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Gilmar Mendes autoriza retomada de investigação contra Flávio Bolsonaro

Filho de Bolsonaro contava com duas liminares que suspendiam a apuração da suspeita de “rachadinha” em seu gabinete no Rio.

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), autorizou na noite de sexta-feira, 29, a retomada das investigações que contavam com relatórios do antigo Coaf em processo envolvendo o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro.

A decisão veio após o STF ter fixado entendimento na quinta, 28, de que é permitido o repasse de informações de órgãos de controle como a Receita Federal e a Unidade de Inteligência Financeira (UIF), o antigo Coaf, para instruir investigações criminais do Ministério Público e da polícia.

Flávio Bolsonaro contava com duas liminares para suspender a apuração da suspeita de “rachadinha” nos salários de seu gabinete quando ele era deputado estadual no Rio de Janeiro: a primeira dada em julho pelo presidente do STF, Dias Toffoli, e depois em setembro pelo ministro Gilmar Mendes, após a defesa do parlamentar alegar que o MP do Rio não havia cumprido a determinação do Supremo e continuava investigar o senador. A prática de “rachadinha” consiste na devolução de parte do salário dos funcionários para o deputado ou pessoas de confiança.

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Retomadas as investigações com dados do Coaf. Ronnie Lessa, vizinho de Bolsonaro que assassinou Marielle e Flávio são alvos

Polícia do Rio retoma 140 investigações de lavagem com base em dados do Coaf.

A Polícia Civil do Rio retomou hoje 140 investigações sobre lavagem de dinheiro e outros crimes patrimoniais, informa o Estadão.

Os inquéritos estavam paralisados havia mais de cinco meses. Foram restaurados após a queda da liminar de Dias Toffoli que suspendia o compartilhamento de informações do antigo Coaf com órgãos de investigação.

Uma das investigações retomadas tem como alvo Ronnie Lessa, acusado de assassinar Marielle Franco em março do ano passado.

Com a decisão do Supremo Tribunal Federal desta quinta-feira (28/11), caiu a liminar que paralisava os processos que utilizavam dados da Receita Federal sem autorização judicial. Com isso, volta a andar a investigação contra o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ).

Segundo o Ministério Público Federal, estavam parados 935 casos. O que deu origem à decisão do STF é o de um dono de um posto de gasolina que teve dados repassados pela Receita para o MP e foi denunciados por crimes.

O empresário alegou ilegalidade, pois nenhum juiz autorizou o repasse dos dados. O STF acolheu o pedido com decisão liminar.

A defesa de Flávio Bolsonaro foi então à Justiça reclamar que o senador passava por caso idêntico. O ministro Gilmar Mendes então suspendeu a investigação. Agora, com a decisão do Plenário, Gilmar diz que a investigação irá voltar.

 

 

*Com informações do Conjur/Estadão

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Dallagnol usou a Justiça para fugir do CNMP: chicana?

Marcelo Auler

À frente da Operação Lava Jato em Curitiba nos últimos cinco anos, o procurador da República Deltan Dallagnol, ao lado do hoje ministro da Justiça Sérgio Moro, capitaneou o discurso da necessidade de moralização da Justiça, notadamente da celeridade processual. Ao se ver na condição de réu, porém, parece que ele esquece o que pregou e acaba recorrendo ao que provavelmente chamaria de “chicana processual”.

De agosto aos dias atuais, ou seja, em apenas quatro meses, Dallagnol impetrou quatro ações distintas – algumas delas com argumentos repetitivos – para paralisar o Procedimento Administrativos Disciplinares – o PAD 1.00898/18-99 – que responde junto ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). No mesmo, é acusado de ter ferido o decoro ao criticar três ministros da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, durante entrevista à rádio CBN, em 15 de agosto de 2018.

Teoricamente, com as iniciativas, Dallagnol apenas busca exercer seu legítimo direito de defesa. Na realidade, sua prática pode esconder a tentativa de ganhar tempo para que o processo disciplinar caduque pela prescrição, o que ocorrerá em 10 de dezembro, caso até lá o plenário do CNMP não aprecie o mérito da questão. Foi o que o conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho, relator do PAD, alertou ao Procurador-Chefe da União no Paraná, Frederico Wagner Melgaço Reis. No Ofício n° 354/2019/GAB/CLF (SEI – 0294127), do último dia 12 de novembro, ele expôs:

“Conforme já salientado a Vossa Excelência em momento anterior, o PAD vem sendo continuamente suspenso por sucessivas liminares proferidas pela Justiça Federal de 1ª instância de Curitiba/PR, foro em que atua o Procurador da República requerido, tornando-se cristalinas as manobras protelatórias perpetradas por sua defesa, a fim de evitar a prolação de decisão administrativa por este órgão de controle e concomitantemente, proporcionar o implemento do termo final da prescrição da pretensão objeto do feito.”

Com um grupo de advogados comandados pelo jurista José Francisco Resek – ex-subprocurador geral da República, ex-ministro das Relações Exteriores (governo Collor), ex-ministro do STF (1992/97) e ex-juiz da Corte Internacional de Justiça (1997/2006) -, Dallagnol fez uma última tentativa de procrastinar o PAD no dia 11 passado. Ingressou com uma ação, distribuída à 5ª Vara Federal do Paraná. Nela pediu a suspensão do processo para garantir o depoimento da jornalista Liliana Frazão Pereira, ex-assessora de imprensa do MPF em Curitiba, como sua testemunha.

O juízo atendeu-o com uma liminar no mesmo dia 11 determinando o depoimento e a reabertura de prazo para as alegações finais do procurador. Tal decisão foi reiterada na quinta-feira (21/11). Mas acabou cassada pelo ministro Luiz Fux, do STF, na sexta-feira (22/11). Ele é o relator dos casos em torno deste PAD naquela corte.

Julgamento vem sendo adiado

Como destacou o conselheiro Bandeira de Mello Filho, Dallagnol recorreu sempre à Justiça Federal do Paraná, “foro em que atua”. Sua defesa alega ser o foro de onde reside. Seja como for, em Curitiba, todos os processos correm em segredo de Justiça, longe do alcance público, em mais uma contradição com o que Dallagnol sempre disse defender na Lava Jato.

A “transparência processual” apregoada por ele, seus pares no MPF e Moro na Lava Jato muitas vezes expôs indevidamente os réus das ações provocando uma condenação pública que nem sempre correspondeu à condenação judicial.

O acesso às peças processuais das ações impetradas em nome de Dallagnol só foi possível por conta da decisão de Fux que suspendeu – por ser indevido – o sigilo nas ações em tramitação no Supremo. Através daquele site o Blog leu muitos dos documentos anexados aos autos, constatando a tentativa de procrastinação denunciada por Bandeira de Mello Filho.

Verificou, inclusive, a manobra da defesa do procurador ao ingressar com a ação na 5ª Vara três dias depois de entrar com uma Ação Cível junto ao Supremo (PET 8493). Em ambas, com alegações distintas, o objetivo era suspender o PAD. No dia 11, Dallagnol e seus advogados conquistaram duas liminares atendendo o que pleitearam. A da Justiça Federal paranaense suspendia o processo disciplinar para garantir o depoimento da jornalista. A do ministro Fux paralisou o processo para debater se o CNMP poderia ou não analisar o caso em si.

A liminar de Fux, porém, foi suspensa por ele mesmo no dia 19. A da 5ª Vara Federal do Paraná foi cassada na Reclamação 38.066 impetrada no STF pela AGU a partir do ofício do conselheiro Bandeira de Mello. O despacho de Fux nesse sentido foi proferido na última sexta-feira (22/11), como noticiou a jornalista Daniela Lima, no Painel da Folha de S. Paulo.

A íntegra dessa decisão ainda não consta do site do STF. Segundo Daniela, porém, Fux mandou o colegiado do CNMP “se abster de cumprir qualquer decisão judicial daqui em diante que determine a suspensão do PAD e que não tenha sido proferida pelo próprio ministro.”

Buscando preservar a imagem

Com isto espera-se que o caso, cuja apreciação pelo CNMP vem sendo adiada desde agosto passado, finalmente entre na pauta de julgamento, na próxima terça-feira (26/11). Resta, porém, a possibilidade de um pedido de vista que arraste o PAD para a sessão de dezembro, aumentando as chances de sua prescrição. Algo que soará como uma facilitação ao procurador.

O empenho de Dallagnol e de seus advogados é para evitar que sua imagem de combatente da corrupção e de servidor que cumpre as leis seja mais atingida do que já foi com as revelações do The Intercept. No caso em si, a punição prevista, caso ocorra, como consta do voto que fundamentou a instauração do PAD perante o CNMP, terá uma penalidade quase simbólica: a censura ou até mesmo algo mais brando, como uma advertência. Penalidades administrativas de menor gravidade. Mas, de qualquer forma, afetarão ainda mais a sua reputação, que hoje já não é a mesma de antes.

Na entrevista ao Jornal da CBN, com Milton Jung, Dallagnol comentou a decisão da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal de remeter parte da delação da Odebrecht sobre ex-presidente Lula e ex-ministro Guido Mantega à Justiça Federal do DF. Desta forma o caso foi retirado da Justiça Federal em Curitiba por não ter ligação com a Petrobras, nem relação com o Estado do Paraná. Isto contrariou os interesses da Lava Jato curitibana.

Em seu comentário, o procurador da República, sem citar nomes, atacou os ministros que compuseram a maioria na votação – Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski – sugerindo que eles estariam sendo lenientes com a corrupção:

Exercício da liberdade de expressão

Dallagnol e seus advogados ponderam que ele “apenas exercera, respeitosamente e sem qualquer linguagem imprópria, seu direito fundamental à livre expressão e crítica”. Reconhecem o “juízo crítico”, mas destacam que isto foi feito “sem usar palavras de baixo calão ou imputar má intenção aos Ministros, sem ser desrespeitoso ou ter o intuito de ofender, sobre decisões proferidas por três Ministros da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal”. Não tecem comentários, porém, sobre a expressão “estão sempre se tornando uma panelinha”.

Eles também alegam que o procurador já foi “julgado” pelo Conselho Superior do Ministério Público Federal (CSMPF) onde, em 4 de abril deste ano, por maioria de votos (oito a dois), arquivou-se o Inquérito aberto para apurar sua conduta.

Com base nisso, a defesa diz que Dallagnol “está sendo processado, sem prova nova, ante o Conselho Nacional do Ministério Público, por fato pelo qual foi absolvido em prévia decisão de mérito proferida em processo administrativo a que já respondeu no Conselho Superior do Ministério Público Federal, cujo desfecho (de mérito) foi a declaração da atipicidade de sua conduta”. Sustentam, assim que ocorre uma violação do princípio do ne bis in idem”. Ou seja, recorrem ao princípio de que ninguém pode ser julgado duas vezes pelo mesmo fato delituoso.

