100% da Assem­bleia Legislativa.

No dia 5 de julho, durante o período da tarde, os procuradores concordam em marcar uma reunião com o advogado Délio Lins e Silva Júnior para a terça-­feira seguinte (11 de julho). Naquele mesmo dia, às 23h11, em uma conversa privada, Moro questiona Dalla­gnol sobre rumores de uma delação de Cunha. “Espero que não procedam”, diz. Dalla­gnol afirma que tudo não passa de rumores. Ele confirma ao juiz que está programado apenas um encontro com o advogado para que os procuradores tomem conhecimento dos anexos. “Acontecerá na próxima terça. estaremos presentes e acompanharemos tudo. Sempre que quiser, vou te colocando a par”, afirma. Moro, então, reitera seu posicionamento. “Agradeço se me manter (sic) informado. Sou contra, como sabe.” Detalhe: isso sem saber o conteúdo.

Como a proposta de delação atingia políticos com foro privilegiado, a palavra final para assinar um acordo de delação com Cunha passou para a PGR. A homologação competia ao ministro Luiz Edson Fachin, relator da Lava­-Jato no STF. O ex-deputado corria na época para fechar um acordo antes de o doleiro Lúcio Bolonha Funaro assinar os termos de sua delação. Os procuradores envolvidos nas negociações diziam que a dupla falava sobre os mesmos temas, o que tornaria desnecessária a aprovação das duas colaborações. No dia 28 de julho, já com os anexos de Cunha em mãos, Ronaldo Queiroz diz que a ideia é analisá-­los em conjunto com os colegas para tomar uma decisão sobre aceitar ou rejeitar a delação. Em 30 de julho, Queiroz diz que o material é fraco. No dia seguinte, uma mensagem do procurador Orlando SP, provavelmente Orlando Martello Júnior, traz o posicionamento de Curitiba — o mesmo de Moro: “Achamos que o acordo deve ser negado de imediato”.

O papel de líder da Lava-Jato em Curitiba é exercido em diversas oportunidades pelo ex-juiz. Em mais de uma ocasião, Moro aparece nos chats do Telegram interferindo na agenda dos procuradores da força-tarefa, outra atitude que gera a suspeição de qualquer magistrado. Em 7 de julho de 2015, por exemplo, um membro da força-tarefa, que a reportagem de VEJA identificou ser o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, escreve o seguinte: “Igor. O Russo (Moro) sugeriu a operação do professor para a semana do dia 20”. Igor (o delegado da Polícia Federal Igor Romário) responde: “Opa… beleza… Vou começar a me organizar”. De acordo com a apuração da revista, o “professor” era o almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, da Eletronuclear. Ele acabou sendo preso no dia 28. Em outro episódio, Moro não apenas sugere uma data para a operação como também já fala em receber a denúncia. O caso em questão aparece em um diálogo ocorrido em 13 de outubro de 2015. Nele, o procurador Paulo Galvão, o PG, alerta Roberson Pozzobon, seu colega da força-­tarefa, sobre uma orientação do juiz. “Estava lembrando aqui que uma operação tem que sair no máximo até por volta de 13/11, em razão do recesso e do pedido do russo (Moro) para que a denúncia não saia na última semana”, escreve PG. “Após isso, vai ficar muito apertado para denunciar.” Pozzobon concorda com PG e acrescenta: “uma grande operação por volta desta data seria o ideal. Ainda é próximo da proclamação da república. rsrs”.

A partir de um levantamento das operações ocorridas em novembro e das denúncias oferecidas em dezembro de 2015, chega-se à conclusão de que o diálogo trata da Operação Passe Livre, que prendeu José Carlos Bumlai. Ele atuou como laranja do PT, intermediando um empréstimo de 12 milhões de reais do Banco Schahin ao partido em 2004. O pedido de Moro comentado na conversa entre PG e Pozzobon acabou cumprido à risca. Bumlai foi preso em 24 de novembro e denunciado em 14 de dezembro — na última semana antes do recesso da Justiça Federal do Paraná. No dia seguinte, Moro recebeu a denúncia, a tempo de impedir que os crimes prescrevessem no fim de 2015.

