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Gilmar Mendes promete liberar ação em que defesa de Lula pede suspeição de Moro e chama o ex-juiz e Dallagnol de mequetrefes

Em entrevista ao EL PAÍS, ministro do Supremo faz críticas ao que chama de abusos do Ministério Público e questiona se a operação que nasceu em Curitiba ainda é necessária. Ele promete liberar em novembro ação em que defesa de Lula pede a suspeição de Sergio Moro.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes (Diamantino – MT, 1955), é mais ou menos popular, a depender das causas que defende com a veemência que lhe é característica. Desde junho, encontrou nos vazamentos do The Intercept uma fonte que corrobora suas críticas ácidas aos métodos da Operação Lava Jato, regozijo para o público da esquerda. Hoje, se pergunta se a Lava Jato ainda é necessária como operação especial. Mesmo com a possibilidade de solicitar acesso às mensagens dos hackers acusados de invadir os celulares das autoridades, Mendes garante que não teve curiosidade de ver seu conteúdo. Em conversa de uma hora e quarenta minutos com o EL PAÍS – filmada por uma equipe da documentarista Maria Augusta Ramos –, o ministro distribuiu ironias, defendeu a força da Corte, disse que a prisão de Lula deu-se num ambiente de total destruição do ambiente político, e garantiu que em novembro será julgado o caso de suspeição do ex-juiz Sergio Moro.

Pergunta. Estamos em um momento mundial em que vários sistemas judiciários se fragilizam. O Brasil está ameaçado?

Resposta. Não me parece que haja essa possibilidade. A não ser que, de fato, outras coisas viessem a ocorrer. Por exemplo, a formação de uma maioria, como aconteceu na Hungria ou na Polônia, opressiva, e que fosse servil a um dado entendimento. Mas se a gente olhar o quadro pluripartidário brasileiro, temos os dois partidos que lideraram as eleições, PT e PSL, cada um conseguiu 50 e poucos parlamentares, em 513. Nem 10%. E todos são dependentes, para construção básica de Governo, de apoio de outras forças. Por isso, num quadro de normalidade, não parece possível que isto aconteça. Mesmo numa vitória retumbante de um presidente, vamos conviver com um pouco de fragmentação, o que é bom para o equilíbrio democrático. Não vejo esse risco neste momento.

P. Mas temos outros movimentos de pressão como a Lava Toga, pedido de impeachment do Gilmar Mendes…

R. É claro que temos vivido situações muito especiais. Esse ataque a instituições, isso que vem sendo revelado e que nos levou a abrir aquele inquérito [de fake news sobre o Supremo]. Porque o tribunal vem sendo alvo de ataques, às vezes, por entes invisíveis, ou não exatamente invisíveis. Vocês podem reconhecer a boa qualidade das peças que circulam contra o Tribunal. Há conteúdo e elaboração que é feito por alguém, que está sendo financiado. Muitas vezes, vemos que, por trás desse tipo de intenção [pedido de impeachment de integrantes da Corte, por exemplo], há uma desculpa para desestabilizar, amedrontar, ou conseguir seus desideratos por uma via coativa. Isso se usou no Brasil. A abertura de inquérito para investigar ministro do STJ, o presidente e um outro, se deu neste contexto. E qual foi o resultado? O STJ perdeu qualquer função em seu sistema de controle. Ficou um Tribunal amedrontado. A partir de uma acusação estapafúrdia, feita pelo senador Delcídio [Amaral], foi levado para o ‘pelourinho’ o presidente do STJ [na época, Francisco Falcão] e outro juiz [Marcelo Navarro]. Acusados de supostamente terem dado decisões favoráveis a Marcelo Odebrecht – fruto de uma possível combinação com a Dilma. Um fato que não era nem provável, nem provado. Transformou-se, portanto, num elemento de coação. Eu denunciei o absurdo de terem aberto esse inquérito. Até que ele, de fato, foi encerrado. Precisamos prestar atenção. E há também essa deslegitimação. Em que a mídia convencional também foi parte.
Coleção de camisetas do ministro Gilmar Mendes, em seu gabinete no STF.

P. O senhor já falou em “lavajatismo militante” da imprensa. Pode dar um exemplo?

R. Eu acabei de dar uma entrevista à Rede Globo e eles me perguntaram: “O senhor não acha que causou esses ataques que sofreu na rua?”. Eu disse não, não fui eu que causei, vocês causaram. Vocês são os autores. Eu dialogo com a Globo desde o ano passado. Disse até, em tom de brincadeira, ao Ali Kamel: “Se minha mulher ficar viúva, é capaz que ela mova uma ação contra vocês, porque vocês estão causando isto”.

P. Não é exagero atribuir tanto poder à imprensa? Temos que admitir que o clima entre instituições não favorece um noticiário positivo…

R. Vou lembrar um caso ao qual não temos dado muita atenção, o assassinato do Pinheiro Machado, em 1915. Ele tinha sido condestável do Governo Hermes da Fonseca, e foi morto na rua no Hotel dos Estrangeiros, no Rio de Janeiro. Tinha ido lá receber uma delegação de políticos e alguém lhe deu uma facada. Depois de muita investigação e teorias conspiratórias, concluiu-se que os jornais da época tinham ascendido na cabeça de um fanático a ideia de que a solução para os problemas do país estava na eliminação do Pinheiro Machado. Vocês podem produzir isso. E de fato era muito comum eu decidir um habeas corpus na [Segunda] Turma e se dizer: “Gilmar soltou”. A imprensa tem muita responsabilidade. Eu tenho a impressão, usando uma expressão machadiana, de um conúbio espúrio entre a imprensa e a Lava Jato. Haverá motivos nobres – eles estavam imbuídos no sentido de combater a corrupção. E outros não nobres. A mídia recebia essas informações vazadas, de alguma forma era conivente com os vazamentos. Tanto é que esses vazamentos ocorreram sistematicamente, e nós não temos ninguém punido por isso. Eu vejo as pessoas hoje muito críticas em relação ao hackeamento [dos celulares dos procuradores da Lava Jato]. E quanto a esse episódio eu digo: hackeamento é crime, igual a vazamento.

P. Mas o STF pediu alguma investigação? Por que o inquérito das fake news, que o senhor tem defendido, usa como argumento que o MP e a Polícia Federal não deram a devida atenção às ameaças.

R. Foi pedido, várias vezes. Temos um caso que está na [Segunda] Turma já há algum tempo, e quase que identificados os autores – que é o gabinete do procurador-geral –, envolvendo um episódio da Odebrecht. Trata-se de um vazamento que custou muito aos funcionários da Odebrecht, acho que no Peru e na Venezuela. E a empresa reclamou, porque desestabilizou seus representantes por lá. Nós pedimos aqui [uma investigação]. O ministro [Edson] Fachin determinou à Procuradoria, e até hoje acho que não houve resposta. Mas o vazamento ocorreu de forma muito grave. No The Intercept aparece esta questão, em que Moro e Dallagnol conversam sobre a necessidade de um vazamento.

P. O senhor está dizendo que o STF tem demandas que não são atendidas e por isso decidiu usar o regimento interno, de uma forma criativa, para dar conta de suas próprias solicitações?

R. Na verdade, isto é um remédio, que já havia no texto constitucional anterior. Mas vocês incorporaram uma discussão que me parece equivocada. O próprio poder investigatório do MP é uma decisão recente do Supremo Tribunal Federal. Na qual o Tribunal, compreensivamente até, fez uma construção. Tínhamos em muitos casos um conflito entre a polícia e o Ministério Público. E quem era o investigado, muitas vezes era a polícia, auto-investigando-se. Nós sabemos de muitos crimes cometidos pela própria polícia, seja civil ou militar. Nestes casos, o MP, que é órgão de controle, poderia fazer de maneira mais adequada essas investigações. Mas como isto se fez num construto, desandou num festival de abusos. Abriram-se muitas investigações sem freios e contrapesos. Porque a investigação feita pela polícia está submetida a um juiz. Já a do Ministério Público ficou uma alma penada solta no sistema. Mas são ajustes que teremos que fazer. Não podemos ficar muito aflitos. Estamos vivendo 31 anos de normalidade institucional, um pouco mais talvez, se consideramos 1985. É um curto período. Mas é também o mais longo período de normalidade institucional do Brasil republicano, pelo menos.

P. Mas neste período, o Brasil passou por dois processos de impeachment.

R. Mas o que é o impeachment, independentemente das considerações particulares que a gente possa fazer? De alguma forma, é um modelo de parlamentarização de um sistema presidencial. Porque, dependendo da tendência política alguém vai poder dizer que o impeachment do Collor foi justo, mas o da Dilma foi injusto. Mas, nos dois casos, havia uma crise de governabilidade. Chegou um momento em que o sistema já não mais funcionava. Collor tinha problema de corrupção. Evidente que tinha. No mensalão, nós tínhamos também problema de corrupção e se optou por não fazer o impeachment

P. O regime interno do STF já foi usado até para censura de matéria de uma revista. Este instrumento compete com a Constituição?

R. É um tipo de competência das competências. É o Tribunal no limite. Mas não há muita novidade nisso. Nós abrimos os inquéritos aqui, e presidimos os inquéritos, que depois resultam em denúncias. A própria investigação do MP, como eu disse, é algo recente. O resultado é que isto acabou se transformando em algo principal. O MP passou a fazer investigações nesse modelo de empoderamento. É claro que devemos estar preocupados. Nós temos que buscar reinstitucionalização, tanto quanto possível. Limitar as idiossincrasias do sistema, de alguma forma. E eu posso dizer, até com certo orgulho, que eu tive uma visão antecipatória.