A primeira ação movida pela defesa do procurador – a 5044818-85.2019.4.04.7000/PR, na 6ª Vara Federal de Curitiba, em 24 de agosto – foi para conseguir uma prorrogação de prazos para a apresentação das alegações finais. Da leitura das peças processuais, depreende-se que Dallagnol não levou a sério a possibilidade de uma punição. Consta que ele sequer apresentou defesa no início destes procedimentos, certamente contando com o apoio que tinha junto à opinião pública (em especial a chamada mídia tradicional), até junho passado, quando surgiu a Vaza Jato divulgada pelo The Intercept.

No caso específico do PAD, que o CNMP pretendia apreciar em agosto, pelos relatos feitos, a defesa alegou que houve troca de advogados e com isso teria ocorrido falha na intimação aos defensores que entraram. Uma tese que o relator, conselheiro Bandeira de Mello Filho, rechaçou. Ainda assim Dallagnol e seus advogados tiveram acesso à íntegra do processo e as alegações finais foram apresentadas no mês de setembro.

Juízes usurparam o poder do Supremo

A partir da leitura de todo o processo, a defesa tentou fazer um aditamento na ação da 6ª Vara, o que não foi permitido. Em consequência, impetrou nova ação distribuída à 1ª Vara Cível de Curitiba, em 14 de outubro. Nela pediu a suspensão do processo por ser uma repetição do que foi julgado no CSMPF. Também argumentou com o direito de Dallagnol à liberdade de expressão.

O juiz Friedmann Anderson Wendpap, três dias depois (17/10), concedeu a liminar determinando “a suspensão imediata e sine die do curso do PAD/CNMP 1.00898/2018-99 até decisão terminativa” do processo judicial em questão.

Contra essa decisão a AGU recorreu ao Supremo, em 4 de novembro, com a Reclamação 37.840. Alegou que o juízo de Curitiba estava usurpando um poder que pertence ao STF: “A liminar em questão também foi proferida por juízo absolutamente incompetente, uma vez que o art. 102, inciso I, alínea “r”, da Constituição Federal, disciplina que ao Supremo Tribunal Federal compete processar e julgar, originariamente, as ações contra o Conselho Nacional do Ministério Público”, defenderam os procuradores da União em nome do CNMP.

Também ponderaram que o PAD corria risco de prescrição, caso não seja apreciado pelo plenário do CNMP em dezembro, quando a sua abertura completará um ano.

Ao conceder liminar dois dias depois (06/11), o ministro Luiz Fux rechaçou os argumentos da defesa de Dallagnol, lembrando que a mais recente jurisprudência do Supremo é no entendimento de que ações contra o Conselho Nacional de Justiça e contra o Conselho Nacional do Ministério Público devem ser apreciadas pelo STF.

Ele explicou: “É que a dispersão das ações ordinárias contra atos do órgão de controle nos juízos federais de primeira instância tem o condão de subverter a posição que foi constitucionalmente outorgada ao Conselho, fragilizando sua autoridade institucional. Por certo, a própria efetividade da missão constitucional do CNMP ou do CNJ restaria prejudicada quando seus atos e deliberações são submetidos à jurisdição de membros e órgãos subordinados a sua atividade fiscalizatória.”

Insistindo na Justiça de Curitiba

Dois dias depois, em 8 de novembro, uma sexta-feira, a defesa de Dallagnol desistiu da Ação da 1ª Vara – cuja liminar foi cassada por Fux – e recorreu ao mesmo Fux com uma nova ação identificada no STF como PET 8.493. Nela repete tudo o que foi pedido na Vara de Curitiba, inclusive a suspensão do PAD que, àquela altura, estava agendado para ser apreciado no plenário em quatro dias, 12 de novembro.

Ao pedir informações ao próprio ao Conselho e o parecer da Procuradoria Geral da República, o ministro assinalou a necessidade de se correr contra o calendário. Porém, como revelou na semana passada, diante da demora da resposta pelo CNMP, na segunda-feira, dia 11/11, concedeu liminar determinando o adiamento da análise do processo na reunião do CNMP do dia seguinte. Oito dias depois, em 19/11, ele rejeitou os argumentos da defesa, suspendeu a liminar que deu e autorizou a apreciação do caso pelo plenário do Conselho.

Na mesma segunda-feira (11/11) em que Fux, às 19:41hs, determinou – tal como pedia a ação de Dallagnol ajuizada três dias antes – a suspensão do PAD, os defensores do procurador já armavam outra forma para retardar a apreciação do processo disciplinar no CNMP. Apesar de o ministro do Supremo, na decisão do dia 6, deixar claro que o foro para apreciar ações contra o CNMP é aquela corte, os advogados recorreram novamente à justiça de primeira instância no Paraná.

Instauraram um novo processo – 506378059.2019.4.04.7000/PR, distribuído à 5ª Vara Cível Federal – no qual pediam que o juízo determinasse o depoimento da jornalista Liliana Frazão Pereira, ex-assessora de imprensa da Procuradoria da República em Curitiba.
Uma nova tentativa de procrastinar

Mais uma vez, o que aparentemente pode sugerir um movimento em torno da ampla defesa do acusado, na realidade guardou sinais de mera procrastinação.

Afinal, em 20 de setembro, portanto quase dois meses antes, o relator do PAD no CNMP, conselheiro Bandeira de Mello Filho acatou o pedido da defesa e marcou o depoimento da jornalista, por vídeo conferência, para o dia 30 daquele mês. Seis dias depois, um e-mail do gabinete da chefia da Procuradoria da República do Paraná explicava que a servidora, em férias e com viagem marcada, não teria como atender à intimação.

Em despacho de 27 de setembro o conselheiro desistiu de ouvi-la alegando em síntese que “as testemunhas arroladas pela defesa não presenciaram os fatos e somente reproduziram impressões pessoais quanto à conduta do Procurador, o que vai de encontro ao que dispõe o art. 213 do CPP. Somado a isso, quando a defesa foi questionada se haveria diligências complementares a requerer, a resposta foi negativa“.

Também justificou a decisão com a questão da prescrição do processo: “Impende salientar que, naquele momento processual, o pedido extemporâneo de oitiva de testemunha arrolada pela defesa não causaria prejuízos ao normal andamento do feito. Contudo, o cenário processual sofreu modificações em virtude do transcurso do tempo e do ajuizamento de ações judiciais pela defesa. Por prudência, este Conselheiro Relator entende não ser plausível aguardar o retorno de férias da servidora, isto é, mais de 20 (vinte) dias”. E acrescentou:

“Insta consignar que, na condição de julgador, destinatário final das provas produzidas, calcado no princípio da persuasão racional, concluo que os elementos da prova já produzidos são suficientes para a formação do meu
convencimento, sendo despicienda a oitiva da testemunha, mormente pelo fato da defesa já ter adiantado em sua peça colacionada às fls. 699/790, que objetiva somente demonstrar a boa-fé do processado, por meio da oitiva da servidora, a qual confirmaria que a entrevista concedida à CBN tinha como “propósito abordar outros temas, e que foi tão-só em razão de uma pergunta descontextualizada de um jornalista que surgiu a discussão sobre o teor de decisão proferida pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal”.

Ou seja, em 27 de setembro a defesa já sabia que o conselheiro não mais ouviria a testemunha por conta das férias dela, da pouca importância que dava ao seu testemunho e da ameaça de prescrição do caso. Dallagnol e seus advogados poderiam ter recorrido disso imediatamente, mas só foram ajuizar a ação para impor o depoimento da jornalista no dia 11 de novembro, 31 dias úteis (ou 45 dias corridos) após Bandeira de Mello Filho abrir mão do testemunho. Algo que, sem dúvida, cheira a mera procrastinação.,

A decisão da 5ª Vara, como já se disse, acabou cassada por Fux, na última sexta-feira, dentro da Reclamação 38.066 interposta pela AGU, alegando mais uma vez a usurpação do poder do STF pelo juizado de primeiro grau, tal como o próprio ministro reconheceu anteriormente. Isto, aliás, foi destacado pelo conselheiro Bandeira de Mello no ofício dirigido à AGU. Ali ele expôs:

“Parece-me, assim, que a defesa do acusado, mesmo já ciente do entendimento externado pelo Ministro Luiz Fux nos autos da Reclamação Disciplinar nº 37.840, utilizou-se mais uma vez do subterfúgio de acionar a primeira instância da Justiça Federal para buscar a suspensão do julgamento do feito, numa manobra que buscou se esquivar do cumprimento daquilo que determinara a decisão do STF.”

O “subterfúgio” apontado pelo conselheiro acabou sendo desmontado, sem que a defesa conseguisse, pela via judicial, adiar novamente o julgamento do mérito do PAD. Resta ao plenário do Conselho Nacional do Ministério Público encarar a questão e decidir se o procurador, como cidadão, apenas fez uso do seu direito de livre manifestação do pensamento ou, ao fazê-lo, extrapolou nos comentários, desrespeitando e ofendendo ministros da mais alta corte do país, o que significa a falta de decoro.

Aparentemente a decisão será tomada nesta terça-feira. A não ser que algum conselheiro resolva pedir vistas do caso, arriscando colocar no seu colo o risco da prescrição do processo. Medida que, sem dúvida, provocará a impunidade do procurador. Mas jamais lhe retirará a pecha de ter fugido do julgamento que, em última análise, pode até lhe absolver.

 

 

*Do Blog do Marcelo Auler

 

 

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“Lava jato” fez pesquisa interna e concluiu que Moro foi parcial com Lula

Um levantamento interno feito pela força tarefa da operação “lava jato” apontou que a atuação de Sergio Moro como juiz , ao divulgar as conversas de Lula com a então presidente Dilma Rousseff, destoou de tudo o que vinha sendo feito por ele até então.

Essa pesquisa interna veio à tona neste domingo (24/11) em reportagem em conjunto entre jornal Folha de S.Paulo e o The Intercept Brasil a partir das mensagens vazadas entre os procuradores do MPF. O levantamento foi feito em março de 2016 e tinha como finalidade reforçar o argumento de Sergio Moro de que ele atuou no caso Lula e Dilma de forma padrão, como vinha fazendo em outros.

A procuradora Anna Carolina Resende, do gabinete do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu à força-tarefa da operação em Curitiba um levantamento sobre outros casos em que o então juiz Sergio Moro tivesse adotado o mesmo procedimento.

Duas estagiárias receberam a missão, mas, ao cumpri-la, tiveram que dar a má notícia: ao analisarem as decisões de Moro, ficou claro que ele agiu com Lula e Dilma de forma que quase nunca agia. Divulgar os áudios grampeados não era o padrão.

A divulgação do áudio por Moro é um dos argumentos de Lula no Habeas Corpus impetrado no Supremo Tribunal Federal contestando a imparcialidade do atual ministro da Justiça quando atuava como juiz em seu caso.