Dentro de uma visão simplista, a estratégia parece um golpe de mestre do juiz para não deixar um bandido escapar da Justiça. Mas o argumento de que os fins justificam os meios não pode prosperar numa sociedade desenvolvida. Tal postura de Moro viola o devido processo legal, pondo em risco o estado de direito. “Nesse caso, a sociedade pode aplaudir o juiz, por acreditar que ele está tentando ser justo. Mas ele está infringindo as leis do processo, que o impedem de imiscuir-se em uma das partes e colaborar com ela, e é uma das garantias para que todos sejam julgados da mesma forma”, afirma um juiz, que pediu para não ser identificado. “Imagine que todos os magistrados atuem da mesma forma, infringindo uma regra aqui e outra ali para alcançar seus objetivos. Um pode se aliar à defesa para soltar um criminoso; outro pode se aliar à acusação para perseguir um inimigo e, aí, o céu é o limite”, conclui.

Uma das obsessões de Moro envolvia manter os casos da Lava-Jato em seu poder em Curitiba, a exemplo dos processos de Lula do tríplex do Guarujá e do sítio de Atibaia. Nesse esforço, o magistrado mentiu a um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) ou, na hipótese mais benigna, ocultou dele uma prova importante, conforme mostra um dos diálogos. A conversa em questão se refere ao caso de Flávio David Barra, preso em 28 de julho de 2015, quando presidia a AG Energia, do grupo Andrade Gutierrez. Sua detenção ocorreu na Operação Radioatividade, relacionada a pagamentos de propina feitos por empreiteiras, entre elas a Andrade Gutierrez, a Othon Luiz Pinheiro da Silva, da Eletronuclear, responsável pela construção da usina nuclear Angra 3. Em 25 de agosto, a defesa de Barra pede ao ministro do STF Teori Zavascki a suspensão do processo tocado pela 13ª Vara de Curitiba, alegando que Moro não tinha competência para julgar o caso por haver indício de envolvimento de parlamentares, entre eles o então senador Edison Lobão (MDB-MA).

Diante da reclamação, Zavascki cobra explicações de Moro, que diz não saber nada sobre o envolvimento de parlamentares. Mesmo assim, com base nas informações da defesa, o ministro do STF suspende em 2 de outubro as investigações, o que força o então juiz a remeter o caso de Curitiba para Brasília três dias depois. Seu comportamento perante Zavascki foi impróprio, como evidencia um diálogo registrado no Telegram dezoito dias depois entre o procurador Athayde Ribeiro Costa e a delegada Erika Marena, da Polícia Federal. Costa diz precisar com urgência de uma “planilha/agenda” apreendida com Barra que descreve pagamentos a diversos políticos. Marena responde que, por orientação de “russo” (Moro), não tinha tido pressa em “eprocar” a planilha (tradução: protocolar o documento no sistema eletrônico da Justiça). “Acabei esquecendo de eprocar”, disse. “Vou fazer isso logo”, completa.

Na pior das hipóteses, Moro já sabia da existência da planilha quando foi inquirido por Zavascki e mentiu ao ministro. Em um segundo possível cenário, igualmente comprometedor, Moro teria tomado conhecimento da planilha depois da inquirição de Zavascki e pediu à delegada para “não ter pressa” em protocolar o documento. Tudo indica que a manobra tinha como objetivo manter o caso em Curitiba. “Um juiz não pode ocultar provas, e, se o diálogo tiver a autenticidade comprovada, estamos diante de uma conduta bastante problemática”, afirma o advogado Gustavo Badaró, professor de processo penal da USP, que analisou a pedido de VEJA o episódio. Na primeira leva de mensagens divulgadas pelo Intercept no mês passado, Moro já aparecia reclamando de um delegado da PF que havia incluído rápido demais todos os elementos da investigação no sistema eletrônico, o que obrigaria o juiz a enviar parte do processo ao STF.