P. O senhor poderia dar um exemplo?

R. A Lei de Abuso de Autoridade, esse projeto que está sendo aprovado, constou naquele pacto republicano que assinei, em nome do Supremo Tribunal Federal, com os presidentes da Câmara, do Senado, e com o presidente Lula. Esse projeto foi gestado aqui, no CNJ. O ministro Teori [Zavascki] participou da sua feitura. Também o Everardo Maciel [ex-secretário da Receita Federal]. Em suma, o projeto inicial, que foi apresentado no Congresso pelo deputado Raul Jungmann [PL 6418/2009] nasceu disso. Porque eu percebia que era fundamental naquele contexto já termos uma lei de abuso de autoridade. E veja que, toda hora, ela esbarrava em obstáculos. Às vezes, era um delegado que era relator, às vezes era um policial, às vezes era um membro do MP que não aceitava. E não ia adiante. Agora, por ironia, neste contexto, de um governo todo diferente, é que se conseguiu aprovar essa lei, que, independentemente do conteúdo que lá esteja – alguém vai polemizar se tem exagero ou não –, é um avanço na contenção dos abusos que sistematicamente se perpetravam.
Quadros pendurados no gabinete do ministro Gilmar Mendes, no STF.

P. Sobre a lei de abusos a autoridades, já tivemos relatos de procuradores que estão se autocensurando em investigações por medo dessa lei…

R. Até aqui, eu não consigo nem ver razões para isso. Se trata de um projeto de lei que ainda está no período que chamamos de vacatio legis, só vai entrar em vigor em janeiro.

P. Mas só faltam três meses.

R. Pois é, mas alguém dizer que não vai decidir alguma coisa porque na lei, futura, haverá uma punição, é uma coisa muito curiosa. Vem de uma desconfiança que eles têm em relação a si mesmos. Eu até tenho falado que, em relação a Lava Jato, eles [os procuradores] são melhores publicitários do que juristas. Esta afirmação que eles fazem de que haverá um prejuízo para a investigação, é uma coisa de caráter publicitário. Das leis que eles aplicam em relação aos outros, eles não se queixam. E são leis absurdamente genéricas, oportunistas. A Ficha Limpa, muito genérica. A Lei de Improbidade Administrativa, que foi aprovada com Collor, muito genérica. Há uma queixa muito grande hoje de todos os agentes políticos dizendo que o MP quase que assume a gestão dos seus municípios. Esses dias, o governador [João] Doria fez uma assertiva peremptória em relação a isso: é preciso limitar os poderes do MP, que fica toda hora intervindo em áreas que não têm nada a ver com a sua atividade. Portanto, essas queixas que eles fazem, outros fazem com relação ao MP. Temos que buscar um equilíbrio, em que não se afirme o nosso poder absoluto, e que nós reconheçamos que o sistema de equilíbrio tem a ver exatamente com checks and balances. É preciso que isso seja cultivado, que todos nós façamos a autocrítica ou que admitamos crítica de outro.

P. Ministro, foi uma autocrítica que o fez mudar de ideia sobre a prisão após a segunda instância? Em 2016, o senhor apoiou. Recentemente, chamou de “experimento institucional”. O que mudou?

R. Várias coisas mudaram. O que nós tínhamos até 1988 [ano da promulgação da Constituição]? A regra era que com a decisão de segundo grau mandava-se as pessoas para a cadeia. Pós-88, continua assim também o entendimento do Tribunal. Eu cheguei aqui em 2002, já se vão 16 anos. E se falava a mesma coisa: com a decisão de segundo grau pode-se mandar a pessoa para cadeia e ponto. Portanto, começava-se uma execução provisória. Mas com a história de 1988 [e a Constituição], tivemos uma regra muito clara dizendo que a presunção de inocência só se encerra com o trânsito em julgado. O que passou a acontecer? Nós tivemos até um episódio do processo do ministro Dias Toffoli, que envolvia o ex-senador Luiz Estevão, em que houve toda a série de recursos e ao fim o ministro Toffoli se penitenciava e dizia: “Se eu não decidir isso hoje, isso vai resultar em prescrição”. Neste contexto, nós começamos a confabular sobre a necessidade de, em determinados casos, encerrar esse curso dos recursos procrastinatórios, que, em geral, beneficia sempre as pessoas que têm mais recursos. Naquele caso, o processo ficou dez anos com recursos sucessivos. Essa questão voltou para a turma e o ministro Teori trouxe um processo para julgamento, em que nós discutimos e dissemos: “Nós poderíamos admitir pelo menos a possibilidade de o juiz, encerrada a decisão de segundo grau, já determinar o cumprimento da pena”. Aí você diz, isto vai violar o texto constitucional. Nós dissemos: “Poderá haver, em determinados casos, a suspensão por parte dos tribunais superiores, que seríamos nós e o STJ”.

P. Mas o que ocorreu é que a prisões em segunda instância se tornaram regra no âmbito da Lava Jato, mas não só.

R. Veja, isso foi feito em um ambiente alheio à Lava Jato, nada tinha a ver com a Lava Jato. O que aconteceu na prática? Como aconteceu no caso que citei do MP, em que a investigação deveria ser subsidiária e se tornou principal. A Dra. Raquel [Dodge] me falava que o Dr. Janot deixou 800 PiCs, que é o nome dessa investigação, procedimento de investigação criminal, abertos na Procuradoria. Portanto, sem nenhuma limitação. Então, o que aconteceu na vida prática? A generalização da prisão a partir do segundo grau. O Tribunal Regional do Rio Grande do Sul, e não por acaso, estabeleceu uma súmula dizendo que, havendo a decisão de segundo grau, manda-se para a cadeia. Então a partir daí, nós dissemos: “Erramos a mão”.

P. Em sua opinião, qual o futuro da Operação Lava Jato?

R. Eu não sei se é ainda necessária. Ainda tem corrupção na Petrobras? Quais são os casos? O que remanesce? Porque eu tenho a impressão de que a força-tarefa é uma medida excepcional para situações excepcionais. No mais tem que funcionar com a rotina, com o número de procuradores e uma Procuradoria normal. Atividade normal, um juiz normal, que não estabeleça relações promíscuas com os membros. O juiz é um órgão de controle, ele não é agente de investigação. E esta confusão se estabeleceu também por causa disso.

P. O conteúdo que se conhece hoje do The Intercept já está influenciando as decisões da Corte?

R. Tenho a impressão que sim. É muito difícil ter elementos probatórios inequívocos. Tenho a impressão de que há alguns “Josés” arrependidos por aí.

P. O senhor é um desses “Josés” arrependidos?

R. Não, não. Até porque, na verdade, estou gozando de uma posição bastante curiosa. Em algum momento no trânsito de 2015, 2016, eu percebi que havia algo de anormal com a concepção da própria Lava Jato.

P. Quando exatamente percebeu que havia algo errado com a Lava Jato?

R. É difícil dizer. Mas tenho uma cronologia das vezes em que falei sobre as prisões abusivas de Curitiba. Cheguei a dizer: temos um encontro marcado com as prisões alongadas de Curitiba. Isso vinha chamando a atenção de que já estavam usando a prisão preventiva não como uma prisão preventiva normal, mas com o objetivo de obter confissões ou delações.

P. Houve algum fato específico que o fez concluir que alguns abusos estavam ocorrendo?

R. Em termos políticos me impressionou bastante a investida que a Lava Jato faz no campo legislativo, as tais 10 medidas [contra a corrupção]. A coleta de dois milhões de assinaturas para levar ao Congresso. Isto não foi ainda bem analisado, mas eram propostas visivelmente autoritárias. Para citar duas delas: a que estabelecia a possibilidade de aproveitamento de prova ilícita, feita de boa fé. E outra que acabava praticamente com a concessão de habeas corpus. E uma pressão enorme, usando do prestígio da força-tarefa, sobre o Congresso para que se aprovasse aquelas medidas, num momento em que a política toda estava muito debilitada. A mim me pareceu que ali estava um ovo da serpente. Tanto é que comecei a falar muito fortemente contra as 10 medidas.

P. O senhor chegou a se manifestar a respeito?

R. Tive até um debate no Senado Federal, em que o Moro estava. Vieram também juízes e promotores e eu falei claramente que o Congresso precisava rejeitar as medidas. Mas isso é um processo. Quando, em 2017, tivemos o debate da homologação do acordo do Joesley [Batista], eu fui uma voz praticamente isolada. Na presença do [Rodrigo] Janot eu disse que aquilo tudo era absolutamente anormal. E aqui também, como relator de vários processos da Lava Jato do Rio, também estabeleci limites para as prisões. Casos que felizmente foram confirmados pela Corte, pela nossa Segunda Turma. Em suma, fui ganhando a ideia de que no combate a corrupção tinha desvios.

P. Estamos falando sobre abusos que acontecem com uma classe privilegiada, sua maioria homens brancos e ricos. Mas não sentimos essa pressão institucional por melhoras quando falamos dos mais pobres. Até quando este debate vai ficar segregado?

R. Eu acho que é uma ilusão quando as pessoas dizem que agora estamos prendendo os ricos, ainda que de forma abusiva, e isto faz justiça em relação aos pobres. Acho uma ilusão. Dar licença para cometer abusos contra os ricos significa dar licença ainda mais intensa para ferir os pobres.
Gilmar Mendes gesticula durante a entrevista ao EL PAÍS.