Em março de 2016, Moro divulgou áudios de conversas entre Lula e Dilma no mesmo dia que a presidente indicou o petista como ministro da Casa Civil. Os áudios mostravam preocupação de Dilma de que Lula pegasse o termo de posse. O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, acolheu argumento de que a nomeação feria o espírito público e impediu a posse.

Em nota, o MPF defendeu Moro e disse que o nível de sigilo dos processos é avaliado de acordo com a gravidade dos crimes. Leia a íntegra:

Diante a matéria publicada nesta data pela Folha de São Paulo, intitulada “Moro contrariou padrão ao divulgar grampo de Lula, indicam mensagens”, a força-tarefa da operação Lava Jato vem esclarecer que:

1. O veículo não reproduziu as informações prestadas pelo Ministério Público Federal, impedindo que seus leitores tivessem a adequada compreensão do tema.

2. O exame das diversas decisões judiciais nas várias fases da Lava Jato mostra que os casos revestidos de sigilo, após deflagradas as operações, foram classificados com nível de sigilo 1 (um) entre a primeira e a sexta fases, e foram classificados com nível 0 (zero) da sétima fase em diante, em três dezenas de fases seguintes. Em tais casos, havia informações sob sigilo para proteger a intimidade, como informações de conversas telefônicas e telemáticas e dados fiscais, bancários e telefônicos.

3. A mudança de padrão teve uma justificativa concreta, que foi a maior gravidade dos crimes revelados: “Entendo que, considerando a natureza e magnitude dos crimes aqui investigados, o interesse público e a previsão constitucional de publicidade dos processos (artigo 5º, LX, CF) impedem a imposição da continuidade de sigilo sobre autos. O levantamento propiciará assim não só o exercício da ampla defesa pelos investigados, mas também o saudável escrutínio público sobre a atuação da Administração Pública e da própria Justiça criminal.”

4. As decisões, portanto, seguiram um princípio claro: quanto maior a gravidade dos fatos, menor o grau de sigilo. A decisão no caso envolvendo o ex-presidente Lula seguiu esse mesmo princípio, sendo devidamente fundamentada.

5. Aplicando o mesmo princípio para os autos de interceptação telefônica da 7ª fase da Lava Jato, como no caso envolvendo o ex-presidente, o sigilo foi reduzido a zero (autos 5073645-82.2014.4.04.7000). Em diversos outros casos os relatórios de interceptação telefônica foram juntados a autos com sigilo nível zero, como nos desdobramentos da 22ª fase, envolvendo a empresa Mossack Fonseca.

6. Cumpre registrar, ainda, que eventual juntada de áudios aos autos do caso envolvendo o ex-presidente Lula não ocorreu por ordem judicial ou pela atuação da Justiça, mas sim da polícia federal (cf. se observa nos despachos dos eventos 135 e 140 dos autos 5006205-98.2016.4.04.7000).

7. Mais uma vez se demonstra que supostas mensagens, obtidas a partir de crime cibernético, sem a comprovação de sua autenticidade e integridade, são insuficientes para verificar a verdade de fatos ocorridos na Operação Lava Jato. Em uma grande operação, com o envolvimento de dezenas de procuradores e centenas de servidores de diferentes órgãos, a comunicação, para além do aplicativo hackeado, sempre ocorreu por reuniões presenciais, conversas por telefone, uso de outros aplicativos e outros meios de comunicação.

8. A reportagem da Folha, assim, equivoca-se ao dar crédito para suposto levantamento de estagiários, com base em supostas mensagens, o que resulta em uma deturpação dos fatos, em prejuízo de sua adequada compreensão pelos leitores.

 

 

*Do Conjur

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O STF ainda deve ao Brasil a prisão de Moro

Não é sem motivo que a milícia chegou ao poder. Não é sem motivo que o país assiste ao genocídio de negros e pobres nas periferias e favelas brasileiras, sobretudo no Rio de Janeiro. Não é sem motivo que os assassinos de Marielle hoje dão as cartas na conceituação de política pública de privatização e desmonte do país. Tudo isso e muito mais só foi possível porque, como disse Gilmar Mendes, o PCC, nascido no aparelho judiciário do Estado com o nome de Lava Jato, construiu bases recíprocas de práticas criminosas junto com a mídia.

Se o Brasil assistiu ao fuzilamento, com 80 tiros, de uma família pelo próprio exército brasileiro, o suicídio do reitor de uma universidade federal por falsas acusações de uma delegada da Lava Jato, crianças como Ágatha serem assassinadas com tiros de fuzil pela própria polícia, a culpa original é de Moro e sua Lava Jato. Moro como produto e, principalmente a Globo como propagandista do terror. Os ataques aos índios e quilombolas que se intensificaram porque esse governo foi eleito para sublinhar a linguagem de servos dos ricos e monstros contra os pobres, transformando assassinos em mitos, genocidas em escravos da dinâmica ensandecida de execução dos pobres não importando a idade, mas sim o lugar onde moram e, sobretudo, a cor da pele.

Somente assim o povo brasileiro elucidará e extirpará essa linguagem de “excludente de ilicitude” que passou a ser praticada no Brasil antes mesmo de ser votada e legalizada pelo congresso.

Esses assassinatos informais vêm da judicialização miliciana e seus conceitos sincronicamente produzidos pelas normas e nexos do entendimento que tomou conta da estrutura do Estado brasileiro, assim como o dia do fogo na Amazônia, promovido por grileiros, jagunços, garimpeiros e outros bichos soltos que se sentiram estimulados pelo chamado do Planalto e pela maneira absoluta da prática de crimes nesse país a partir dos pistoleiros da Lava Jato, assim como também não há diferença entre os atos na Amazônia e a atitude criminosa do governo federal em virar as costas para a calamidade do vazamento de óleo no litoral nordestino que, agora, chega ao litoral do Sudeste.

Claro que a liberdade de Lula é a pedra fundamental para que o país possa respirar ares democráticos, respeitar a constituição e a civilidade, dando um basta na selvageria bolsonarista que nasceu e se nutriu no lavajatismo curitibano, o mesmo que fez a fusão política entre Moro e Bolsonaro, entre a república de Curitiba e Rio das Pedras e que colocou Moro, um juiz corrupto, e Queiroz, um miliciano faz tudo de Bolsonaro, com a mesma patente.

Tudo isso ainda está aí e precisa ser objeto de uma asfixia para que o país volte a respirar democracia, justiça e direitos para todos.

A partir de agora não dá para imaginar Lula livre e Moro solto. O mesmo Moro que, com a farsa de se embalar como o herói do combate aos poderosos, hoje persegue o porteiro que denunciou à polícia que a voz de comando para que os milicianos que mataram Marielle entrassem no condomínio, é a do próprio Bolsonaro.

Então, esse juiz corrupto e ladrão, como bem disse o deputado Glauber Braga, que postulava chegar à Presidência da República ou mesmo a uma cadeira no STF, tem que ser freado e extirpado do mundo civilizado, preso e condenado por uma série de crimes que cometeu utilizando as instituições do Estado e que, agora, transformou-se em parceiro formal do maior núcleo político da bandidagem carioca para servir aos propósitos do patrão e aos seus próprios.

É nesse sentido que o STF tem que caminhar, além de anular todas as acusações, pela Lava Jato, que pesam sobre Lula e sobre tantos inocentes, colocando um fim na era de terror político em que o delito era praticado sob a orientação do juiz que concorreu com circunstâncias criminosas tão graves quanto as da milícia de quem, hoje, o juiz é um servo como ministro de Estado.

 

*Carlos Henrique Machado Freitas

 

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Urgente! Lula poderá ser libertado: STF votou contra a prisão após 2ª instância, 6 a 5

O Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento da proibição da possibilidade de prisão em 2ª instância. Na prática, decidiram retomar a constituição e votaram por Lula Livre.

Na quinta sessão de julgamento sobre o assunto, a maioria dos ministros entendeu que, segundo a Constituição, ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado (fase em que não cabe mais recurso) e que a execução provisória da pena fere o princípio da presunção de inocência.

Votaram contra a prisão após julgamento em 2ª instância os ministros: Marco Aurélio Mello (Relator), Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Celso de Mello, Gilmar Mendes e Dias Toffoli.

O julgamento concluído na noite desta quinta-feira (7) foi das ADCs (ações declaratórias de constitucionalidade) 43, 44 e 54, proposituras da OAB, PATRIOTA e PCdoB.

A sessão foi dramática, chegando ao voto decisivo do presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, empatada em 5 a 5.

 

*Com informações do A Postagem

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Senadores de direita saem tristes de conversa com Toffoli e concluem: STF deve derrubar prisão em 2ª instância

O julgamento sobre a prisão após 2ª instância será retomado nesta quinta-feira (7).

Um grupo de 12 senadores se reuniu nesta terça-feira (5) com o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, e entregou ao ministro uma carta defendendo a tese da Lava Jato da execução da pena após condenação em segunda instância. A Corte retoma a discussão sobre o tema nesta quinta, 7. O voto de Toffoli pode libertar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso em Curitiba (PR) epois e ser condenado na segunda instância.

O senador Marcos do Val (Podemos-ES) saiu do encontro com a impressão de que Toffoli vai votar pela possibilidade de prisão apenas depois do esgotamento de todos os recursos (o chamado “trânsito em julgado”).

“O sentimento que tivemos é que o STF vai votar pelo trânsito em julgado, derrubando assim a prisão em segunda instância. O ministro disse que não vê como cláusula pétrea, portanto caberá ao Congresso a alteração no Código Penal ou na própria Constituição”, disse ao jornal O Estado de S.Paulo.

Ainda faltam votar quatro ministros: Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Toffoli.

Já se posicionaram contra a execução antecipada da pena os ministros Ricardo Lewandowski, Rosa Weber, e o relator das ações, Marco Aurélio Mello.

Os ministros Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso votaram favoráveis a possibilidade de prisão após condenação em segundo grau.

 

 

*Com informações do 247

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Gilmar Mendes promete liberar ação em que defesa de Lula pede suspeição de Moro e chama o ex-juiz e Dallagnol de mequetrefes

Em entrevista ao EL PAÍS, ministro do Supremo faz críticas ao que chama de abusos do Ministério Público e questiona se a operação que nasceu em Curitiba ainda é necessária. Ele promete liberar em novembro ação em que defesa de Lula pede a suspeição de Sergio Moro.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes (Diamantino – MT, 1955), é mais ou menos popular, a depender das causas que defende com a veemência que lhe é característica. Desde junho, encontrou nos vazamentos do The Intercept uma fonte que corrobora suas críticas ácidas aos métodos da Operação Lava Jato, regozijo para o público da esquerda. Hoje, se pergunta se a Lava Jato ainda é necessária como operação especial. Mesmo com a possibilidade de solicitar acesso às mensagens dos hackers acusados de invadir os celulares das autoridades, Mendes garante que não teve curiosidade de ver seu conteúdo. Em conversa de uma hora e quarenta minutos com o EL PAÍS – filmada por uma equipe da documentarista Maria Augusta Ramos –, o ministro distribuiu ironias, defendeu a força da Corte, disse que a prisão de Lula deu-se num ambiente de total destruição do ambiente político, e garantiu que em novembro será julgado o caso de suspeição do ex-juiz Sergio Moro.