A relação entre Moro e Dalla­gnol era tão próxima que abre espaço para que eles comemorem nas conversas o sucesso de algumas etapas da Lava­-Jato, como se fossem companheiros de trabalho festejando metas alcançadas. Em 14 de dezembro de 2016, Dallagnol escreve ao parceiro para contar que a denúncia de Lula seria protocolada em breve, enquanto a de Sérgio Cabral já seria registrada no dia seguinte (o que de fato ocorreu). Moro responde com um emoticon de felicidade, ao lado da frase: “ um bom dia afinal”. A proximidade rendeu ainda lances curiosos. Em 9 de julho de 2015, Dallagnol saúda o colega: “bem vindo ao telegram!!”. Cinco meses depois, dá dicas ao juiz de como usar o programa no desktop, enviando no chat um link para o download. “Se puder me mandar no e-mail, agradeço. O tico e o teco da informática aqui não são muito espertos”, responde Moro. Em março de 2017, Dallagnol escreve ao juiz para tirar uma dúvida: ele assina o primeiro nome com ou sem acento? O motivo é que o procurador estava revisando um livro sobre Moro. “Não uso normalmente o acento”, responde o juiz. Em julho de 2018, Dallagnol atua como assessor de imprensa, perguntando a Eduardo El Hage, um colega do Ministério Público Federal no Rio, detalhes de um pedido de participação de Moro em um programa do canal fechado HBO: “Eles contataram o Moro aqui e ele queria ter o contexto e informações que possam ser úteis pra ele decidir se atende”. Em um dos períodos mais tensos da operação, o que se seguiu à ação do juiz que torna público o famoso trecho do grampo telefônico em que Dilma Rousseff envia o “Bessias” para entregar a Lula o termo de posse em seu ministério, Dallagnol combina em um dos chats com procuradores uma nota de apoio a Moro e repassa ao grupo uma sugestão do próprio juiz para o texto. Na mesma época, Moro também recebe um afago e conselho de um interlocutor no Telegram (tudo indica, o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima). “O movimento seria nas sombras, como você mesmo disse”, escreve, referindo-se ao convite de Dilma para Lula. “O seu capital junto à população vai proteger durante um tempo. As coisas se transformam muito rápido.”

As conversas entre membros do Ministério Público Federal assumem várias vezes o tom de arquibancada, com os membros da força-tarefa vibrando e torcendo a cada lance da batalha contra os inimigos. Em 13 de julho de 2015, Dallagnol sai exultante de um encontro com o ministro Edson Fachin e comenta com os colegas de MPF: “Caros, conversei 45 m com o Fachin. Aha uhu o Fachin é nosso”. A preocupação da força-tarefa com a comunicação para a opinião pública era constante. Em 7 de maio de 2016, Moro comenta com Dalla­gnol que havia sido procurado pelo apresentador Fausto Silva. Segundo o relato do juiz, o apresentador o cumprimentou pelo trabalho na Lava-Jato, mas deu um conselho: “Ele disse que vcs nas entrevistas ou nas coletivas precisam usar uma linguagem mais simples. Para todo mundo entender. Para o povão. Disse que transmitiria o recado. Conselho de quem está a (sic) 28/anos na TV. Pensem nisso”. Procurado por VEJA, Fausto Silva confirmou o encontro e o teor da conversa entre ele e Moro.

Curiosidades dos bastidores à parte, o que vai definir mesmo o destino de Moro à luz das revelações dos chats são os trechos nos quais fica evidente seu papel duplo de juiz e assistente de acusação. A Lava-Jato foi assumidamente inspirada na Mani Pulite, a Mãos Limpas da Itália, que desbaratou um gigantesco esquema de corrupção na década de 90, resultando em 2 993 mandados de prisão nos dois primeiros anos de operação. No caso do sistema de Justiça do país europeu há a figura do magistrado que trabalha no Ministério Público — mas ele não atua nos julgamentos. A melhor explicação para o comportamento irregular do atual ministro é que ele tenha se inspirado nessa figura para pautar suas ações na Lava-Jato. “O Moro confundiu totalmente os papéis”, afirma o jurista Wálter Fanganiello Maiero­vitch. “O magistrado que investiga nunca é o que julga, nem na Itália nem em nenhuma outra democracia do planeta.”

No Brasil, o papel duplo do juiz viola o artigo 254 do Código de Processo Penal, que proíbe que o magistrado aconselhe uma das partes ou tenha interesse em favor da acusação ou da defesa. Essa atuação pode, de fato, provocar a revisão de atos de Moro. No caso da condenação de Lula, por exemplo, o STF adiou a discussão para agosto. Será uma decisão complexa e delicada para a Suprema Corte. Ali, mesmo que alguns ministros já tenham criticado excessos da Lava-Jato, é difícil qualquer prognóstico. Um dado, porém, é certo. Fiscalizar o que Moro fez enquanto juiz não significa pôr em risco os avanços contra a corrupção no Brasil, como sugerem as manifestações recentes nas ruas das cidades do país. A sociedade brasileira não vai abrir mão do processo que resultou, pela primeira vez na história, na prisão de políticos e empresários poderosos.