P. Mas para os pretos e pobres essa licença já existe.

R. Mas certamente isso agrava. Se não há limites em relação aos ricos, não haverá em relação aos pobres. E é importante, por exemplo, o trabalho que faz aqui a Defensoria Pública da União, que traz casos interessantes como aquele sujeito que é tipificado como traficante, mas que podia ser qualificado como usuário; ou o sujeito que entra no tráfico porque tem que sustentar seu próprio vício. A gente vê que a jurisprudência que vem dos tribunais é muito mão pesada. E tentamos atenuar um pouco. As próprias condições dos presídios. Os calabouços estão cheios de pretos e pobres. Por isso, a gente tem que de fato olhar de forma muito clara para essa temática. O Direito vale para pobres e para ricos.

P. A prisão do Lula contribuiu para a instabilidade política do país?

R. Eu acho que a prisão do Lula só é viável num contexto de total destruição do sistema político, e é isso que a Lava Jato conseguiu. Nada foi mais delirante que aquele episódio do Joesley [Batista], onde o [procurador Rodrigo] Janot chega a dizer que iria investigar ministros do Supremo. O STF permaneceu intacto, mas o sistema num todo foi levado de roldão. O STJ foi levado de roldão. De fato, se deu poder para gente muito chinfrim, muito ruim, mequetrefe do ponto de vista moral e do ponto de vista intelectual. Foi essa a combinação que produziu a mídia e esse empoderamento [do MPF].

P. O senhor pediu vista no julgamento do recurso do ex-presidente Lula, pedindo a suspeição do juiz Sergio Moro. Quando o STF vai voltar ao tema?

R. Em novembro a gente volta nisso.

P. O senhor já defendeu que prender provisoriamente com base em delação “é erro crasso”. Teremos que voltar a discutir a legitimidade do instrumento delação?

R. Eu tenho a impressão de que o instrumento veio para ficar. É difícil pensar na sua eliminação. Em determinado tipo de crime, em que não se tem indícios evidentes, é preciso de, vamos chamar assim, uma prova um tanto quanto heterodoxa. Agora, por ser heterodoxa nós temos que ter muito cuidado. Por exemplo, agora mesmo o ministro Nefi [Cordeiro] do STJ declarou que a delação feita de acusado ou investigado preso é algo equivalente a uma tortura. É uma questão muito delicada. Um ex-senador, que esteve preso por três anos em Curitiba, teria declarado a conhecidos seus que era acordado na madrugada, convidado a fazer delação, e com os nomes indicados. São práticas que nada têm a ver com o estado de Direito. E isso está ocorrendo sob às vistas de um juiz federal e sob o patrocínio de membros do MP. Isso não é numa delegacia do interior do país. É algo bastante sério. Por isso, precisamos pensar bem sobre o que vai ser reformulado no ambiente da delação premiada, assumindo que se trata de um instrumento importante. Até porque, o uso político disso é um aspecto que não conhecíamos.

P. O vazamento dessas delações seriam um desses usos políticos?

R. Tenho falado com a imprensa quando vem falar do hackeamento e do episódio do Intercept. Eu digo, e os vazamentos, que eram sistemáticos? A lei da delação estabelece que, em princípio, só se revela o conteúdo da delação depois do recebimento da denúncia. Portanto, depois de instaurado o processo criminal. Não obstante, a Procuradoria encontrou uma brecha: colocava um direito de renúncia do delator, que dizia que concordava com a divulgação antecipada. E isso enchia o Jornal Nacional. Mas veja, essa renúncia não faz sentido. O colaborador está renunciado só à exposição em relação a ele mesmo. Mas está expondo todas as outras pessoas que estão estão sendo delatadas. E nós mesmos talvez tenhamos referendado – quer dizer, vários dos colegas aqui – referendamos esse tipo de acordo, que violava a lei.

P. Chama atenção que algumas delações que foram negociadas e rejeitadas no MP acabaram sendo aceitas pela Polícia Federal. É confuso para os leigos entender por que um instrumento vale para um lado e não para o outro?

R. Eu não acompanhei a feitura do projeto de lei que resultou na colaboração premiada. Mas o fato é que ela foi aprovada com a possibilidade de se fazerem acordos junto ao MP e também junto à Polícia. Portanto, isso já foi objeto de deliberação. Muito provavelmente, as próprias organizações representativas dessas entidades atuaram [nessa discussão]. E claro, tudo tem que ser submetido ao juiz, que é o órgão de controle para referendar a delação e aceitar que as ações tramitem. O MP entrou com uma ação aqui no Supremo arguindo a inconstitucionalidade da disposição legal que o Congresso tinha outorgado à Polícia Federal. Mas nós entendemos que a polícia também poderia fazer. A partir daí é discussão de política criminal: “Ah seria melhor fazer com o MP, seria mais ordenado”, ou “Nós temos muitas polícias e isso pode resultar em problemas”. Mas, a mim me parece que, a par de não haver obstáculo na Constituição, também houve uma lógica: não fortalecer por demais o próprio MP, que já estava muito forte a esta altura. Acho que essa foi uma razão. Claro que fica um tanto estranho o MP tendo rechaçado [uma delação] e ela se estabelecer [com a Polícia Federal], como houve no caso conhecido do [Antonio] Palocci.

P. O senhor admite que a segunda instância foi um erro. Quais outros erros da Corte tiveram impactam na Lava Jato?

R. Eu tenho impressão de que a Corte ficou submetida a essa pressão que a mídia e a Lava Jato exerceram. Tanto é que, por exemplo, a presidente anterior, a Carmem Lúcia, não pautou o ADC [que decidiria a prisão em segunda instância] naquele momento que se reclamava. Pautou o habeas corpus do Lula, sabedora ela que a ministra Rosa Weber tinha posição divergente e julgaria de uma forma num caso e de outra em outro. Nem vejo razões para isso, mas ela fez a opção por julgar o habeas corpus. E isso atendia, obviamente, à mídia dominante —não vou dizer opressiva porque o Tribunal não deveria se sentir oprimido por isso. Mas, de fato, isso ocorreu. E toda essa violência que se estimulava contra os ministros. A discriminação que se fazia entre aqueles que aplaudiam a Lava Jato e aqueles outros. Isso é notório. E claro que causa incômodo. Além do bom senso, uma matéria muito mal distribuída no mundo é coragem. E isso a gente vê que nem todos dispunham. As pessoas têm todas as garantias, mas as pessoas têm medo.

P. Do que um ministro do STF precisa ter medo?

R. É uma coisa quase de inata. Isso existe, as pessoas não querem ter incômodos e elas passam a ter, não é!? Há funções muito mais gratificantes, treinador de futebol. Diretor de TV. Minha mulher brinca dizendo que o filho dela é arquiteto, que a atividade é extremamente legal, porque, em geral, só leva felicidade. Mesmo que o projeto não agrade. Mas a gente sempre desagrada. No mínimo, a gente desagrada 50%, ou um grupo. E quando isso é massificado, obviamente isto nos impõe desgastes. Mas é claro, vocês podem sempre dizer: “Poxa, vai exercer uma outra função se não têm coragem”.

P. Faltou coragem para a Corte quando houve pressão, na véspera do julgamento do habeas corpus do Lula, com o tuíte do general Villas Bôas dizendo que o Exército está “atendo às suas missões institucionais” e que repudiava a “impunidade”? Qual a pressão que os militares exercem no Supremo?

R. Não acho que tenha exercido pressão. Tanto é que o ministro decano, Celso de Mello, respondeu de forma muito categórica, repudiando qualquer tentativa de tutela da Corte. Mas veja que esses movimentos que estão aí e que são agora investigados neste inquérito [das fake news], aparece a tal leitura do artigo 142 da Constituição, que diz que as Forças Armadas são importantes e que podem ser utilizadas em defesa dos poderes, do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. E alguns fazem uma leitura extravagante como se as Forças Armadas pudessem ser colocadas a serviço de um movimento geral para fechar o Supremo.

P. O senhor já se mostrou crítico de operações policiais. Qual a mais problemática?

R. No campo econômico, a Carne Fraca. Parece uma coisa de gente tresloucada. Eu brinco, de vez em quando, que o Brasil cresce à noite, porque durante o dia a gente se incumbe de derrubar, de contaminar o PIB. A coisa da Carne Fraca é impensável na Espanha, em Portugal, na Suíça, nos EUA, em qualquer outro lugar. Um sujeito faz uma operação em relação a uma empresa, que tinha alguns problemas, e vende aquela ideia de que nós estamos vendendo carne fraca, carne com papelão para o exterior. Se é uma coisa que temos abundante, de boa qualidade é a carne. Isso é 30% do PIB. Um juiz do interior, um procurador do interior do Paraná e um delegado arrebanha 1.200 auditores para fazer esta operação, que causou um grande tumulto, num contexto de dificuldade econômica. Esta gente viu Deus, quer dizer, deslumbrou-se. Outro caso, que é chocante e terminou com a morte do reitor [Luiz Carlos Cancellier, da UFSC]. Imputavam a ele um desvio de 80 milhões de reais. E depois se descobre que valor investigado era na época em que ele não era reitor da universidade. Preso, exposto e se suicida [em outubro de 2017, após a Operação Ouvidos Moucos]. Temos um festival de abusos em nome do combate à corrupção.