Pergunta. Estamos em um momento mundial em que vários sistemas judiciários se fragilizam. O Brasil está ameaçado?

Resposta. Não me parece que haja essa possibilidade. A não ser que, de fato, outras coisas viessem a ocorrer. Por exemplo, a formação de uma maioria, como aconteceu na Hungria ou na Polônia, opressiva, e que fosse servil a um dado entendimento. Mas se a gente olhar o quadro pluripartidário brasileiro, temos os dois partidos que lideraram as eleições, PT e PSL, cada um conseguiu 50 e poucos parlamentares, em 513. Nem 10%. E todos são dependentes, para construção básica de Governo, de apoio de outras forças. Por isso, num quadro de normalidade, não parece possível que isto aconteça. Mesmo numa vitória retumbante de um presidente, vamos conviver com um pouco de fragmentação, o que é bom para o equilíbrio democrático. Não vejo esse risco neste momento.

P. Mas temos outros movimentos de pressão como a Lava Toga, pedido de impeachment do Gilmar Mendes…

R. É claro que temos vivido situações muito especiais. Esse ataque a instituições, isso que vem sendo revelado e que nos levou a abrir aquele inquérito [de fake news sobre o Supremo]. Porque o tribunal vem sendo alvo de ataques, às vezes, por entes invisíveis, ou não exatamente invisíveis. Vocês podem reconhecer a boa qualidade das peças que circulam contra o Tribunal. Há conteúdo e elaboração que é feito por alguém, que está sendo financiado. Muitas vezes, vemos que, por trás desse tipo de intenção [pedido de impeachment de integrantes da Corte, por exemplo], há uma desculpa para desestabilizar, amedrontar, ou conseguir seus desideratos por uma via coativa. Isso se usou no Brasil. A abertura de inquérito para investigar ministro do STJ, o presidente e um outro, se deu neste contexto. E qual foi o resultado? O STJ perdeu qualquer função em seu sistema de controle. Ficou um Tribunal amedrontado. A partir de uma acusação estapafúrdia, feita pelo senador Delcídio [Amaral], foi levado para o ‘pelourinho’ o presidente do STJ [na época, Francisco Falcão] e outro juiz [Marcelo Navarro]. Acusados de supostamente terem dado decisões favoráveis a Marcelo Odebrecht – fruto de uma possível combinação com a Dilma. Um fato que não era nem provável, nem provado. Transformou-se, portanto, num elemento de coação. Eu denunciei o absurdo de terem aberto esse inquérito. Até que ele, de fato, foi encerrado. Precisamos prestar atenção. E há também essa deslegitimação. Em que a mídia convencional também foi parte.
Coleção de camisetas do ministro Gilmar Mendes, em seu gabinete no STF.

P. O senhor já falou em “lavajatismo militante” da imprensa. Pode dar um exemplo?

R. Eu acabei de dar uma entrevista à Rede Globo e eles me perguntaram: “O senhor não acha que causou esses ataques que sofreu na rua?”. Eu disse não, não fui eu que causei, vocês causaram. Vocês são os autores. Eu dialogo com a Globo desde o ano passado. Disse até, em tom de brincadeira, ao Ali Kamel: “Se minha mulher ficar viúva, é capaz que ela mova uma ação contra vocês, porque vocês estão causando isto”.

P. Não é exagero atribuir tanto poder à imprensa? Temos que admitir que o clima entre instituições não favorece um noticiário positivo…

R. Vou lembrar um caso ao qual não temos dado muita atenção, o assassinato do Pinheiro Machado, em 1915. Ele tinha sido condestável do Governo Hermes da Fonseca, e foi morto na rua no Hotel dos Estrangeiros, no Rio de Janeiro. Tinha ido lá receber uma delegação de políticos e alguém lhe deu uma facada. Depois de muita investigação e teorias conspiratórias, concluiu-se que os jornais da época tinham ascendido na cabeça de um fanático a ideia de que a solução para os problemas do país estava na eliminação do Pinheiro Machado. Vocês podem produzir isso. E de fato era muito comum eu decidir um habeas corpus na [Segunda] Turma e se dizer: “Gilmar soltou”. A imprensa tem muita responsabilidade. Eu tenho a impressão, usando uma expressão machadiana, de um conúbio espúrio entre a imprensa e a Lava Jato. Haverá motivos nobres – eles estavam imbuídos no sentido de combater a corrupção. E outros não nobres. A mídia recebia essas informações vazadas, de alguma forma era conivente com os vazamentos. Tanto é que esses vazamentos ocorreram sistematicamente, e nós não temos ninguém punido por isso. Eu vejo as pessoas hoje muito críticas em relação ao hackeamento [dos celulares dos procuradores da Lava Jato]. E quanto a esse episódio eu digo: hackeamento é crime, igual a vazamento.

P. Mas o STF pediu alguma investigação? Por que o inquérito das fake news, que o senhor tem defendido, usa como argumento que o MP e a Polícia Federal não deram a devida atenção às ameaças.

R. Foi pedido, várias vezes. Temos um caso que está na [Segunda] Turma já há algum tempo, e quase que identificados os autores – que é o gabinete do procurador-geral –, envolvendo um episódio da Odebrecht. Trata-se de um vazamento que custou muito aos funcionários da Odebrecht, acho que no Peru e na Venezuela. E a empresa reclamou, porque desestabilizou seus representantes por lá. Nós pedimos aqui [uma investigação]. O ministro [Edson] Fachin determinou à Procuradoria, e até hoje acho que não houve resposta. Mas o vazamento ocorreu de forma muito grave. No The Intercept aparece esta questão, em que Moro e Dallagnol conversam sobre a necessidade de um vazamento.

P. O senhor está dizendo que o STF tem demandas que não são atendidas e por isso decidiu usar o regimento interno, de uma forma criativa, para dar conta de suas próprias solicitações?

R. Na verdade, isto é um remédio, que já havia no texto constitucional anterior. Mas vocês incorporaram uma discussão que me parece equivocada. O próprio poder investigatório do MP é uma decisão recente do Supremo Tribunal Federal. Na qual o Tribunal, compreensivamente até, fez uma construção. Tínhamos em muitos casos um conflito entre a polícia e o Ministério Público. E quem era o investigado, muitas vezes era a polícia, auto-investigando-se. Nós sabemos de muitos crimes cometidos pela própria polícia, seja civil ou militar. Nestes casos, o MP, que é órgão de controle, poderia fazer de maneira mais adequada essas investigações. Mas como isto se fez num construto, desandou num festival de abusos. Abriram-se muitas investigações sem freios e contrapesos. Porque a investigação feita pela polícia está submetida a um juiz. Já a do Ministério Público ficou uma alma penada solta no sistema. Mas são ajustes que teremos que fazer. Não podemos ficar muito aflitos. Estamos vivendo 31 anos de normalidade institucional, um pouco mais talvez, se consideramos 1985. É um curto período. Mas é também o mais longo período de normalidade institucional do Brasil republicano, pelo menos.

P. Mas neste período, o Brasil passou por dois processos de impeachment.

R. Mas o que é o impeachment, independentemente das considerações particulares que a gente possa fazer? De alguma forma, é um modelo de parlamentarização de um sistema presidencial. Porque, dependendo da tendência política alguém vai poder dizer que o impeachment do Collor foi justo, mas o da Dilma foi injusto. Mas, nos dois casos, havia uma crise de governabilidade. Chegou um momento em que o sistema já não mais funcionava. Collor tinha problema de corrupção. Evidente que tinha. No mensalão, nós tínhamos também problema de corrupção e se optou por não fazer o impeachment

P. O regime interno do STF já foi usado até para censura de matéria de uma revista. Este instrumento compete com a Constituição?

R. É um tipo de competência das competências. É o Tribunal no limite. Mas não há muita novidade nisso. Nós abrimos os inquéritos aqui, e presidimos os inquéritos, que depois resultam em denúncias. A própria investigação do MP, como eu disse, é algo recente. O resultado é que isto acabou se transformando em algo principal. O MP passou a fazer investigações nesse modelo de empoderamento. É claro que devemos estar preocupados. Nós temos que buscar reinstitucionalização, tanto quanto possível. Limitar as idiossincrasias do sistema, de alguma forma. E eu posso dizer, até com certo orgulho, que eu tive uma visão antecipatória.

P. O senhor poderia dar um exemplo?

R. A Lei de Abuso de Autoridade, esse projeto que está sendo aprovado, constou naquele pacto republicano que assinei, em nome do Supremo Tribunal Federal, com os presidentes da Câmara, do Senado, e com o presidente Lula. Esse projeto foi gestado aqui, no CNJ. O ministro Teori [Zavascki] participou da sua feitura. Também o Everardo Maciel [ex-secretário da Receita Federal]. Em suma, o projeto inicial, que foi apresentado no Congresso pelo deputado Raul Jungmann [PL 6418/2009] nasceu disso. Porque eu percebia que era fundamental naquele contexto já termos uma lei de abuso de autoridade. E veja que, toda hora, ela esbarrava em obstáculos. Às vezes, era um delegado que era relator, às vezes era um policial, às vezes era um membro do MP que não aceitava. E não ia adiante. Agora, por ironia, neste contexto, de um governo todo diferente, é que se conseguiu aprovar essa lei, que, independentemente do conteúdo que lá esteja – alguém vai polemizar se tem exagero ou não –, é um avanço na contenção dos abusos que sistematicamente se perpetravam.
Quadros pendurados no gabinete do ministro Gilmar Mendes, no STF.

P. Sobre a lei de abusos a autoridades, já tivemos relatos de procuradores que estão se autocensurando em investigações por medo dessa lei…

R. Até aqui, eu não consigo nem ver razões para isso. Se trata de um projeto de lei que ainda está no período que chamamos de vacatio legis, só vai entrar em vigor em janeiro.