Embora as conversas mostrem que Moro cometeu infrações, os crimes punidos ao longo da Lava-Jato gozam de vasta coleção de provas materiais e orais. A maioria esmagadora das sentenças, aliás, acabou confirmada em outras instâncias da Justiça. Graças ao esforço dos procuradores de Curitiba, descobriu-se também o Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht, desenvolvido exclusivamente para administrar o pagamento de propinas efetuado pela empresa no Brasil e no exterior. O resultado prático e sua importância são incontestes. Diversos políticos que se locupletaram nos últimos anos ainda estão presos. Entre eles, Lula, Sérgio Cabral, Eduardo Cunha… O próprio Lula, mesmo que a suspeição de Moro seja confirmada, pode permanecer preso. Ele já foi condenado em primeira instância pelo sítio em Atibaia, sentença proferida pela juíza Gabriela Hardt, e o caso aguarda apenas a decisão do TRF4 (provavelmente favorável à sua condenação). Portanto, não se trata aqui de uma defesa do Lula Livre nem de estar contra a Lava-Jato. Mas, sim, do direito inexorável que todos os cidadãos têm de um julgamento justo.

Na terça 2, Moro (que, por sinal, não faz mais parte da Lava-Jato) ficou sete horas no Congresso respondendo a parlamentares sobre o caso. Repetiu o que tem dito nas últimas semanas: os diálogos divulgados foram fruto de um roubo, podem ter sido editados e, mesmo verdadeiros, não apontam nenhum tipo de desvio. A cada nova revelação, fica mais difícil sustentar esse discurso. Na sentença em que condenou Lula, o ex­-juiz anotou que “não importa quão alto você esteja, a lei ainda está acima de você”. A frase cabe agora perfeitamente em sua situação atual. Levado ao Ministério da Justiça para funcionar como uma espécie de esteio moral da gestão Bolsonaro, ele ainda goza de grande popularidade, mas hoje depende do apoio do presidente para se manter no cargo. Independentemente do seu destino, o caso dos diálogos vazados representa uma oportunidade para que o país discuta os excessos da Justiça e o fortalecimento dos direitos do cidadão. Um país onde as instituições funcionam não precisa de nenhum Super-Homem.

Nota da redação: procurados por VEJA, Deltan Dalla­gnol e Sergio Moro não quiseram receber a reportagem. Ambos gostariam que os arquivos fossem enviados a eles de forma virtual, mas, alegando compromissos de agenda, recusaram-se a recebê-­los pessoalmente, uma condição estabelecida por VEJA. Mesmo sem saber o conteúdo das mensagens, a assessoria do Ministério da Justiça enviou a seguinte nota: “A revista Veja se recusou a enviar previamente as informações publicadas na reportagem, não sendo possível manifestação a respeito do assunto tratado. Mesmo assim, cabe ressaltar que o ministro da Justiça e Segurança Pública não reconhece a autenticidade de supostas mensagens obtidas por meios criminosos, que podem ter sido adulteradas total ou parcialmente e que configuram violação da privacidade de agentes da lei com o objetivo de anular condenações criminais e impedir novas investigações. Reitera-­se que o ministro sempre pautou sua atuação pela legalidade”.

Colaboraram Leandro Demori, Victor Pougy, Nonato Viegas e Bruna de Lar.

 

*Da Veja

 

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Veja e Intercept revelam novos crimes de Moro contra Lula

A revista Veja, agora em parceria com o Intercept Brasil, trará em sua capa na manhã desta sexta-feira (5) uma chamada bem sugestiva para o Ministro da Justiça de um governo cravejado de acusações de ter em sua órbita as milícias.

Moro é retratado como um ex-juiz que fazia justiça com as próprias mãos na operação Lava Jato.

De acordo com a publicação, diálogos inéditos revelam que Sergio Moro “desequilibrou a balança em favor da acusação nos processos da Lava Jato”, cristalizando a acusação que protagonizou a sua ida à CCJ da Câmara dos Deputados na última terça-feira (2), suas formas abusivas e seu domínio total sobre o Ministério Público Federal do Paraná.

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A loucura foi instalada no Brasil como método de destruição, diz ex-chanceler Celso Amorim

Tolstói abre seu clássico Anna Karenina com a célebre frase “todas as famílias felizes se parecem, mas cada família infeliz é infeliz à sua maneira”, “e a nossa maneira é mais cruel”, acrescenta o ex-chanceler Celso Amorim, ao explicar os desafios que o Brasil deve enfrentar para voltar a se posicionar no mundo como um país soberano.

Em conversa exclusiva com a Carta Maior, o ex-ministro das Relações Exteriores e da Defesa dos governos Lula e Dilma analisou o cenário político brasileiro, as mudanças no quadro geopolítico e os impactos da Operação Lava Jato na soberania nacional. Para o diplomata, que em 2009 foi considerado o melhor chanceler do mundo, o Brasil e o povo brasileiro são vítimas de um projeto de desmonte acelerado e será necessário o trabalho de gerações para reverter o estrago. “[O que está acontecendo] é uma coisa muito horrorosa, é uma loucura, é a instalação da loucura como método. Método de destruição”.