P. O senhor foi membro do Ministério Público e hoje é um grande crítico da instituição. O que mudou?

R. Eu tenho a impressão de que o Ministério Público talvez seja a instituição que saiu mais forte do processo constituinte. Ela era uma instituição que já tinha um papel importante, tínhamos muitos procuradores que chegaram ao Congresso por eleição e tiveram representatividade no processo constituinte. Especialmente no Ministério Público Estadual, tinham uma militância, vamos assim chamar, talvez por conta da proximidade com temas sociais, juventude, criança. No plano federal, fazíamos a um só tempo a atividade do Ministério Público, portanto, a tradicional, mas também a defesa da União em Juízo. E estávamos divididos. Não sabíamos o que era melhor para a instituição. O Ministério Público Estadual defendia a total separação entre as funções e foi o que acabou prevalecendo. Mas o Federal saiu com um acréscimo, a escolha do procurador-geral no âmbito da classe [a lista tríplice, prevista na Constituição]. O fato é que o MP sai muito forte, ganha essa ideia de autonomia, se equipara ao Judiciário. A própria legislação vai ser moldada por sua vontade. Não vai haver controle. O papel que o MP vai ter em episódios como o impeachment do presidente Collor vai ser central para essa discussão. O MP fica sem um órgão de controle. Ele passa a ser um órgão mais ou menos autônomo.

P. Mas não seria o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) o órgão de controle?

R. Só vem depois, em 2004. Portanto, vamos ficar muito tempo sem um órgão de controle. Porque o juiz, se ele decide desta ou daquela maneira, ou se ele tem uma conduta inadequada, eu reclamo para o Tribunal, que tem uma corregedoria. No caso do MP, eles também instituíram uma corregedoria, que vai funcionar de uma maneira um tanto quanto flácida, muito menos efetiva. O ato do juiz está submetido a um tribunal. Já o promotor, dificilmente se ele abre um inquérito – e não submete a Juízo –, esse ato dele é suscetível de revisão. Nós acabamos mimetizando em termos institucionais, nós mesclamos. Demos o mesmo status e o mesmo modelo para juízes e promotores. E a partir daí fomos tendo vários episódios em que esse poder só cresceu.

P. O senhor já falou sobre o aumento de poder dos promotores, poderia dar um exemplo desses episódios?

R. Eu vi o documentário da Petra Costa, Democracia em Vertigem, e ali tem marcos interessantes. Ela fala de 2013, da lei de delação premiada. O Governo Dilma adota aquilo como uma solução, uma saída política. E quem estava por trás desta lei? O Ministério Público, gente como o [juiz Sergio] Moro. E o Governo acabou adotando aquilo. Até hoje políticos vêm me contar que a presidente Dilma exigia que o projeto fosse aprovado, como uma tentativa de qualificar o Governo junto a esses interlocutores, que se diziam combatentes da corrupção. E nós hoje sabemos como isso foi usado. É um importante instrumento de combate à corrupção, mas pode servir para perversões. E as próprias informações que vêm do Intercept mostram que muitas dessas delações foram obtidas a fórceps, com uso de métodos impróprios, inadequados, ilícitos, ilegais. Isso mostra que a lei não tem as devidas salvaguardas. Esse fortalecimento institucional sem controle tem um significado: corrupção. Se a gente somar esses episódios que o Intercept revela, se a gente somar com os episódios [Marcelo] Muller da Procuradoria [acusado de receber propina para ajudar grupo J&F], e se nós somarmos com o episódio da Receita, nós estamos aprendendo o quê? Aprendendo que sem controle, teremos instituições corruptas.

 

 

*Do El País

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Baltasar Garzón: “O Direito está sendo usado para fins de perseguição política no Brasil e no mundo”

Jurista espanhol, que ficou famoso por deter o ditador Augusto Pinochet em Londres, vê um risco no Judiciário brasileiro por tirar o foco dos fatos para personalizar sentenças, em referência ao ex-presidente Lula.

Baltasar Garzón (Torres, Espanha, 1955) ascendeu muito cedo, ganhou holofotes por sua luta contra a corrupção, o narcotráfico e o terrorismo, e por colocar a Justiça num patamar ambicioso de alcançar poderosos e levá-los para a cadeia. Essa descrição pode lembrar um personagem famoso para o Brasil, que atende pelo nome de Sergio Moro. Mas a aparente semelhança entre o atual ministro da Justiça do Brasil e o magistrado espanhol, hoje suspenso de suas atividades, é superficial. Enquanto Moro fez fama internacional com a Operação Lava Jato que destrinchou grandes empresas, Garzón tem nos direitos humanos sua profissão de fé. Ficou mundialmente conhecido quando em 1998 decretou a prisão do ditador Augusto Pinochet enquanto o chileno fazia tratamento de saúde em Londres.

Embora tenha se notabilizado por suas batalhas jurídicas que inspiraram magistrados, como o próprio Moro, Garzón amargou, em 2010, a perda do direito de exercer a magistratura por 11 anos. A Corte Suprema espanhola condenou o notável juiz por prevaricação durante a investigação de uma trama que envolvia dezenas de políticos do conservador Partido Popular (PP). Garzón utilizou-se de escutas para gravar conversas de seus investigados com advogados de defesa na prisão. Reinventou-se como defensor de figuras consideradas malditas nos Estados Unidos, caso de Julian Assange e Edward Snowden, que divulgaram informações secretas da Agência Nacional de Segurança no caso que ficou conhecido como Wikileaks. É também uma das vozes que defendem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no mundo.

Pergunta. O senhor integra uma rede internacional de juristas que busca alertar para o retrocessos que podem ser causados por governos como os de Trump, Bolsonaro, ou o da Polônia. Tem sido eficiente?

Resposta. O mundo não é como quando o fascismo começou a tomar forma, nos anos 1920, 1930 [do século XX], e depois o nazismo. Essa experiência nefasta para a humanidade, que foram Hitler e o nazismo, e tudo o que aconteceu depois foi nos mostrando as presas da fera. Agora começa uma época que se estende pelos últimos cinco, seis, sete anos, em que se ouve de novo o discurso negacionista. Mas transforma-se o que então era fascismo em xenofobia, em ódio ao diferente, ao imigrante, a procurar lá fora a causa dos problemas que temos como sociedade e como sistema. Surge uma série de indivíduos ou de colocações neofascistas, ultraliberais, que procuram essa posição que se apresenta como ameaçadora à democracia. E isso produz uma resposta, que vem da própria sociedade, das próprias vítimas, dos próprios coletivos de direitos humanos, em advertência, como um alarme.

P. Qual papel o Judiciário ocupa nos países hoje?

R. Os coletivos de juristas observam que alguns países, como a Polônia e Hungria, buscam submeter o Poder Judiciário. Outros, como o Brasil e Argentina, também utilizam ou podem utilizar o Poder Judiciário para determinadas propostas. Por outro lado, na Turquia, há ataques diretos aos meios de comunicação e a jornalistas independentes. Ou então no caso dos EUA, a perseguição a Snowden e Assange. [Esses fatores] começam a interagir. E isso é o que agora mesmo estamos vendo no caso Lula. Vemos, do ponto de vista internacional, certos alarmes que nos dizem que o Direito está sendo usado politicamente para fins ou com fins políticos de perseguição. Há ações universais, coordenadas, perante ameaças que estão vindo dessa extrema direita, desse neopopulismo, dessa ação populista neofascista, que tenta reverter a história e reconquistas obtidas por parte da sociedade, essencialmente no âmbito de direitos humanos. Esse é o fato novo. Estruturas jurídicas que já estavam em funcionamento, em casos nacionais e internacionais. A universalização dessas iniciativas já ocorreu, em algum momento histórico, como na época da detenção de Pinochet através da jurisdição universal, que foi uma explosão de ações e utilização de mecanismos que estavam aí para fazer frente à impunidade. Agora se colocam em movimento para prevenir, evitar ou impedir que se consolidem essas novas ações. Protejamos quem denuncia. Mas também é preciso denunciar quem pode abusar. Por exemplo, as delações premiadas. É preciso saber quais são os limites. Denunciemos a utilização do Direito com finalidade política de luta contra a corrupção, que segmenta a ação e esquece outra parte. E, ao final, se torna uma arma política para promover um candidato em detrimento de outro.

P. O senhor está descrevendo o Brasil de 2014 para cá?

R. É que é assim. Não posso senão estar de acordo com a luta contra a corrupção, absolutamente. Mas é que, quando entram em marcha todos os mecanismos de luta, é preciso ter um cuidado absoluto, porque haverá muitos interesses cruzados, que podem apostar em determinados interesses ou finalidades que não são de forma alguma os que a Justiça representa. E podem ser instrumentalizados. De alguma forma é o que aconteceu aqui [no Brasil]. Aqui havia, muito claramente, interesse por parte de grandes estruturas econômicas, corporativas, de que o Governo do PT, fosse de Lula ou Dilma, não continuasse. O impeachment de Dilma, do meu ponto de vista, foi um golpe de Estado brando, como foi o do [presidente paraguaio Fernando] Lugo e como foi em outros casos. Portanto, isso acontece e, quando acontece e são usados os mecanismos da Justiça, é preciso sermos extremamente exigentes com as garantias. Porque, se não formos, é muito fácil que vire uma perseguição ao homem, e não uma investigação do fato. Acredito que seja isso que aconteceu por aqui.

P. Como vê o ex-juiz Sergio Moro?

R. Sou da opinião que, se você está atuando como juiz, não pode ficar opinando sobre o que faz e compartilhando o que faz. Eu não entendo um comentário ou um tuíte, no Facebook ou em outra rede social, de um juiz que está trabalhando. Não entendo isso nem justifico. Os princípios da imparcialidade e independência são centrais.