P. Mas só faltam três meses.

R. Pois é, mas alguém dizer que não vai decidir alguma coisa porque na lei, futura, haverá uma punição, é uma coisa muito curiosa. Vem de uma desconfiança que eles têm em relação a si mesmos. Eu até tenho falado que, em relação a Lava Jato, eles [os procuradores] são melhores publicitários do que juristas. Esta afirmação que eles fazem de que haverá um prejuízo para a investigação, é uma coisa de caráter publicitário. Das leis que eles aplicam em relação aos outros, eles não se queixam. E são leis absurdamente genéricas, oportunistas. A Ficha Limpa, muito genérica. A Lei de Improbidade Administrativa, que foi aprovada com Collor, muito genérica. Há uma queixa muito grande hoje de todos os agentes políticos dizendo que o MP quase que assume a gestão dos seus municípios. Esses dias, o governador [João] Doria fez uma assertiva peremptória em relação a isso: é preciso limitar os poderes do MP, que fica toda hora intervindo em áreas que não têm nada a ver com a sua atividade. Portanto, essas queixas que eles fazem, outros fazem com relação ao MP. Temos que buscar um equilíbrio, em que não se afirme o nosso poder absoluto, e que nós reconheçamos que o sistema de equilíbrio tem a ver exatamente com checks and balances. É preciso que isso seja cultivado, que todos nós façamos a autocrítica ou que admitamos crítica de outro.

P. Ministro, foi uma autocrítica que o fez mudar de ideia sobre a prisão após a segunda instância? Em 2016, o senhor apoiou. Recentemente, chamou de “experimento institucional”. O que mudou?

R. Várias coisas mudaram. O que nós tínhamos até 1988 [ano da promulgação da Constituição]? A regra era que com a decisão de segundo grau mandava-se as pessoas para a cadeia. Pós-88, continua assim também o entendimento do Tribunal. Eu cheguei aqui em 2002, já se vão 16 anos. E se falava a mesma coisa: com a decisão de segundo grau pode-se mandar a pessoa para cadeia e ponto. Portanto, começava-se uma execução provisória. Mas com a história de 1988 [e a Constituição], tivemos uma regra muito clara dizendo que a presunção de inocência só se encerra com o trânsito em julgado. O que passou a acontecer? Nós tivemos até um episódio do processo do ministro Dias Toffoli, que envolvia o ex-senador Luiz Estevão, em que houve toda a série de recursos e ao fim o ministro Toffoli se penitenciava e dizia: “Se eu não decidir isso hoje, isso vai resultar em prescrição”. Neste contexto, nós começamos a confabular sobre a necessidade de, em determinados casos, encerrar esse curso dos recursos procrastinatórios, que, em geral, beneficia sempre as pessoas que têm mais recursos. Naquele caso, o processo ficou dez anos com recursos sucessivos. Essa questão voltou para a turma e o ministro Teori trouxe um processo para julgamento, em que nós discutimos e dissemos: “Nós poderíamos admitir pelo menos a possibilidade de o juiz, encerrada a decisão de segundo grau, já determinar o cumprimento da pena”. Aí você diz, isto vai violar o texto constitucional. Nós dissemos: “Poderá haver, em determinados casos, a suspensão por parte dos tribunais superiores, que seríamos nós e o STJ”.

P. Mas o que ocorreu é que a prisões em segunda instância se tornaram regra no âmbito da Lava Jato, mas não só.

R. Veja, isso foi feito em um ambiente alheio à Lava Jato, nada tinha a ver com a Lava Jato. O que aconteceu na prática? Como aconteceu no caso que citei do MP, em que a investigação deveria ser subsidiária e se tornou principal. A Dra. Raquel [Dodge] me falava que o Dr. Janot deixou 800 PiCs, que é o nome dessa investigação, procedimento de investigação criminal, abertos na Procuradoria. Portanto, sem nenhuma limitação. Então, o que aconteceu na vida prática? A generalização da prisão a partir do segundo grau. O Tribunal Regional do Rio Grande do Sul, e não por acaso, estabeleceu uma súmula dizendo que, havendo a decisão de segundo grau, manda-se para a cadeia. Então a partir daí, nós dissemos: “Erramos a mão”.

P. Em sua opinião, qual o futuro da Operação Lava Jato?

R. Eu não sei se é ainda necessária. Ainda tem corrupção na Petrobras? Quais são os casos? O que remanesce? Porque eu tenho a impressão de que a força-tarefa é uma medida excepcional para situações excepcionais. No mais tem que funcionar com a rotina, com o número de procuradores e uma Procuradoria normal. Atividade normal, um juiz normal, que não estabeleça relações promíscuas com os membros. O juiz é um órgão de controle, ele não é agente de investigação. E esta confusão se estabeleceu também por causa disso.

P. O conteúdo que se conhece hoje do The Intercept já está influenciando as decisões da Corte?

R. Tenho a impressão que sim. É muito difícil ter elementos probatórios inequívocos. Tenho a impressão de que há alguns “Josés” arrependidos por aí.

P. O senhor é um desses “Josés” arrependidos?

R. Não, não. Até porque, na verdade, estou gozando de uma posição bastante curiosa. Em algum momento no trânsito de 2015, 2016, eu percebi que havia algo de anormal com a concepção da própria Lava Jato.

P. Quando exatamente percebeu que havia algo errado com a Lava Jato?

R. É difícil dizer. Mas tenho uma cronologia das vezes em que falei sobre as prisões abusivas de Curitiba. Cheguei a dizer: temos um encontro marcado com as prisões alongadas de Curitiba. Isso vinha chamando a atenção de que já estavam usando a prisão preventiva não como uma prisão preventiva normal, mas com o objetivo de obter confissões ou delações.

P. Houve algum fato específico que o fez concluir que alguns abusos estavam ocorrendo?

R. Em termos políticos me impressionou bastante a investida que a Lava Jato faz no campo legislativo, as tais 10 medidas [contra a corrupção]. A coleta de dois milhões de assinaturas para levar ao Congresso. Isto não foi ainda bem analisado, mas eram propostas visivelmente autoritárias. Para citar duas delas: a que estabelecia a possibilidade de aproveitamento de prova ilícita, feita de boa fé. E outra que acabava praticamente com a concessão de habeas corpus. E uma pressão enorme, usando do prestígio da força-tarefa, sobre o Congresso para que se aprovasse aquelas medidas, num momento em que a política toda estava muito debilitada. A mim me pareceu que ali estava um ovo da serpente. Tanto é que comecei a falar muito fortemente contra as 10 medidas.

P. O senhor chegou a se manifestar a respeito?

R. Tive até um debate no Senado Federal, em que o Moro estava. Vieram também juízes e promotores e eu falei claramente que o Congresso precisava rejeitar as medidas. Mas isso é um processo. Quando, em 2017, tivemos o debate da homologação do acordo do Joesley [Batista], eu fui uma voz praticamente isolada. Na presença do [Rodrigo] Janot eu disse que aquilo tudo era absolutamente anormal. E aqui também, como relator de vários processos da Lava Jato do Rio, também estabeleci limites para as prisões. Casos que felizmente foram confirmados pela Corte, pela nossa Segunda Turma. Em suma, fui ganhando a ideia de que no combate a corrupção tinha desvios.

P. Estamos falando sobre abusos que acontecem com uma classe privilegiada, sua maioria homens brancos e ricos. Mas não sentimos essa pressão institucional por melhoras quando falamos dos mais pobres. Até quando este debate vai ficar segregado?

R. Eu acho que é uma ilusão quando as pessoas dizem que agora estamos prendendo os ricos, ainda que de forma abusiva, e isto faz justiça em relação aos pobres. Acho uma ilusão. Dar licença para cometer abusos contra os ricos significa dar licença ainda mais intensa para ferir os pobres.
Gilmar Mendes gesticula durante a entrevista ao EL PAÍS.

P. Mas para os pretos e pobres essa licença já existe.

R. Mas certamente isso agrava. Se não há limites em relação aos ricos, não haverá em relação aos pobres. E é importante, por exemplo, o trabalho que faz aqui a Defensoria Pública da União, que traz casos interessantes como aquele sujeito que é tipificado como traficante, mas que podia ser qualificado como usuário; ou o sujeito que entra no tráfico porque tem que sustentar seu próprio vício. A gente vê que a jurisprudência que vem dos tribunais é muito mão pesada. E tentamos atenuar um pouco. As próprias condições dos presídios. Os calabouços estão cheios de pretos e pobres. Por isso, a gente tem que de fato olhar de forma muito clara para essa temática. O Direito vale para pobres e para ricos.

P. A prisão do Lula contribuiu para a instabilidade política do país?

R. Eu acho que a prisão do Lula só é viável num contexto de total destruição do sistema político, e é isso que a Lava Jato conseguiu. Nada foi mais delirante que aquele episódio do Joesley [Batista], onde o [procurador Rodrigo] Janot chega a dizer que iria investigar ministros do Supremo. O STF permaneceu intacto, mas o sistema num todo foi levado de roldão. O STJ foi levado de roldão. De fato, se deu poder para gente muito chinfrim, muito ruim, mequetrefe do ponto de vista moral e do ponto de vista intelectual. Foi essa a combinação que produziu a mídia e esse empoderamento [do MPF].

P. O senhor pediu vista no julgamento do recurso do ex-presidente Lula, pedindo a suspeição do juiz Sergio Moro. Quando o STF vai voltar ao tema?

R. Em novembro a gente volta nisso.

P. O senhor já defendeu que prender provisoriamente com base em delação “é erro crasso”. Teremos que voltar a discutir a legitimidade do instrumento delação?

R. Eu tenho a impressão de que o instrumento veio para ficar. É difícil pensar na sua eliminação. Em determinado tipo de crime, em que não se tem indícios evidentes, é preciso de, vamos chamar assim, uma prova um tanto quanto heterodoxa. Agora, por ser heterodoxa nós temos que ter muito cuidado. Por exemplo, agora mesmo o ministro Nefi [Cordeiro] do STJ declarou que a delação feita de acusado ou investigado preso é algo equivalente a uma tortura. É uma questão muito delicada. Um ex-senador, que esteve preso por três anos em Curitiba, teria declarado a conhecidos seus que era acordado na madrugada, convidado a fazer delação, e com os nomes indicados. São práticas que nada têm a ver com o estado de Direito. E isso está ocorrendo sob às vistas de um juiz federal e sob o patrocínio de membros do MP. Isso não é numa delegacia do interior do país. É algo bastante sério. Por isso, precisamos pensar bem sobre o que vai ser reformulado no ambiente da delação premiada, assumindo que se trata de um instrumento importante. Até porque, o uso político disso é um aspecto que não conhecíamos.

P. O vazamento dessas delações seriam um desses usos políticos?

R. Tenho falado com a imprensa quando vem falar do hackeamento e do episódio do Intercept. Eu digo, e os vazamentos, que eram sistemáticos? A lei da delação estabelece que, em princípio, só se revela o conteúdo da delação depois do recebimento da denúncia. Portanto, depois de instaurado o processo criminal. Não obstante, a Procuradoria encontrou uma brecha: colocava um direito de renúncia do delator, que dizia que concordava com a divulgação antecipada. E isso enchia o Jornal Nacional. Mas veja, essa renúncia não faz sentido. O colaborador está renunciado só à exposição em relação a ele mesmo. Mas está expondo todas as outras pessoas que estão estão sendo delatadas. E nós mesmos talvez tenhamos referendado – quer dizer, vários dos colegas aqui – referendamos esse tipo de acordo, que violava a lei.