Amorim vê com muita preocupação as políticas do governo Bolsonaro e não titubeia ao afirmar que “eles estão dando os tiros certos: destruíram a Unasul”. Trata-se de um projeto sólido, de grandes potências, para enfraquecer a América Latina e voltar a ter o controle deste território, ao mesmo tempo que garante a subserviência brasileira como um “quintal estratégico”.

Desde a eleição de Hugo Chávez, na Venezuela, em 1998, a América Latina deu passos largos rumo à integração e à soberania. Consolidou mecanismos internacionais importantes e conseguiu se posicionar no mundo como um território com voz ativa em negociações de relevância global. O Brasil foi protagonista deste processo, não só pela extensão territorial e peso econômico, mas pela vontade política de não se fortalecer sozinho no xadrez mundial.

A mudança que este impulso progressista da América Latina causou no mundo incomodou as grandes potências, em especial os Estados Unidos que, como explica Amorim, “estava com o prato cheio” com as guerras no Oriente Médio no começo deste século. Mas agora se voltou novamente – com todas as fichas – para recuperar o território perdido ao Sul do mundo.

O peso na balança foi tanto que tivemos o direito de sonhar, por um pequeno instante, com o mapa invertido de Torres Garcia se tornar realidade. O ex-presidente do Equador, Rafael Correa, chegou a propor a “Canção Para Todos”, de Mercedes Sosa, como um hino da Unasul: “Canta conmigo, canta/hermano americano/libera tu esperanza/con un grito em la voz”.

Porém, com um golpe atrás do outro e uma falsa operação jurídica no Brasil, o projeto da Nuestra América de Martí foi por água abaixo em poucos meses e reverter este quadro é o desafio das próximas gerações, afirma o ex-ministro. A entrevista faz parte da série de Carta Maior sobre o impacto dos cinco anos de Operação Lava Jato no Brasil.

Leia os principais trechos:

Impacto da Lava Jato na soberania nacional

A Unasul, por exemplo, foi desativada já no governo Temer. A decisão jurídica de sair foi do governo Bolsonaro, mas já estava acontecendo antes. Na época do Brexit, ainda no governo Temer, o Brasil começou a cumprir tabela, não tinha nenhuma iniciativa. Eu acho que agora vai piorar. Essas coisas se juntam e não é só a Petrobras, as nossas empresas de engenharia também. A Odebrecht, por exemplo, era uma potência! Tinha que corrigi-la, e não liquidá-la. Você já imaginou a Alemanha liquidar a Volkswagen porque eles tinham um software que enganava na questão de meio-ambiente? Não, eles demitiram o responsável.

A questão externa no Brasil era dada graças à presença de grandes empresas nacionais; o BNDES, para empréstimos na área de construção e na aquisição de outras coisas; e por fim a nossa ação diplomática. Essas coisas estão sendo demolidas de maneira sistemática. A Lava-Jato quis atingir sim o cerne da soberania. A libertação do Lula tem a ver obviamente com a sua inocência, seus direitos como cidadão e ser humano, claro, mas tem a ver também com o símbolo da soberania brasileira. No Brasil e na América Latina, quando você tem a luta pela soberania e pela igualdade combinadas, acontece um golpe.

[Neste momento] é importante que a esquerda e as forças progressistas sejam atentas, observadoras, porque tem muita coisa acontecendo. Precisamos nos perguntar: onde está o chão de fábrica, aquele que antes era mobilizado pelo Lula nas grandes greves? Como mobilizar essas pessoas é um desafio. Como é que você organiza a grande massa de beneficiados pelo presidente Lula, em grande parte pessoas destituídas, que não fazem parte de nenhum movimento? Em época de grande desemprego – como é agora –, a capacidade de militância dos sindicatos diminui. É preciso se reorganizar para mobilizar os trabalhadores.

O Lula tem uma grande capacidade de entender a realidade e se colocar diante dela. Não vejo nenhum outro líder no Brasil com essa capacidade, independentemente da capacidade intelectual que cada um tem. Você pode entender intelectualmente um problema, agora quem é capaz de falar com o povo, isso é o Lula.

Os sindicatos continuam a ser importantes, a gente teve essa greve geral que foi bem sucedida, mas é uma coisa mais ampla e mais complexa. Mas reconquistar a classe média é muito importante porque ela oscila. Muita gente que achava o Lula bom, depois achou ruim porque acreditou nas fábulas todas da corrupção, agora deve estar escandalizada com o [Sérgio] Moro.