P. Mas ele só começou a usar o Twitter depois de virar ministro da Justiça.

R. Mas o que vimos depois, as revelações do The Intercept, são o cúmulo das mensagens ou comunicações que havia com o Ministério Público, supostamente. [Deveria prevalecer] sempre o princípio de presunção de inocência num sistema como o brasileiro, em que há uma separação absoluta entre o Ministério Público e o juiz. Porque o juiz dita a sentença. Não é como na Espanha. Lá, o juiz de instrução investiga, o promotor investiga. Ao final há um tribunal que decide sobre as garantias e medidas cautelares, e outro tribunal, que não tem conexão nem com o intermediário nem com o juiz, julga. Garante-se absoluta imparcialidade. Aqui, não. Se pessoas que tiverem que estar em um lugar e em outro estabelecem laços de conexão, surge a dúvida. Não duvido que se cometam crimes ou não. Depois quem tiver que decidir decidirá. Mas a partir do momento em que há essa interconexão, a credibilidade sobre a imparcialidade se perde.

P. O senhor leu a sentença que levou o ex-presidente Lula à prisão? Vê falhas?

R. Eu a acho muito inconsistente, são elementos circunstanciais, e não há uma base juridicamente objetiva e defensável para uma condenação. É uma opinião jurídica. Mas acho que não havia elementos para considerar que Lula fosse partidário de ser sujeito ativo de uma corrupção passiva.

P. Mas há muitíssimos elementos, provas que mostram transações em dinheiro etc…

R. Nenhuma diretamente com Lula.

P. Não dele em particular, mas há demonstrações de que o partido deixou que se construísse ou que fossem aprovados esquemas de corrupção…

R. No que se refere ao conteúdo da sentença e do julgamento, não tenho que opinar além da análise externa de uma resolução para a qual, já naquele momento, estabeleci a posição sobre a investigação, porque via que havia uma direção determinada com relação a um espectro político, concretamente do PT e do presidente Lula, que tinha uma influência política e a teve, sem lugar a dúvida, acelerando prazos, tomando decisões mais que discutíveis, semeando todo um procedimento com dúvidas e irregularidades. Até que se chegou à sentença para evitar que houvesse uma apresentação eleitoral de uma candidatura, e que depois se revelou que de alguma forma havia, não sei se uma conexão ou pelo menos um interesse, ou se este surgiu depois, quando o juiz Moro foi nomeado ministro da Justiça. Mas todos esses elementos influem, embora as provas tivessem sido mais ou menos consistentes, em contaminar todo o cenário. Esse é o problema. Já não é só quantos indícios havia ou quantos elementos podiam ter sido levados em conta, mas sim que quem os usou estava de alguma forma violando os limites, ao manter essa comunicação permanente com o Ministério Público. Se isto é proibido pelo sistema processual brasileiro, então tem que haver consequências. Mesmo que os elementos fossem definitivos.

P. O ministro Gilmar Mendes já disse que havia coisas a serem revistas.

R. Sim, coisas a serem revistas, porque afinal o que temos é que há uma pessoa condenada a oito anos da prisão e que esse procedimento agora está se comprovando que não foi totalmente limpo. Esse é o problema. O problema é: até onde chega a contaminação? Até onde chega a dúvida? Bom, são os tribunais que terão que dizer.

P. Os procuradores da Lava Jato e o ex-juiz argumentam que tudo foi ratificado pelas instâncias superiores.

R. Ratificariam agora depois de conhecer as revelações? Para mim, é incompreensível.

P. Também tivemos, durante um julgamento no Supremo [do pedido do habeas corpus de Lula em abril de 2018], um representante do Exército [General Villas Boas] insinuando um posicionamento da instituição contra a soltura de Lula.

R. Isso é uma intimidação muito clara contra a independência do Judiciário. Isso é uma interferência grave. Isso, não sei, no meu país, na Espanha, teria se armado um reboliço se o Exército sugerisse que pode haver ruído de sabres. Os caminhos das instituições têm que ser perfeitamente independentes. E se depois houver um abuso ele deve ser punido. O que não se pode fazer é incidir em um âmbito político utilizando armas judiciais. Não é possível, ao menos para mim, utilizar o Direito para fazer uma interferência política, por mais arriscada que seja, não é evidentemente um mecanismo democrático. Porque, se da investigação judicial ficar demonstrado que houve uma relevância ilícita delitiva, ficará demonstrado em dado momento, e nesse momento é que se deverá produzir o efeito. Mas não utilizar essa investigação para que interfira em um processo político.

P. O senhor acredita que as democracias latino-americanas são mas suscetíveis à pressão social contra instituições? Porque essa acabou sendo uma justificativa do general no ano passado [“o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia”], repetido na semana passada, mencionando o risco de “convulsão social”.

R. Conheço os argumentos dos militares, sobretudo quando tomam para si a defesa da democracia através do Twitter. Deixam muito a desejar. Porque o Exército sempre deve estar submetido ao poder político. Constitucionalmente tem sua função e não tem que advertir sobre nada, porque isso soa mal. O que ocorre é que as instituições democráticas precisam ser empoderadas, fortalecidas, e são fortalecidas com a independência, não com o isolamento entre poderes. A separação e a independência de poderes são uma coisa, e a submissão de um a outro é algo bem diferente. Foi o que aconteceu em alguns países da região latino-americana, e que também se viu em outras partes do globo, não? Se há uma mudança política, se a Justiça é utilizada como uma arma imediata contra o sistema ou o regime anterior, seja ele qual for… Não é possível que os regimes populares que houve, de esquerda, tenham cometido tantíssimos crimes como se lhes imputa. Não tiveram tempo de cometer tantos crimes. Porque um pouco de Governo tiveram que fazer, não? Parece que não existiam, só para delinquir.

P. Essa leitura —de que existiam para delinquir— foi questionada.

R. Então me parece um excesso e, o excesso suscita a dúvida. Porque não é que se selecione ou se priorize. Não. É necessário investigar o fato. E se o fato deriva de fortes indícios de que uma autoridade política tem uma responsabilidade criminal, que se exija. A questão não é que seja Lula ou Bolsonaro ou qualquer presidente ou chefe de Governo quem esteja supostamente envolvido em uma trama. É que é preciso demonstrar, e acima de tudo no caso dessa autoridade máxima, com uma resolução muito maior, distinguir a responsabilidade política do que é responsabilidade jurídico-penal, porque aqui somos iguais. E se houve uma má prática, se houve determinada condescendência com práticas irregulares, muito bem, que sofra sanções politicamente. Mas, daí a passar para atos criminosos, certamente exige uma investigação digna de crédito, clara, contundente e, sem dúvida, limpa. E é isso que acredito que não aconteceu aqui, como estamos vendo. Para mim, estamos no turbilhão em que estamos porque precisamente essas margens não foram respeitadas. Não posso acreditar que todos os líderes da esquerda sejam corruptos e os da direita ninguém os persiga.

P. O senhor acredita que estamos vivendo uma era de democracias cínicas, em que a mentira?..

R. Sim, bem, já falamos de fake news, falamos já sem rodeios: dizemos que não é que isto seja mentira, mas me serve. É que, se alguém lê a história, percebe como é isso. Volto a dizer: há um poder, não vou dizer absoluto, mas absolutamente prepotente e preponderante, que é o poder político, neste caso, de um presidente republicano. Na outra opção da balança estão elementos absolutamente vulneráveis da sociedade. O que podemos dizer quando há um discurso como o do governador do Rio de Janeiro, que diz que a ação violenta das forças de segurança é a única via para acabar com o crime? E vemos como até se tenta justificar a morte da menina Ágatha, dizendo: “Não, é que se perseguia um grupo criminoso”.

P. É uma resposta-padrão da polícia no Brasil.

R. Já ouvi muito sobre isso. Ouvi nos anos 70, na ditadura argentina, ouvi na ditadura franquista, que sempre se justificava, e o que se faz é ocultar a ineficácia absoluta. Por quê? Porque não há mais medidas políticas, porque recorrem a mecanismos de repressão, e são as mesmas receitas, só que com outros nomes. E é isso que contribui para uma subtração de direitos, uma espécie de volta atrás, de perda desses direitos que já pensávamos que estavam consolidados e dormimos. Entramos naquela afirmação do poeta da Idade Média que dizia: “Nunca se conquista um reino para sempre”. Ou seja, os direitos humanos, a democracia, não estão conquistados para sempre. Quando caímos na armadilha de dizer que já temos tudo, aí começa outra vez a volta para trás e o perigo. E foi isso que aconteceu conosco agora. Renunciamos à luta contra as fake news, porque é tal o poder das redes sociais e da comunicação que é impossível se contrapor a ele. Eu coordeno a defesa de Julian Assange. Alguém se pergunta: por que não se investiga nada que o WikiLeaks denunciou nos Estados Unidos? Por que, quando você assiste a um vídeo onde se vê, se observa nitidamente o metralhamento de civis no Iraque, esse assunto nunca foi investigado? E, no entanto, investem-se esforços, recursos em perseguir a pessoa que supostamente editava esse veículo.