P. Chama atenção que algumas delações que foram negociadas e rejeitadas no MP acabaram sendo aceitas pela Polícia Federal. É confuso para os leigos entender por que um instrumento vale para um lado e não para o outro?

R. Eu não acompanhei a feitura do projeto de lei que resultou na colaboração premiada. Mas o fato é que ela foi aprovada com a possibilidade de se fazerem acordos junto ao MP e também junto à Polícia. Portanto, isso já foi objeto de deliberação. Muito provavelmente, as próprias organizações representativas dessas entidades atuaram [nessa discussão]. E claro, tudo tem que ser submetido ao juiz, que é o órgão de controle para referendar a delação e aceitar que as ações tramitem. O MP entrou com uma ação aqui no Supremo arguindo a inconstitucionalidade da disposição legal que o Congresso tinha outorgado à Polícia Federal. Mas nós entendemos que a polícia também poderia fazer. A partir daí é discussão de política criminal: “Ah seria melhor fazer com o MP, seria mais ordenado”, ou “Nós temos muitas polícias e isso pode resultar em problemas”. Mas, a mim me parece que, a par de não haver obstáculo na Constituição, também houve uma lógica: não fortalecer por demais o próprio MP, que já estava muito forte a esta altura. Acho que essa foi uma razão. Claro que fica um tanto estranho o MP tendo rechaçado [uma delação] e ela se estabelecer [com a Polícia Federal], como houve no caso conhecido do [Antonio] Palocci.

P. O senhor admite que a segunda instância foi um erro. Quais outros erros da Corte tiveram impactam na Lava Jato?

R. Eu tenho impressão de que a Corte ficou submetida a essa pressão que a mídia e a Lava Jato exerceram. Tanto é que, por exemplo, a presidente anterior, a Carmem Lúcia, não pautou o ADC [que decidiria a prisão em segunda instância] naquele momento que se reclamava. Pautou o habeas corpus do Lula, sabedora ela que a ministra Rosa Weber tinha posição divergente e julgaria de uma forma num caso e de outra em outro. Nem vejo razões para isso, mas ela fez a opção por julgar o habeas corpus. E isso atendia, obviamente, à mídia dominante —não vou dizer opressiva porque o Tribunal não deveria se sentir oprimido por isso. Mas, de fato, isso ocorreu. E toda essa violência que se estimulava contra os ministros. A discriminação que se fazia entre aqueles que aplaudiam a Lava Jato e aqueles outros. Isso é notório. E claro que causa incômodo. Além do bom senso, uma matéria muito mal distribuída no mundo é coragem. E isso a gente vê que nem todos dispunham. As pessoas têm todas as garantias, mas as pessoas têm medo.

P. Do que um ministro do STF precisa ter medo?

R. É uma coisa quase de inata. Isso existe, as pessoas não querem ter incômodos e elas passam a ter, não é!? Há funções muito mais gratificantes, treinador de futebol. Diretor de TV. Minha mulher brinca dizendo que o filho dela é arquiteto, que a atividade é extremamente legal, porque, em geral, só leva felicidade. Mesmo que o projeto não agrade. Mas a gente sempre desagrada. No mínimo, a gente desagrada 50%, ou um grupo. E quando isso é massificado, obviamente isto nos impõe desgastes. Mas é claro, vocês podem sempre dizer: “Poxa, vai exercer uma outra função se não têm coragem”.

P. Faltou coragem para a Corte quando houve pressão, na véspera do julgamento do habeas corpus do Lula, com o tuíte do general Villas Bôas dizendo que o Exército está “atendo às suas missões institucionais” e que repudiava a “impunidade”? Qual a pressão que os militares exercem no Supremo?

R. Não acho que tenha exercido pressão. Tanto é que o ministro decano, Celso de Mello, respondeu de forma muito categórica, repudiando qualquer tentativa de tutela da Corte. Mas veja que esses movimentos que estão aí e que são agora investigados neste inquérito [das fake news], aparece a tal leitura do artigo 142 da Constituição, que diz que as Forças Armadas são importantes e que podem ser utilizadas em defesa dos poderes, do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. E alguns fazem uma leitura extravagante como se as Forças Armadas pudessem ser colocadas a serviço de um movimento geral para fechar o Supremo.

P. O senhor já se mostrou crítico de operações policiais. Qual a mais problemática?

R. No campo econômico, a Carne Fraca. Parece uma coisa de gente tresloucada. Eu brinco, de vez em quando, que o Brasil cresce à noite, porque durante o dia a gente se incumbe de derrubar, de contaminar o PIB. A coisa da Carne Fraca é impensável na Espanha, em Portugal, na Suíça, nos EUA, em qualquer outro lugar. Um sujeito faz uma operação em relação a uma empresa, que tinha alguns problemas, e vende aquela ideia de que nós estamos vendendo carne fraca, carne com papelão para o exterior. Se é uma coisa que temos abundante, de boa qualidade é a carne. Isso é 30% do PIB. Um juiz do interior, um procurador do interior do Paraná e um delegado arrebanha 1.200 auditores para fazer esta operação, que causou um grande tumulto, num contexto de dificuldade econômica. Esta gente viu Deus, quer dizer, deslumbrou-se. Outro caso, que é chocante e terminou com a morte do reitor [Luiz Carlos Cancellier, da UFSC]. Imputavam a ele um desvio de 80 milhões de reais. E depois se descobre que valor investigado era na época em que ele não era reitor da universidade. Preso, exposto e se suicida [em outubro de 2017, após a Operação Ouvidos Moucos]. Temos um festival de abusos em nome do combate à corrupção.

P. O senhor foi membro do Ministério Público e hoje é um grande crítico da instituição. O que mudou?

R. Eu tenho a impressão de que o Ministério Público talvez seja a instituição que saiu mais forte do processo constituinte. Ela era uma instituição que já tinha um papel importante, tínhamos muitos procuradores que chegaram ao Congresso por eleição e tiveram representatividade no processo constituinte. Especialmente no Ministério Público Estadual, tinham uma militância, vamos assim chamar, talvez por conta da proximidade com temas sociais, juventude, criança. No plano federal, fazíamos a um só tempo a atividade do Ministério Público, portanto, a tradicional, mas também a defesa da União em Juízo. E estávamos divididos. Não sabíamos o que era melhor para a instituição. O Ministério Público Estadual defendia a total separação entre as funções e foi o que acabou prevalecendo. Mas o Federal saiu com um acréscimo, a escolha do procurador-geral no âmbito da classe [a lista tríplice, prevista na Constituição]. O fato é que o MP sai muito forte, ganha essa ideia de autonomia, se equipara ao Judiciário. A própria legislação vai ser moldada por sua vontade. Não vai haver controle. O papel que o MP vai ter em episódios como o impeachment do presidente Collor vai ser central para essa discussão. O MP fica sem um órgão de controle. Ele passa a ser um órgão mais ou menos autônomo.

P. Mas não seria o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) o órgão de controle?

R. Só vem depois, em 2004. Portanto, vamos ficar muito tempo sem um órgão de controle. Porque o juiz, se ele decide desta ou daquela maneira, ou se ele tem uma conduta inadequada, eu reclamo para o Tribunal, que tem uma corregedoria. No caso do MP, eles também instituíram uma corregedoria, que vai funcionar de uma maneira um tanto quanto flácida, muito menos efetiva. O ato do juiz está submetido a um tribunal. Já o promotor, dificilmente se ele abre um inquérito – e não submete a Juízo –, esse ato dele é suscetível de revisão. Nós acabamos mimetizando em termos institucionais, nós mesclamos. Demos o mesmo status e o mesmo modelo para juízes e promotores. E a partir daí fomos tendo vários episódios em que esse poder só cresceu.

P. O senhor já falou sobre o aumento de poder dos promotores, poderia dar um exemplo desses episódios?

R. Eu vi o documentário da Petra Costa, Democracia em Vertigem, e ali tem marcos interessantes. Ela fala de 2013, da lei de delação premiada. O Governo Dilma adota aquilo como uma solução, uma saída política. E quem estava por trás desta lei? O Ministério Público, gente como o [juiz Sergio] Moro. E o Governo acabou adotando aquilo. Até hoje políticos vêm me contar que a presidente Dilma exigia que o projeto fosse aprovado, como uma tentativa de qualificar o Governo junto a esses interlocutores, que se diziam combatentes da corrupção. E nós hoje sabemos como isso foi usado. É um importante instrumento de combate à corrupção, mas pode servir para perversões. E as próprias informações que vêm do Intercept mostram que muitas dessas delações foram obtidas a fórceps, com uso de métodos impróprios, inadequados, ilícitos, ilegais. Isso mostra que a lei não tem as devidas salvaguardas. Esse fortalecimento institucional sem controle tem um significado: corrupção. Se a gente somar esses episódios que o Intercept revela, se a gente somar com os episódios [Marcelo] Muller da Procuradoria [acusado de receber propina para ajudar grupo J&F], e se nós somarmos com o episódio da Receita, nós estamos aprendendo o quê? Aprendendo que sem controle, teremos instituições corruptas.

 

 

*Do El País

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Baltasar Garzón: “O Direito está sendo usado para fins de perseguição política no Brasil e no mundo”

Jurista espanhol, que ficou famoso por deter o ditador Augusto Pinochet em Londres, vê um risco no Judiciário brasileiro por tirar o foco dos fatos para personalizar sentenças, em referência ao ex-presidente Lula.

Baltasar Garzón (Torres, Espanha, 1955) ascendeu muito cedo, ganhou holofotes por sua luta contra a corrupção, o narcotráfico e o terrorismo, e por colocar a Justiça num patamar ambicioso de alcançar poderosos e levá-los para a cadeia. Essa descrição pode lembrar um personagem famoso para o Brasil, que atende pelo nome de Sergio Moro. Mas a aparente semelhança entre o atual ministro da Justiça do Brasil e o magistrado espanhol, hoje suspenso de suas atividades, é superficial. Enquanto Moro fez fama internacional com a Operação Lava Jato que destrinchou grandes empresas, Garzón tem nos direitos humanos sua profissão de fé. Ficou mundialmente conhecido quando em 1998 decretou a prisão do ditador Augusto Pinochet enquanto o chileno fazia tratamento de saúde em Londres.