Tem a famosa frase do Tolstoi que abria Anna Karenina: ‘todas as famílias felizes se parecem, mas cada família infeliz é infeliz à sua maneira’. A nossa maneira é mais cruel. A organização hoje tem vários níveis. Tem que continuar trabalhando pela coisa do longo prazo, evidentemente, sem esquecer da frase do [John Maynard] Keynes que “no longo prazo estaremos todos mortos”.

Mas ainda não estamos discutindo um programa de governo. Claro que tem que começar a discutir porque tem que oferecer um horizonte alternativo. Não basta dizer que o que está aí está ruim, tem que dizer como que vai ser o bom. Mas tem que ter muita clareza que nós estamos vivendo uma situação tão dramática no Brasil de demonização da cultura… Se há uma coisa que caracteriza a atual administração é o ataque à razão. Tudo que é racional está sendo atacado.

O interesse norte-americano no Brasil

Obviamente [o motivo de incômodo dos Estados Unidos com a soberania nacional] foi a decisão do Brasil de tomar conta do pré-sal – porque não é só dizer ‘ah as companhias norte-americanas’ é lógico que as companhias norte-americanas têm interesse. Mas é muito mais complexo que isso. Quem está investindo no pré-sal? Tem companhia chinesa, tem companhia norueguesa, tem de tudo. Claro que há um interesse das empresas americanas, mas mais do que isso, é o interesse estratégico dos EUA.

Isso aqui sempre foi visto como quintal dos EUA. ‘Quintal’ parece uma expressão que a gente inventou aqui feito complexo de vira-lata, mas não é. É tratado nos livros acadêmicos norte-americanos a América Latina como ‘back área’ ou seja, é o quintal estratégico deles. Então isso aqui não pode mudar. [Os EUA consideram que] alguém pode até explorar o nosso petróleo, mas tem que ser parte da reserva estratégica deles num caso de conflito.

Brics

Se você tem uma política externa – não só brasileira – que começa a ter consequências práticas como os Brics… Os Brics talvez tenham sido o ponto mais importante porque implica numa possível associação mais profunda com China e Rússia. O IBAS [Fórum de Diálogo Índia-Brasil-África do Sul] não incomodava eles [os EUA], mas o Brics é uma mudança possível na geopolítica mundial.

Eu fui convidado para participar de uma reunião de estratégia europeia para falar sobre Brics e uma das perguntas que eles me fizeram foi: ‘mas o banco dos Brics é para substituir o Banco Mundial?’. Então havia uma percepção que talvez fosse até exagerada com relação à realidade mas que estava mudando a organização estratégica do mundo. Você tem o petróleo aqui, tem os Brics, tem uma percepção que se consolida em 2009, 2010, com todas as iniciativas que o Brasil tinha tomado, e outros países da América do Sul também tinham tomado para participar que foi a Unasul e a Celac. Isso é concreto, não são palavras ao vento. Nosso comércio com a América do Sul aumentou muitíssimo, e o deles conosco.

Este conjunto de coisas fez com que o famoso Estado profundo norte-americano despertasse para o problema geopolítico que significava a atuação externa do Brasil. O Brasil é um dos maiores países, junto com os EUA, e tem projeção na África, nos países árabes, na Índia, etc… e a América Latina passou a ser vista já não mais como um quintal. Tudo isso fez com que tenha despertado a visão de ‘temos que ter alguma ação’. É por aí que as ciosas começam.

Mudanças no quadro geopolítico na última década

Um fato [novo] muito importante é o ressurgimento desse nacionalismo populista na Europa, que é um nacionalismo de direita, diferente de países em desenvolvimento. Isso ocorre também nos Estados Unidos. É curioso porque é muito novo. Quer dizer, pela primeira vez, eu diria, desde a Segunda Guerra Mundial, o [Donald] Trump representa uma defesa — claro que os Estados Unidos sempre defenderam o interesse deles em primeiro lugar, mas eles procuravam definir o interesse deles em termo de uma ordem mundial. Claro que nisso tinha muita hipocrisia, mas também muito de realmente procurar algum ordenamento. Agora não, agora é o seguinte: ‘a propriedade intelectual nos interessa, vamos lá dar um cacete no cara que não tá respeitando, entendeu?’. Simplificando muito é isso. Os Estados Unidos — no caso da primeira Guerra do Golfo, pelo menos, que é uma ação armada contra o Iraque — [disseram] ‘vamos tentar obter a aprovação da ONU’, e assim foi. Agora não, agora é ‘vamos lá e fazemos o que a gente quer’. Ninguém pergunta. Os Estados Unidos pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial defendem de maneira totalmente crua e direta, o seu interesse.