P. A extrema direita cresce enquanto estamos anestesiados?

R. Eles usam os mecanismos democráticos, usam a linguagem democrática para atacar a própria democracia. E isso até mesmo pode ser democrático. Mas é preciso desvendar isso, é preciso detectar, é preciso denunciar e punir quando for possível, porque uma coisa é que, no quadro democrático, você pode até ter abordagens contra a própria democracia. Outra coisa é deixar que atuem para romper a democracia. Não é controlar, não é evitar ou proibir a liberdade de expressão como Erdogan pode fazer na Turquia. Há liberdade de expressão, vocês podem atacar o próprio sistema, agora, se o que é realmente detectado já é uma transgressão que ocorre ou que rompe esse sistema, tem que ser perseguido, obviamente. Insisto, a democracia não é conquistada para sempre. Não vai resistir se não a defendermos. Devemos até mesmo defendê-la daqueles que, a partir do próprio sistema, tentam destruí-la.

P. O México acaba de passar pela renúncia de um ministro do Supremo e o Peru enfrenta um jogo de forças entre o Congresso e o presidente para modificar a estrutura da sua Corte Suprema. Como o senhor avalia esses casos?

R. São casos diferentes do que está acontecendo em outros países da região. Na renúncia do ministro Eduardo Medina Mora no México, houve uma reação imediata do mesmo da qual poderia se dizer de uma decisão que o honra, porque diante do menor questionamento sobre sua honra, e ainda que discordando da informação publicada, o juiz apresentou sua renúncia, o que facilita a consolidação da crediblidade do máximo organismo judicial mexicano, sem ter afetada a presunção de inocência. No caso do Peru, a questão é mais complexa. O presidente Vizcarra dissolveu o Parlamento e convocou eleições para que o povo fale e dessa forma egite a instrumentalização que se tenta fazer por alguns grupos políticos para fazer justiça. A atuação da Justiça peruana, em seu mais amplo sentido, com as dificuldades que enfrenta, está respondendo inclusive descobrindo os comportamentos corruptos que podem existir dentro da mesma. Um exemplo foi a detenção na Espanha e a extradição de uma alta autoridade judicial acusada de corrupção. As respostas judiciais precisam ser contundentes, mas proporcioinais e especialmente transparentes para que os cidadão não percam a confiança em quem, no final, são o último reduto da defesa dos direitos.

P. O senhor viveu uma situação muito particular com a suspensão por 11 anos da magistratura na Espanha.

R. Já se passaram nove anos e meio. Parece que foi ontem… Mas hoje me sinto alegre e recompensado com uma espécie de justiça poética. Finalmente, os restos mortais do ditador Francisco Franco precisam ser exumados do Vale dos Caídos, onde houve uma das maiores aberrações que podem ocorrer: os restos mortais do agressor repousam junto com os das vítimas, que foram depositadas ali sem nenhum dano, conhecimento ou autorização dos membros da família. Muito tempo depois do que deveria, deu-se lugar ao triunfo das vítimas. [Garzón defendia a retirada dos restos do ditador daquela região, que acontece nesta quinta-feira]. Portanto, hoje estou feliz por isso.

P. Mas o senhor se frustra?

R. Entrei na carreira judicial porque queria ser juiz e porque acredito que é um serviço público que deve ser prestado à sociedade. E fazer isso como marca a lei, com independência, com a legalidade, pode te levar às vezes a graves consequências. No meu caso, alguém pode me dizer: “Bem, mas o senhor foi condenado por ter aplicado mal uma lei”. Bem, eu discordo, mas admito o sistema e, portanto, estou lutando com as regras que ele me permite. Eu sou da opinião de que a interpretação de uma lei, que é algo diferente do que é essa contaminação subjacente, mas à luz do público, acho que não tem nada a ver, ou seja, ninguém pode sofrer sanções por interpretar uma lei, quando também o faz sob o amparo de parâmetros internacionais. Mas são os custos da investigação do crime organizado, corrupção etc. Alguém pode dizer: “Mas, ei, isso também acontece com o juiz Moro?”

P. Isso.

R. Eu poderia dizer: Sim, é muito provável. Mas estamos em uma área em que essa pesquisa precisa ser aberta. E se houve uma transgressão desses espaços e houve uma contaminação de efeitos concatenados que podem levar ao cancelamento de processos e afins, eles devem ser investigados e estabelecer sanções, porque ninguém está acima da lei. E no meu caso, pode-se dizer: bem, você foi condenado. Sim, e o assumo ainda que não compartilhe [com a decisão], porque acredito que a interpretação que fiz não foi apenas justa, mas foi reproduzida, seguida por outros juízes que nunca foram perturbados. No meu caso foi assim. Era uma conjuntura histórica muito específica e, bem, aqui estamos. Continuo lutando pelos meios limpos, continuo dizendo que a corrupção deve ser combatida a partir da legalidade. Mas não ir além, a ponto de prejudicar a própria luta contra a corrupção.

P. Incomoda ser comparado ao Moro?

R. Não. Conheci Sergio Moro em um evento em Lisboa há alguns anos e ele me disse que eu era um exemplo de juiz. Eu agradeci e lhe disse continuasse seu trabalho, mas também lhe disse para sempre lutar com as armas que a lei nos dá. E fazê-lo como o fez Falcone, assim como Borsolino, que lhe custou a vida ou o emprego. A outros lhes custa a privacidade, paz etc. Bem, no caso de Moro, ele está no poder agora e está no poder com quem o nomeou e, a verdade é que eu mal consigo entender isso.

P. Pelo fato de ter sido nomeado por alguém que está do lado oposto de onde o senhor está hoje?

R. Não se trata de ser do lado oposto. Estou em defesa de valores e direitos, da garantia que a humanidade conquistou, que custou muito. Não ouso questioná-los sob nenhuma circunstância. Nem de uma maneira jocosa ou como uma piada..

P. Bolsonaro nomeou Moro, e Bolsonaro é contra o que senhor acredita.

R. Não é contra o que acredito, mais bem contra os princípios básicos de um sistema democrático.

 

*Do El País

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Agora sim, com o voto de Rosa Weber contra prisão em 2ª instância, Lula poderá ser solto

“Não é dado ao intérprete ler o preceito constitucional pela metade, como se tivesse apenas o princípio genérico da presunção da inocência, ignorando a regra que nele se contém – até o trânsito em julgado”, justificou a ministra.

Apesar da visita do ex-juiz e atual ministro da Justiça, Sérgio Moro, a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber votou contra a execução da pena em segunda instância, nesta quinta-feira (24). O voto da ministra foi pronunciado depois de contextualizar o histórico do direito da presunção de inocência, garantido pela Constituição, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória. Em caso de vitória da tese que inviabiliza a prisão após condenação em segundo grau, o ex-presidente Lula pode ser beneficiado.

“Não é dado ao intérprete ler o preceito constitucional pela metade, como se tivesse apenas o princípio genérico da presunção da inocência, ignorando a regra que nele se contém – até o trânsito em julgado”, justificou.

Até o momento, o placar aponta 3 a 2 a favor da prisão em segunda instância. Além de Rosa Weber, somente o relator, Marco Aurélio Mello, votou contra a prisão em segunda instância, conforme está previsto na Constituição. Alexandre de Moraes, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso votaram a favor.

Colegiado

A posição de Rosa Weber foi vista como a mais imprevisível dentre os ministros que ainda faltam votar. Ela sempre foi contra a prisão em segunda instância, mas, em 2018, votou por negar um habeas corpus ao ex-presidente Lula. Na ocasião, argumentou que era preciso respeitar a orientação da maioria do colegiado, que autorizara, num julgamento anterior, a execução provisória da pena.

Ainda deverão votar Luiz Fux, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e o presidente da corte, Dias Toffoli. Os quatro últimos votaram contra a prisão de condenados em segunda instância no julgamento de 2018, que envolvia Lula.

 

*Com informações da Forum

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Gilmar Mendes: A Globo se nutriu de vazamento criminoso da Lava Jato

A entrevista de Gilmar Mendes no programa do Bial teve uma estrondosa repercussão nas redes sociais porque ele ligou a corrente elétrica naquilo que de fato trouxe luz para fixar uma posição bastante clara sobre a Lava Jato, mas principalmente sobre Moro e o lavajatismo militante da mídia que, como bem disse o ministro sobre a Globo, ela usa o subterfúgio de que o Intercept utiliza os vazamentos obtidos de fonte criminosa, e lembra que ela fez o mesmo com os vazamentos criminosos da Lava Jato.

Gilmar Mendes, em seu deboche, detona a expectativa que se tinha de Moro que entrou no governo Bolsonaro quase como um Primeiro Ministro e acabou virando “esse personagem que Bolsonaro leva para o jogo do Flamengo”.

O fato é que ninguém precisou de bola de cristal para saber que, para o judiciário sair desse obscurantismo que se inicia no “mensalão”, em parceira com a mídia, servindo de trampolim para Moro e a Globo criarem a Lava Jato, teria que fazer o caminho de volta com o limpa-trilho, ou seja, começar do começo, que é a Central Globo de Jornalismo, ou alguém imagina que Moro teria algum êxito na sua sanha fascista sem apoio incondicional da Globo? Lógico que não, tanto que, na verdade, quem está matando a Lava Jato não é o Supremo, muito menos Gilmar Mendes, mas a própria Globo não noticiando mais nada a respeito das operações ou mesmo de Moro como ministro, para se afastar  de todos os personagens criminosos da Lava Jato revelados pelo Intercept. Personagens que foram sócios dos seus jornalistas.

Como também disse Gilmar Mendes, “Moro e os procuradores da Lava Jato eram melhores publicitários que juristas”.

O caminho das pedras para uma mudança de rumo foi dado pelo próprio Gilmar Mendes, a comunidade jurídica internacional que viu uma série de vícios, ou seja, de cartas marcadas na condenação de Lula. E isso, para o judiciário, tem um significado muito acima da opinião que a classe média verde e amarela e a Globo hoje fazem sobre o STF.