Embora tenha se notabilizado por suas batalhas jurídicas que inspiraram magistrados, como o próprio Moro, Garzón amargou, em 2010, a perda do direito de exercer a magistratura por 11 anos. A Corte Suprema espanhola condenou o notável juiz por prevaricação durante a investigação de uma trama que envolvia dezenas de políticos do conservador Partido Popular (PP). Garzón utilizou-se de escutas para gravar conversas de seus investigados com advogados de defesa na prisão. Reinventou-se como defensor de figuras consideradas malditas nos Estados Unidos, caso de Julian Assange e Edward Snowden, que divulgaram informações secretas da Agência Nacional de Segurança no caso que ficou conhecido como Wikileaks. É também uma das vozes que defendem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no mundo.

Pergunta. O senhor integra uma rede internacional de juristas que busca alertar para o retrocessos que podem ser causados por governos como os de Trump, Bolsonaro, ou o da Polônia. Tem sido eficiente?

Resposta. O mundo não é como quando o fascismo começou a tomar forma, nos anos 1920, 1930 [do século XX], e depois o nazismo. Essa experiência nefasta para a humanidade, que foram Hitler e o nazismo, e tudo o que aconteceu depois foi nos mostrando as presas da fera. Agora começa uma época que se estende pelos últimos cinco, seis, sete anos, em que se ouve de novo o discurso negacionista. Mas transforma-se o que então era fascismo em xenofobia, em ódio ao diferente, ao imigrante, a procurar lá fora a causa dos problemas que temos como sociedade e como sistema. Surge uma série de indivíduos ou de colocações neofascistas, ultraliberais, que procuram essa posição que se apresenta como ameaçadora à democracia. E isso produz uma resposta, que vem da própria sociedade, das próprias vítimas, dos próprios coletivos de direitos humanos, em advertência, como um alarme.

P. Qual papel o Judiciário ocupa nos países hoje?

R. Os coletivos de juristas observam que alguns países, como a Polônia e Hungria, buscam submeter o Poder Judiciário. Outros, como o Brasil e Argentina, também utilizam ou podem utilizar o Poder Judiciário para determinadas propostas. Por outro lado, na Turquia, há ataques diretos aos meios de comunicação e a jornalistas independentes. Ou então no caso dos EUA, a perseguição a Snowden e Assange. [Esses fatores] começam a interagir. E isso é o que agora mesmo estamos vendo no caso Lula. Vemos, do ponto de vista internacional, certos alarmes que nos dizem que o Direito está sendo usado politicamente para fins ou com fins políticos de perseguição. Há ações universais, coordenadas, perante ameaças que estão vindo dessa extrema direita, desse neopopulismo, dessa ação populista neofascista, que tenta reverter a história e reconquistas obtidas por parte da sociedade, essencialmente no âmbito de direitos humanos. Esse é o fato novo. Estruturas jurídicas que já estavam em funcionamento, em casos nacionais e internacionais. A universalização dessas iniciativas já ocorreu, em algum momento histórico, como na época da detenção de Pinochet através da jurisdição universal, que foi uma explosão de ações e utilização de mecanismos que estavam aí para fazer frente à impunidade. Agora se colocam em movimento para prevenir, evitar ou impedir que se consolidem essas novas ações. Protejamos quem denuncia. Mas também é preciso denunciar quem pode abusar. Por exemplo, as delações premiadas. É preciso saber quais são os limites. Denunciemos a utilização do Direito com finalidade política de luta contra a corrupção, que segmenta a ação e esquece outra parte. E, ao final, se torna uma arma política para promover um candidato em detrimento de outro.

P. O senhor está descrevendo o Brasil de 2014 para cá?

R. É que é assim. Não posso senão estar de acordo com a luta contra a corrupção, absolutamente. Mas é que, quando entram em marcha todos os mecanismos de luta, é preciso ter um cuidado absoluto, porque haverá muitos interesses cruzados, que podem apostar em determinados interesses ou finalidades que não são de forma alguma os que a Justiça representa. E podem ser instrumentalizados. De alguma forma é o que aconteceu aqui [no Brasil]. Aqui havia, muito claramente, interesse por parte de grandes estruturas econômicas, corporativas, de que o Governo do PT, fosse de Lula ou Dilma, não continuasse. O impeachment de Dilma, do meu ponto de vista, foi um golpe de Estado brando, como foi o do [presidente paraguaio Fernando] Lugo e como foi em outros casos. Portanto, isso acontece e, quando acontece e são usados os mecanismos da Justiça, é preciso sermos extremamente exigentes com as garantias. Porque, se não formos, é muito fácil que vire uma perseguição ao homem, e não uma investigação do fato. Acredito que seja isso que aconteceu por aqui.

P. Como vê o ex-juiz Sergio Moro?

R. Sou da opinião que, se você está atuando como juiz, não pode ficar opinando sobre o que faz e compartilhando o que faz. Eu não entendo um comentário ou um tuíte, no Facebook ou em outra rede social, de um juiz que está trabalhando. Não entendo isso nem justifico. Os princípios da imparcialidade e independência são centrais.

P. Mas ele só começou a usar o Twitter depois de virar ministro da Justiça.

R. Mas o que vimos depois, as revelações do The Intercept, são o cúmulo das mensagens ou comunicações que havia com o Ministério Público, supostamente. [Deveria prevalecer] sempre o princípio de presunção de inocência num sistema como o brasileiro, em que há uma separação absoluta entre o Ministério Público e o juiz. Porque o juiz dita a sentença. Não é como na Espanha. Lá, o juiz de instrução investiga, o promotor investiga. Ao final há um tribunal que decide sobre as garantias e medidas cautelares, e outro tribunal, que não tem conexão nem com o intermediário nem com o juiz, julga. Garante-se absoluta imparcialidade. Aqui, não. Se pessoas que tiverem que estar em um lugar e em outro estabelecem laços de conexão, surge a dúvida. Não duvido que se cometam crimes ou não. Depois quem tiver que decidir decidirá. Mas a partir do momento em que há essa interconexão, a credibilidade sobre a imparcialidade se perde.

P. O senhor leu a sentença que levou o ex-presidente Lula à prisão? Vê falhas?

R. Eu a acho muito inconsistente, são elementos circunstanciais, e não há uma base juridicamente objetiva e defensável para uma condenação. É uma opinião jurídica. Mas acho que não havia elementos para considerar que Lula fosse partidário de ser sujeito ativo de uma corrupção passiva.

P. Mas há muitíssimos elementos, provas que mostram transações em dinheiro etc…

R. Nenhuma diretamente com Lula.

P. Não dele em particular, mas há demonstrações de que o partido deixou que se construísse ou que fossem aprovados esquemas de corrupção…

R. No que se refere ao conteúdo da sentença e do julgamento, não tenho que opinar além da análise externa de uma resolução para a qual, já naquele momento, estabeleci a posição sobre a investigação, porque via que havia uma direção determinada com relação a um espectro político, concretamente do PT e do presidente Lula, que tinha uma influência política e a teve, sem lugar a dúvida, acelerando prazos, tomando decisões mais que discutíveis, semeando todo um procedimento com dúvidas e irregularidades. Até que se chegou à sentença para evitar que houvesse uma apresentação eleitoral de uma candidatura, e que depois se revelou que de alguma forma havia, não sei se uma conexão ou pelo menos um interesse, ou se este surgiu depois, quando o juiz Moro foi nomeado ministro da Justiça. Mas todos esses elementos influem, embora as provas tivessem sido mais ou menos consistentes, em contaminar todo o cenário. Esse é o problema. Já não é só quantos indícios havia ou quantos elementos podiam ter sido levados em conta, mas sim que quem os usou estava de alguma forma violando os limites, ao manter essa comunicação permanente com o Ministério Público. Se isto é proibido pelo sistema processual brasileiro, então tem que haver consequências. Mesmo que os elementos fossem definitivos.

P. O ministro Gilmar Mendes já disse que havia coisas a serem revistas.

R. Sim, coisas a serem revistas, porque afinal o que temos é que há uma pessoa condenada a oito anos da prisão e que esse procedimento agora está se comprovando que não foi totalmente limpo. Esse é o problema. O problema é: até onde chega a contaminação? Até onde chega a dúvida? Bom, são os tribunais que terão que dizer.

P. Os procuradores da Lava Jato e o ex-juiz argumentam que tudo foi ratificado pelas instâncias superiores.

R. Ratificariam agora depois de conhecer as revelações? Para mim, é incompreensível.

P. Também tivemos, durante um julgamento no Supremo [do pedido do habeas corpus de Lula em abril de 2018], um representante do Exército [General Villas Boas] insinuando um posicionamento da instituição contra a soltura de Lula.

R. Isso é uma intimidação muito clara contra a independência do Judiciário. Isso é uma interferência grave. Isso, não sei, no meu país, na Espanha, teria se armado um reboliço se o Exército sugerisse que pode haver ruído de sabres. Os caminhos das instituições têm que ser perfeitamente independentes. E se depois houver um abuso ele deve ser punido. O que não se pode fazer é incidir em um âmbito político utilizando armas judiciais. Não é possível, ao menos para mim, utilizar o Direito para fazer uma interferência política, por mais arriscada que seja, não é evidentemente um mecanismo democrático. Porque, se da investigação judicial ficar demonstrado que houve uma relevância ilícita delitiva, ficará demonstrado em dado momento, e nesse momento é que se deverá produzir o efeito. Mas não utilizar essa investigação para que interfira em um processo político.

P. O senhor acredita que as democracias latino-americanas são mas suscetíveis à pressão social contra instituições? Porque essa acabou sendo uma justificativa do general no ano passado [“o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia”], repetido na semana passada, mencionando o risco de “convulsão social”.

R. Conheço os argumentos dos militares, sobretudo quando tomam para si a defesa da democracia através do Twitter. Deixam muito a desejar. Porque o Exército sempre deve estar submetido ao poder político. Constitucionalmente tem sua função e não tem que advertir sobre nada, porque isso soa mal. O que ocorre é que as instituições democráticas precisam ser empoderadas, fortalecidas, e são fortalecidas com a independência, não com o isolamento entre poderes. A separação e a independência de poderes são uma coisa, e a submissão de um a outro é algo bem diferente. Foi o que aconteceu em alguns países da região latino-americana, e que também se viu em outras partes do globo, não? Se há uma mudança política, se a Justiça é utilizada como uma arma imediata contra o sistema ou o regime anterior, seja ele qual for… Não é possível que os regimes populares que houve, de esquerda, tenham cometido tantíssimos crimes como se lhes imputa. Não tiveram tempo de cometer tantos crimes. Porque um pouco de Governo tiveram que fazer, não? Parece que não existiam, só para delinquir.