Hoje em dia há três polos de poder muito grandes, são Estados Unidos, China e Rússia. Com a possível associação que se vê de maneira crescente entre Rússia e China, serão dois polos novamente. Não será mais o polo ideológico Leste-Oeste do passado, que era capitalismo contra comunismo. Agora é uma coisa bem mais complicada. Mas pode ser Estados Unidos de um lado, e Eurásia de outro, com a União Europeia ali no meio sem saber que partido tomar. Ideologicamente mais do lado capitalista, mas com os seus interesses também…

Como a América Latina e o Brasil devem se comportar em relação a isso? Devem simplesmente explorar essas diferenças em seu benefício. Porque não se trata só dos Estados Unidos, a China é uma negociadora braba! Então você tem que ter essa atuação, e o Brasil tem um potencial de liderança no mundo em desenvolvimento…

Da política externa altiva e ativa ao desmonte do Itaramaty

Eu não estou falando uma coisa abstrata. Eu vi nas negociações da Organização Mundial do Comércio! Eu vi delegados africanos dizendo: ‘Vota igual o Brasil’. Porque eles sabiam que não tinham condição de levar. A Índia dizia assim: ‘A gente vai com vocês, mas vocês vão na frente’. Na época do presidente Lula era assim. Já era um pouco antes, eu devo dizer, porque o Brasil tem um peso.

Quando eu vejo o que está ocorrendo hoje na política externa… é uma coisa dramática. Não é só contra o Lula. Não é o regresso à política do Fernando Henrique Cardoso — que eu já lamentaria em muitos aspectos — é um retrocesso inominável.

[Diante deste cenário] o desafio é defender a soberania no plano internacional, com esse quadro redefinido, exige coisas que eu, digamos, a curto prazo não vejo como. Mas [precisa] restabelecer a integração. Porque o Brasil sozinho, apesar de grande, ele também não tem esse peso todo. Não tem o peso da China, dos Estados Unidos. Porém, a América Latina pode ter. América do Sul pode ter.

É possível a continuidade do ciclo progressista?

Essa eleição na Argentina com o Alberto Fernández, quem sabe?! Com o kirchnerismo voltando… O nosso presidente é tosco e tudo isso que dizem, mas ele tem intuição. Porque que ele diz: ‘Eu não tô preocupado tanto com a Venezuela, agora eu tô preocupado com a Argentina’?

Mas eu vejo que há uma determinação de impedir que a América Latina volte a ficar de pé. É escandaloso que não tenha havido uma reação na América Latina em relação à ameaça norte-americana de aumentar as tarifas do México, ou diante da proposta de construção de um muro. Agora, veja que eles estão dando os tiros certos: destruíram a Unasul. Começou no governo Temer e o Bolsonaro consolidou.

O que acontece na Argentina, pro bem ou pro mal, tem um impacto no Brasil. Eles acabaram com a ditadura lá, em poucos meses acabou aqui; tem uma crise financeira lá, pouco depois tem uma crise aqui. Da mesma forma que a democratização lá acelerou a redemocratização aqui, se você tiver governos progressistas na Argentina, México, Bolívia, na própria Venezuela que está conseguindo se segurar… é importante, por isso o Bolsonaro está tão interessado.

Agora, claro, o Brasil tem um peso muito grande: todos os outros países do mundo têm interesses comerciais e econômicos aqui. Não é à toa que quando fala-se dos países que apoiam a linha americana em relação à Venezuela falam logo do Brasil.

Retomada do desenvolvimento e soberania

[Retomar o desenvolvimento nacional] é um grande desafio. É preciso que muitas pessoas entendam que o discurso da soberania está junto com o discurso da democracia, não existe democracia sem soberania.

Temos que alargar a frente pela soberania com as pessoas que, digamos, são mais derrotadas na democracia, que não tão pensando tanto na soberania, mas que pensam na democracia. E é indispensável que haja uma repactuação, mas quem nós podemos incluir nessa repactuação pra mim não é claro. Por exemplo, eu tenho pouca confiança numa boa parte da indústria brasileira.

No passado a gente imaginava a burguesia nacional [como um grupo importante para o desenvolvimento]. Não vejo mais isso. A verdadeira burguesia nacional hoje — vou dizer uma coisa chocante —, a verdadeira burguesia nacional hoje é o agronegócio.