Vivemos num mundo globalizado e essas questões de direitos humanos ganham cada vez mais espaço no debate global e, consequentemente, um judiciário de qualquer país não pode estar descolado desse compromisso que a Globo não tem, porque é provinciana, é local, é medíocre na dimensão universal. Quem é a Globo na fila do pão dos grandes veículos de comunicação no mundo? Nada, zero.

E aí está o grande erro na hora de medir o tamanho dos Marinho e o tamanho de Lula. Querer reduzir Lula à mediocridade de um Merval Pereira ou de uma Míriam Leitão, é uma coisa, passar a acreditar nisso, é uma temeridade, melhor dizendo, um suicídio, porque Lula, gostando ou não dele, é um símbolo internacional.

A dimensão do governo Lula não se restringe às patetices ditas na Globo News por Cristiana Lobo, Renata Lo Prete, Eliane Cantanhêde e outras cajazeiras da Sucupira midiática.

Gilmar sabe bem disso, por isso foi claro em colocar a opinião da comunidade jurídica internacional sobre o julgamento de Lula e o seu peso no mundo.

Não há saída para o judiciário brasileiro. Para que ele sobreviva, sobretudo o STF, terá que cortar na própria carne, terá que acabar com a Lava Jato sem poder enterrá-la e sem que todos os envolvidos nos crimes praticados em nome do aparelho judiciário do Estado brasileiro sejam exemplarmente punidos.

Já Lula, como enfatiza Gilmar Mendes, merece um julgamento justo, começando do zero, assim não ficará pedra sobre pedra nesse monumento de crimes jurídicos praticados pela Lava Jato contra ele.

https://twitter.com/Velandrade13/status/1183970439820926977?s=20

 

*Carlos Henrique Machado Freitas

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Celso de Mello aponta que vai declarar suspeição de Moro e anular sentença de Lula

Esta seria a terceira derrota consecutiva do ex-juiz e atual ministro da Justiça, Sérgio Moro, acusado de agir com parcialidade no caso.

O decano do Supremo Tribunal Federal (STF), Celso de Mello, sinalizou, nos bastidores, a possibilidade de votar a favor do pedido da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para derrubar a condenação no caso do tríplex do Guarujá.

Esta seria a terceira derrota consecutiva do ex-juiz e atual ministro da Justiça, Sérgio Moro, acusado de agir com parcialidade no caso.

Os colegas Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski votam a favor. Os ministros Edson Fachin e Cármen Lúcia votaram contra o pedido do ex-presidente.

Integrantes da Corte dizem que o ideal é o julgamento ser retomado apenas quando o voto de Celso de Mello estiver “amadurecido”, já que a definição do resultado deve caber ao decano.

Em agosto, por 3 a 1, a Segunda Turma derrubou a condenação que havia sido imposta ao ex-presidente da Petrobrás e do Banco do Brasil Aldemir Bendine, sob a alegação de que o executivo fora obrigado a entregar sua defesa no mesmo momento em que delatores da Odebrecht apresentaram suas alegações finais, sem poder, assim, rebater as acusações.

À época, pela primeira vez a ministra Cármen Lúcia não acompanhou o relator da Lava Jato, Edson Fachin, no julgamento de casos cruciais da operação na Segunda Turma, conforme levantamento do Estado. A posição de Cármen foi interpretada como sinal de que mesmo magistrados mais favoráveis à Lava Jato poderiam se opor ao que alguns chamam de excessos de juízes e procuradores.

No início deste mês, o plenário também derrubou a condenação do ex-gerente da Petrobrás Marcio de Almeida Ferreira em um caso similar ao de Bendine. Falta ainda definir a tese que pode abrir brecha para a anulação de mais condenações, como a de Lula no caso do sítio de Atibaia.

 

 

*Com informações da Forum/Estadão

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Gilmar Mendes levará a suspeição de Moro para a Segunda Turma e será acompanhado por Celso de Mello

Segundo membros do STF, o ideal é o ministro do STF Gilmar Mendes retomar o julgamento do Habeas Corpus de Lula contra Sérgio Moro somente quando o voto de Celso de Mello estiver “amadurecido”. Mello sinalizou a possibilidade de se alinhar a Gilmar e a Lewandowski a favor do pedido de Lula. Defesa acusa Moro de parcialidade no caso do tríplex do Guarujá (SP).

O ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes pretende levar até novembro, à Segunda Turma da Corte, o julgamento do habeas corpus em que a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva acusa o ex-juiz e atual ministro da Justiça, Sérgio Moro, de agir com parcialidade ao condená-lo no caso do tríplex do Guarujá (SP). Moro já sofreu duas derrotas no STF, ao ter duas sentenças anuladas.

Segundo membros do Supremo, o ideal é o julgamento ser retomado somente quando o voto de Celso de Mello estiver “amadurecido”. Ele sinalizou a possibilidade de se alinhar a Gilmar e a Ricardo Lewandowski a favor do pedido de Lula para derrubar a condenação. Os ministros Edson Fachin e Cármen Lúcia já votaram contra o pedido do ex-presidente.

O STF já anulou duas sentenças de Moro, que julgava os processos da Operação Lava Jato em primeira instância antes de se tornar ministro. Em agosto, pro 3×1, a Segunda Turma derrubou a condenação que havia sido imposto ao ex-presidente da Petrobrás e do Banco do Brasil Aldemir Bendine. Ministro da Corte argumentaram que o executivo entregou sua defesa no mesmo momento em que delatores da Odebrecht apresentaram suas alegações finais, sem poder, assim, rebater as acusações.

No começo deste mês, o plenário também derrubou a condenação do ex-gerente da Petrobrás Marcio de Almeida Ferreira em um caso similar ao de Bendine. Falta definir a tese que pode abrir brecha para a anulação de mais condenações, como a de Lula no caso do sítio de Atibaia.

As irregularidades de Moro, que já vinham sendo denunciadas pela esquerda, estão sendo comprovadas desde o dia 9 de junho, o quando o site Intercept Brasil começou a divulgar conversar entre o ex-juiz e procuradores. Ambos os lados extrapolaram suas funções. O magistrado interferiu no trabalho do Ministério Público Federal (MPF-PR) e dava coordenadas sobre as investigações, ou seja, Moro e promotores feriam a equidistância entre quem julga e quem acusa.

No caso de Lula, vale ressaltar que, de acordo com uma das reportagens do Intercept, o procurador Deltan Dallagnol, duvidava da existência de provas contra Lula.

“No dia 9 de setembro de 2016, precisamente às 21h36 daquela sexta-feira, Deltan Dallagnol enviou uma mensagem a um grupo batizado de Incendiários ROJ, formado pelos procuradores que trabalhavam no caso. Ele digitou: ‘Falarão que estamos acusando com base em notícia de jornal e indícios frágeis… então é um item que é bom que esteja bem amarrado. Fora esse item, até agora tenho receio da ligação entre Petrobras e o enriquecimento, e depois que me falaram to com receio da história do apto… São pontos em que temos que ter as respostas ajustadas e na ponta da língua'”, diz o site.

 

 

*Com informações do 247

 

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STF vai julgar prisão de condenados em segunda instância nesta quinta-feira

Se o plenário mudar de posição, as prisões voltariam a ser decretadas somente depois de analisados todos os recursos judiciais ao alcance do réu. Neste caso, o ex-presidente Lula poderia ser libertado.

BRASÍLIA – O presidente do Supremo Tribunal Federal ( STF ), Dias Toffoli, marcou para a próxima quinta-feira o julgamento das ações sobre a possibilidade de prisão de réus condenados em segunda instância . Desde 2016, o entendimento majoritário na Corte é de que a pena pode ser executada após decisão em segunda instância. A orientação agora poderá mudar. Existe a possibilidade de que o réu possa aguardar em liberdade por mais tempo. O julgamento será realizado em plenário , com os onze ministros.

Hoje, o entendimento do tribunal é que réus nessa condição possam ser submetidos ao cumprimento antecipado da pena. Se o plenário mudar de posição, as prisões voltariam a ser decretadas somente depois de analisados todos os recursos judiciais ao alcance do réu. Neste caso, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva poderia ser libertado.

Além disso, há expectativa entre os ministros que a Segunda Turma da Corte, formada por cinco ministros, retome o julgamento de um recurso de Lula. Em junho, durante a análise do caso, o ministro Gilmar Mendes pediu vista e interrompeu a discussão. Ele poderá liberar o processo para julgamento ainda neste mês. Em seguida, caberá à presidente da turma, ministra Cármen Lúcia, agendar uma data.

Os dois processos começaram a se movimentar nos bastidores um dia depois da divulgação da carta em que Lula afirma que não vai “barganhar” sua liberdade – ou seja, não vai aceitar migrar do regime fechado para o semiaberto. O ex-presidente aposta na mudança de entendimento do plenário sobre a segunda instância. E também na possibilidade de ter sua condenação anulada na Segunda Turma. No recurso, a defesa alega que o então juiz Sergio Moro não era isento o suficiente para conduzir os processos do ex-presidente.

Lava Jato em xeque

A assessoria de imprensa de Toffoli informou na semana retrasada que não há nova data marcada para o julgamento da tese que busca amenizar o alcance da decisão que atinge sentenças da Lava-Jato .

Na última sessão sobre o assunto ficou definido que seria aprovada uma tese para criar parâmetros de fixação do entendimento firmado na semana passada, segundo o qual sentenças da Lava-Jato poderão ser anuladas se não tiver sido respeitada a ordem de alegação final dos réus. De acordo com o plenário, primeiro devem ser ouvidos delatores e, em seguida, delatados.