P. Essa leitura —de que existiam para delinquir— foi questionada.

R. Então me parece um excesso e, o excesso suscita a dúvida. Porque não é que se selecione ou se priorize. Não. É necessário investigar o fato. E se o fato deriva de fortes indícios de que uma autoridade política tem uma responsabilidade criminal, que se exija. A questão não é que seja Lula ou Bolsonaro ou qualquer presidente ou chefe de Governo quem esteja supostamente envolvido em uma trama. É que é preciso demonstrar, e acima de tudo no caso dessa autoridade máxima, com uma resolução muito maior, distinguir a responsabilidade política do que é responsabilidade jurídico-penal, porque aqui somos iguais. E se houve uma má prática, se houve determinada condescendência com práticas irregulares, muito bem, que sofra sanções politicamente. Mas, daí a passar para atos criminosos, certamente exige uma investigação digna de crédito, clara, contundente e, sem dúvida, limpa. E é isso que acredito que não aconteceu aqui, como estamos vendo. Para mim, estamos no turbilhão em que estamos porque precisamente essas margens não foram respeitadas. Não posso acreditar que todos os líderes da esquerda sejam corruptos e os da direita ninguém os persiga.

P. O senhor acredita que estamos vivendo uma era de democracias cínicas, em que a mentira?..

R. Sim, bem, já falamos de fake news, falamos já sem rodeios: dizemos que não é que isto seja mentira, mas me serve. É que, se alguém lê a história, percebe como é isso. Volto a dizer: há um poder, não vou dizer absoluto, mas absolutamente prepotente e preponderante, que é o poder político, neste caso, de um presidente republicano. Na outra opção da balança estão elementos absolutamente vulneráveis da sociedade. O que podemos dizer quando há um discurso como o do governador do Rio de Janeiro, que diz que a ação violenta das forças de segurança é a única via para acabar com o crime? E vemos como até se tenta justificar a morte da menina Ágatha, dizendo: “Não, é que se perseguia um grupo criminoso”.

P. É uma resposta-padrão da polícia no Brasil.

R. Já ouvi muito sobre isso. Ouvi nos anos 70, na ditadura argentina, ouvi na ditadura franquista, que sempre se justificava, e o que se faz é ocultar a ineficácia absoluta. Por quê? Porque não há mais medidas políticas, porque recorrem a mecanismos de repressão, e são as mesmas receitas, só que com outros nomes. E é isso que contribui para uma subtração de direitos, uma espécie de volta atrás, de perda desses direitos que já pensávamos que estavam consolidados e dormimos. Entramos naquela afirmação do poeta da Idade Média que dizia: “Nunca se conquista um reino para sempre”. Ou seja, os direitos humanos, a democracia, não estão conquistados para sempre. Quando caímos na armadilha de dizer que já temos tudo, aí começa outra vez a volta para trás e o perigo. E foi isso que aconteceu conosco agora. Renunciamos à luta contra as fake news, porque é tal o poder das redes sociais e da comunicação que é impossível se contrapor a ele. Eu coordeno a defesa de Julian Assange. Alguém se pergunta: por que não se investiga nada que o WikiLeaks denunciou nos Estados Unidos? Por que, quando você assiste a um vídeo onde se vê, se observa nitidamente o metralhamento de civis no Iraque, esse assunto nunca foi investigado? E, no entanto, investem-se esforços, recursos em perseguir a pessoa que supostamente editava esse veículo.

P. A extrema direita cresce enquanto estamos anestesiados?

R. Eles usam os mecanismos democráticos, usam a linguagem democrática para atacar a própria democracia. E isso até mesmo pode ser democrático. Mas é preciso desvendar isso, é preciso detectar, é preciso denunciar e punir quando for possível, porque uma coisa é que, no quadro democrático, você pode até ter abordagens contra a própria democracia. Outra coisa é deixar que atuem para romper a democracia. Não é controlar, não é evitar ou proibir a liberdade de expressão como Erdogan pode fazer na Turquia. Há liberdade de expressão, vocês podem atacar o próprio sistema, agora, se o que é realmente detectado já é uma transgressão que ocorre ou que rompe esse sistema, tem que ser perseguido, obviamente. Insisto, a democracia não é conquistada para sempre. Não vai resistir se não a defendermos. Devemos até mesmo defendê-la daqueles que, a partir do próprio sistema, tentam destruí-la.

P. O México acaba de passar pela renúncia de um ministro do Supremo e o Peru enfrenta um jogo de forças entre o Congresso e o presidente para modificar a estrutura da sua Corte Suprema. Como o senhor avalia esses casos?

R. São casos diferentes do que está acontecendo em outros países da região. Na renúncia do ministro Eduardo Medina Mora no México, houve uma reação imediata do mesmo da qual poderia se dizer de uma decisão que o honra, porque diante do menor questionamento sobre sua honra, e ainda que discordando da informação publicada, o juiz apresentou sua renúncia, o que facilita a consolidação da crediblidade do máximo organismo judicial mexicano, sem ter afetada a presunção de inocência. No caso do Peru, a questão é mais complexa. O presidente Vizcarra dissolveu o Parlamento e convocou eleições para que o povo fale e dessa forma egite a instrumentalização que se tenta fazer por alguns grupos políticos para fazer justiça. A atuação da Justiça peruana, em seu mais amplo sentido, com as dificuldades que enfrenta, está respondendo inclusive descobrindo os comportamentos corruptos que podem existir dentro da mesma. Um exemplo foi a detenção na Espanha e a extradição de uma alta autoridade judicial acusada de corrupção. As respostas judiciais precisam ser contundentes, mas proporcioinais e especialmente transparentes para que os cidadão não percam a confiança em quem, no final, são o último reduto da defesa dos direitos.

P. O senhor viveu uma situação muito particular com a suspensão por 11 anos da magistratura na Espanha.

R. Já se passaram nove anos e meio. Parece que foi ontem… Mas hoje me sinto alegre e recompensado com uma espécie de justiça poética. Finalmente, os restos mortais do ditador Francisco Franco precisam ser exumados do Vale dos Caídos, onde houve uma das maiores aberrações que podem ocorrer: os restos mortais do agressor repousam junto com os das vítimas, que foram depositadas ali sem nenhum dano, conhecimento ou autorização dos membros da família. Muito tempo depois do que deveria, deu-se lugar ao triunfo das vítimas. [Garzón defendia a retirada dos restos do ditador daquela região, que acontece nesta quinta-feira]. Portanto, hoje estou feliz por isso.

P. Mas o senhor se frustra?

R. Entrei na carreira judicial porque queria ser juiz e porque acredito que é um serviço público que deve ser prestado à sociedade. E fazer isso como marca a lei, com independência, com a legalidade, pode te levar às vezes a graves consequências. No meu caso, alguém pode me dizer: “Bem, mas o senhor foi condenado por ter aplicado mal uma lei”. Bem, eu discordo, mas admito o sistema e, portanto, estou lutando com as regras que ele me permite. Eu sou da opinião de que a interpretação de uma lei, que é algo diferente do que é essa contaminação subjacente, mas à luz do público, acho que não tem nada a ver, ou seja, ninguém pode sofrer sanções por interpretar uma lei, quando também o faz sob o amparo de parâmetros internacionais. Mas são os custos da investigação do crime organizado, corrupção etc. Alguém pode dizer: “Mas, ei, isso também acontece com o juiz Moro?”

P. Isso.

R. Eu poderia dizer: Sim, é muito provável. Mas estamos em uma área em que essa pesquisa precisa ser aberta. E se houve uma transgressão desses espaços e houve uma contaminação de efeitos concatenados que podem levar ao cancelamento de processos e afins, eles devem ser investigados e estabelecer sanções, porque ninguém está acima da lei. E no meu caso, pode-se dizer: bem, você foi condenado. Sim, e o assumo ainda que não compartilhe [com a decisão], porque acredito que a interpretação que fiz não foi apenas justa, mas foi reproduzida, seguida por outros juízes que nunca foram perturbados. No meu caso foi assim. Era uma conjuntura histórica muito específica e, bem, aqui estamos. Continuo lutando pelos meios limpos, continuo dizendo que a corrupção deve ser combatida a partir da legalidade. Mas não ir além, a ponto de prejudicar a própria luta contra a corrupção.

P. Incomoda ser comparado ao Moro?

R. Não. Conheci Sergio Moro em um evento em Lisboa há alguns anos e ele me disse que eu era um exemplo de juiz. Eu agradeci e lhe disse continuasse seu trabalho, mas também lhe disse para sempre lutar com as armas que a lei nos dá. E fazê-lo como o fez Falcone, assim como Borsolino, que lhe custou a vida ou o emprego. A outros lhes custa a privacidade, paz etc. Bem, no caso de Moro, ele está no poder agora e está no poder com quem o nomeou e, a verdade é que eu mal consigo entender isso.

P. Pelo fato de ter sido nomeado por alguém que está do lado oposto de onde o senhor está hoje?

R. Não se trata de ser do lado oposto. Estou em defesa de valores e direitos, da garantia que a humanidade conquistou, que custou muito. Não ouso questioná-los sob nenhuma circunstância. Nem de uma maneira jocosa ou como uma piada..

P. Bolsonaro nomeou Moro, e Bolsonaro é contra o que senhor acredita.

R. Não é contra o que acredito, mais bem contra os princípios básicos de um sistema democrático.

 

*Do El País

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Agora sim, com o voto de Rosa Weber contra prisão em 2ª instância, Lula poderá ser solto

“Não é dado ao intérprete ler o preceito constitucional pela metade, como se tivesse apenas o princípio genérico da presunção da inocência, ignorando a regra que nele se contém – até o trânsito em julgado”, justificou a ministra.

Apesar da visita do ex-juiz e atual ministro da Justiça, Sérgio Moro, a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber votou contra a execução da pena em segunda instância, nesta quinta-feira (24). O voto da ministra foi pronunciado depois de contextualizar o histórico do direito da presunção de inocência, garantido pela Constituição, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória. Em caso de vitória da tese que inviabiliza a prisão após condenação em segundo grau, o ex-presidente Lula pode ser beneficiado.

“Não é dado ao intérprete ler o preceito constitucional pela metade, como se tivesse apenas o princípio genérico da presunção da inocência, ignorando a regra que nele se contém – até o trânsito em julgado”, justificou.

Até o momento, o placar aponta 3 a 2 a favor da prisão em segunda instância. Além de Rosa Weber, somente o relator, Marco Aurélio Mello, votou contra a prisão em segunda instância, conforme está previsto na Constituição. Alexandre de Moraes, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso votaram a favor.

Colegiado

A posição de Rosa Weber foi vista como a mais imprevisível dentre os ministros que ainda faltam votar. Ela sempre foi contra a prisão em segunda instância, mas, em 2018, votou por negar um habeas corpus ao ex-presidente Lula. Na ocasião, argumentou que era preciso respeitar a orientação da maioria do colegiado, que autorizara, num julgamento anterior, a execução provisória da pena.

Ainda deverão votar Luiz Fux, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e o presidente da corte, Dias Toffoli. Os quatro últimos votaram contra a prisão de condenados em segunda instância no julgamento de 2018, que envolvia Lula.

 

*Com informações da Forum