[A demissão do Joaquim Levy] retoma a ideia de que estamos vivendo uma profunda anormalidade insustentável. O governo vai ter que fazer uma adaptação para sobreviver. Quando o Bolsonaro comenta que vai armar a população para evitar o golpe… o que ele quer dizer com isso? Se eventualmente o Lula for solto e o exército não resolver agir, então a população age? O que é o golpe? Uma eventual tentativa de impeachment? Não acho nem que é o caso de mexer com isso agora, mas vai que alguém mexa… O que me espanta nisso é que essa declaração tenha sido feita em uma cerimônia militar. É como dizer que não se confia no Exército, e sim “no meu povo”. Isso é espantoso e vai obrigar uma reorganização.

Veja bem, eu não gosto desse artigo da Constituição do jeito que é, acaba servindo para dar um poder de arbítrio; mas na Constituição atual é missão das forças armadas: ‘1. A defesa da pátria; 2. A garantia dos poderes constituídos e a pedido deles a lei e a ordem’. Quem teria que evitar o golpe, em teoria, são as forças armadas! Se você passa essa obrigação para a população, qual o papel das forças armadas? Você mexe com um dos pilares do atual governo, os militares, que devem estar abalados com todas essas mudanças.

Outro pilar do governo é o capital financeiro, e eles não querem só representantes, querem ordem, previsibilidade, quando o cara é demitido do BNDES por supostamente ter empregado um petista, isso gera instabilidade. Eu acho que são duas coisas diferentes: um é o problema estrutural no Brasil, isto é, o domínio do capital financeiro, do capitalismo internacional, do neoliberalismo, coisas que já eram marca do governo Temer; depois há um núcleo de irracionalidade que é típico do governo atual. O que podemos discutir é se esse núcleo de irracionalidade pode ser abalado, modificado. A antessala para um projeto progressista, na minha opinião, está um pouco mais longe.

A gente tem que aceitar que nesse plano mais amplo temos outros aliados também, ainda que no meio do caminho a gente se separe. A nossa estratégia de desenvolvimento tem que ter o lado econômico fundamental que o professor Bresser-Pereira enfatiza sempre, que faz parte do nosso Projeto Brasil Nação. Mas ela tem que ter também um lado de igualdade social, racial.

O Brasil não é um país que tem uma nação a ser defendida, é um país que ainda precisa construir uma nação. Com tantas pessoas excluídas, e a questão de classe ainda não superada… é difícil fazer um projeto.

E aí voltamos ao ponto inicial, como é que pode ter discussão de soberania nacional se você não construiu a nação a partir da soberania popular? O conceito de soberania nasce com a formação dos estados nacionais da Europa, era algo para se defender de fora. Aí vem o Jean-Jacques Rousseau e cria o conceito de soberania popular, ou seja, a soberania para dentro.

Desta forma, só há soberania quando é o povo que exerce o poder. Está nas nossas Constituições antigas “todo poder emana do povo”. Enfim, são esses dois âmbitos, e quando você diz que o poder emana do povo, é do povo mesmo, não é da elite, é do povo pobre, negro, do nordestino, das mulheres, dos LGBTs, dos índios. Você tem que reconstruir isso ao mesmo tempo que se prepara para enfrentar as pressões externas, não é uma tarefa fácil, é uma tarefa gigantesca. E não vai ser uma tarefa para uma geração.

Com todas as críticas que eu faço ao Fernando Henrique, foi um governo de tolerância, um governo democrático, não mandou prender ninguém, não havia reitores se suicidando por perseguição. Também não se pode desprezar isso, entende? Eu me lembro de 1964, [falávamos] da democracia burguesa. Aí veio o golpe militar e ficamos morrendo de saudade da democracia burguesa. Não podemos nos satisfazer com ela, mas também não podemos desprezá-la. É [por] isso que a gente tem que brigar, eu não quero ver reitores se suicidando, não quero ver mulheres e negros sendo espancados, não quero ver o dinheiro faltar para a universidade, e ao mesmo tempo quero ver o Brasil capaz de defender seu interesse no plano internacional.

O que acontece é o seguinte, na época da ditadura eu tinha vergonha do Brasil, mas eu não chegava ter vergonha da diplomacia brasileira. Você pega um chanceler feito o Gibson Barboza [ministro das Relações Exteriores do governo Médici entre 1969 e 1974] ele não saía por aí defendendo a tortura. Ele evitava o assunto, procurava outras agendas. Hoje em dia não, é uma coisa muito horrorosa, é uma loucura, é a instalação da loucura como método. Método de destruição.

 

*Da Carta Maior