Depois da sessão, ministros começaram nos bastidores um movimento para não comparecerem à discussão, para que a tese não fosse aprovada. Parte desses ministros discorda da fixação de uma tese, para que juízes tenham a liberdade de decidir caso a caso. Outra parte gostaria até que o plenário fixasse uma tese, mas não necessariamente a sugerida por Toffoli.

O presidente do tribunal percebeu o risco de não obter maioria em torno da tese que ele propôs na tarde desta quarta-feira. Para ele, devem ser anuladas sentenças apenas se a defesa do réu recorreu da ordem de alegações finais desde a primeira instância. Os outros critérios seriam: demonstrar prejuízo com a ordem conjunta de alegações e também a homologação prévia da delação premiada.

 

 

*Com informações de O Globo

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Vaza Jato: ‘vamos criar distração’; Lava Jato usou denúncia do sítio contra Lula para distrair público de crise com Temer e Janot e proteger colegas

Íntegra da matéria

Procuradores da Lava Jato no Paraná programaram a divulgação da denúncia contra Luiz Inácio Lula da Silva no caso do sítio em Atibaia fazendo um cálculo corporativista e midiático. Em maio de 2017, eles decidiram publicar a acusação numa tentativa de distrair a população e a imprensa das críticas que atingiam Procuradoria-Geral da República na época, mostram discussões travadas em chats no aplicativo Telegram entregues ao Intercept por uma fonte anônima.

À época, a equipe do então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, estava sob bombardeio por causa de um áudio vazado da colaboração premiada dos executivos do conglomerado JBS que atingia em cheio o presidente Michel Temer. Havia suspeitas de que o material havia sido editado. Meses depois, problemas mais graves – como o jogo duplo do procurador Marcelo Miller, que recebeu R$ 700 mil para orientar a JBS – levaram o próprio Janot a pedir que o acordo fosse rescindido.

O então procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, à época o decano da Lava Jato em Curitiba, escreveu aos colegas que a acusação que atribui a Lula a propriedade de um sítio em Atibaia poderia “criar distração” sobre a possível edição da conversa gravada entre o ex-presidente Michel Temer e o empresário Joesley Batista, dono da JBS. Mais tarde, o diálogo seria um dos pilares da primeira denúncia que a PGR fez contra Temer, mas o que dominava o debate público até então eram suspeitas sobre a integridade da gravação.

A denúncia do sítio já estava pronta para ser apresentada em 17 de maio de 2017, dia em que o jornal O Globo publicou reportagem acusando Temer de dar aval a Joesley para a compra do silêncio do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, do MDB. Diante da notícia, que caiu como uma bomba em Brasília, o coordenador das investigações no Paraná, Deltan Dallagnol, decidiu adiar o oferecimento e a divulgação da acusação contra Lula, inicialmente programadas para o dia seguinte.

Quatro dias depois, num domingo, a força-tarefa debatia no Telegram o tratamento dado pela imprensa ao áudio de Temer e Joesley. Peritos entrevistados ou contratados por veículos de comunicação identificaram cortes na gravação e apontaram que poderia ter havido edição do arquivo.

A Lava Jato do Paraná, que não teve participação na delação da JBS, se preocupava: além de considerarem as falas de Temer inconclusivas do ponto de vista jurídico, os procuradores – que nunca lidaram bem com críticas da imprensa – se incomodavam com a repercussão das suspeitas de adulteração do material.

Convencidos da integridade da gravação, os procuradores esperavam que viesse a público o quanto antes um laudo da Polícia Federal sobre o áudio. Foi durante essa discussão que Santos Lima expôs seu plano no grupo Filhos do Januario 1, restrito aos integrantes da força-tarefa: “Quem sabe não seja hora de soltar a denúncia do Lula. Assim criamos alguma coisa até o laudo”. Após seu chefe, Deltan Dallagnol, se certificar de que o plano poderia ser posto em prática, ele comemorou, no mesmo grupo: “Vamos criar distração e mostrar serviço”.

A denúncia contra Lula foi apresentada à justiça e divulgada à imprensa no final da tarde do dia seguinte, dia 22.

‘anunciaram batom na cueca. E com relação ao Temer, não tem’

Como quase todo o Brasil, a força-tarefa da Lava Jato no Paraná ficou sabendo do áudio em que Joesley Batista incriminava Michel Temer pela imprensa. Às 19h54 de 17 de maio, o procurador Athayde Costa enviou ao grupo de Telegram Filhos do Januario 1 o link da reportagem de O Globo. A informação abalou Brasília a tal ponto que forçou Temer a fazer um pronunciamento no dia seguinte para garantir, em seu português empolado, que não renunciaria à Presidência.

Enquanto os procuradores da Lava Jato discutiam o vazamento, a procuradora Jerusa Viecili avisou aos colegas que a denúncia do sítio estava pronta para ser apresentada. Dallagnol, porém, avaliou que a acusação seria “engolida pelos novos fatos”, ou seja, os desdobramentos das revelações contra Temer.

17 de maio de 2017 – Filhos do Januario 1

Jerusa Viecili – 20:11:21 – pessoal, terminamos a denuncia do sitio. segue em anexo caso alguem quiera olhar. a ideia era protocolar amanha, mas devido aos novos acontecimentos …..
Deltan Dallagnol – 20:11:26 – Por isso Janot me disse que não sabe se Raquel è nomeada pq não sabe se o presidente não vai cair
Dallagnol – 20:11:38 – Esperar
Dallagnol – 20:11:45 – Amanhã será engolida pelos novos fatos
Dallagnol – 20:11:56 – E cá entre nós amanhã devemos ter surpresas
Viecili – 20:11:56 – [anexo não encontrado]
Viecili – 20:12:06 – [anexo não encontrado]
Athayde Ribeiro Costa – 20:12:09 – Tem que ser segunda ou terca
Viecili – 20:12:18 – sim, por isso podem olhar. pq eu nao aguento mais esse filho que não é meu! hehehehe
Costa – 20:12:39 – É nosso
Costa – 20:12:47 – E de todos

As primeiras conversas dos procuradores sobre a delação da JBS revelam um clima de excitação. “To em êxtase aqui. Precisamos pensar em como canalizar isso pras 10 medidas”, escreveu Dallagnol em 17 de maio, no mesmo grupo, referindo-se ao projeto de medidas contra a corrupção capitaneado por ele.

“Bem que poderia vir uma gravação do Gilmau junto né?!”, escreveu minutos mais tarde o procurador Roberson Pozzobon, em alusão ao ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, visto como um arqui-inimigo pela força-tarefa. O procurador Orlando Martello retrucou, pouco depois: “Defendo uma delação com temer ou Cunha para pegar Gilmar”.

Passada a euforia inicial, no entanto, alguns procuradores começaram a expressar ceticismo sobre o real impacto do áudio contra Temer.

19 de maio de 2017 – Filhos do Januario 1

Carlos Fernando dos Santos Lima – 07:14:59 – Os áudios do Temer não são matadores, mas são bem melhores que eu imaginava.
Santos Lima – 07:21:31 – E quanto a participação do Miller, ele até poderia negociar valores, mas tratar do escopo é algo inadmissível, pois é justamente aí que há a possibilidade de uso de informações privilegiadas. Houve ingenuidade em aceitar essa situação como se ela não fosse aparecer na imprensa.
Santos Lima – 07:28:11 – [anexo não encontrado]
Santos Lima – 07:28:52 – Júlio. Você que é especialista, conhece essa dupla sertaneja?
Viecili – 07:31:41 – Problema foi que anunciaram batom na cueca. E com relação ao Temer, não tem.
Viecili – 07:35:21 – Kkkkk desconheço; só apareceram nas paradas recentemente
Santos Lima – 07:40:28 – Os diálogos são indefensaveis no contexto politico. Não há volta para o Temer. Ainda mais que a Globo não está aliviando como os jornais de São Paulo.
Santos Lima – 07:40:33 – http://m.oantagonista.com/posts/exclusivo-a-integra-do-anexo-9
Viecili – 07:44:22 – Sim. No contexto político. Mas com relação a crime, os áudios não são tão graves como anunciado.

‘aí mata a repercussão’

À medida que os dias passavam, crescia a preocupação dos procuradores com questões que a força-tarefa considerava perigosas à imagem da Lava Jato. Uma delas era a situação delicada do ex-procurador Marcello Miller, que veio à tona no dia seguinte à reportagem de O Globo.

A imprensa apontava que Miller, braço-direito de Janot na Lava Jato até o início de 2017, havia sido contratado pelo escritório de advocacia Trench Rossi Watanabe, que trabalhava no acordo de leniência – a delação premiada de pessoas jurídicas – da JBS em outra operação, a Greenfield. À época, a PGR limitou-se a afirmar que Miller não participou das negociações da delação.

A força-tarefa também se preocupava com as condições do acordo com a JBS, que previa, inicialmente, total imunidade aos delatores: eles não seriam denunciados criminalmente, ficariam livres da prisão e de tornozeleira eletrônica e poderiam se manter no comando das empresas. Dallagnol reportou aos colegas que apoiadores da Lava Jato consideraram “absurdo os batistas nos EUA rindo da nossa cara”, referindo-se aos irmãos Joesley e Wesley Batista, que deixaram o Brasil no mesmo dia em que fecharam a delação.

O procurador Athayde Costa considerava que o Ministério Público estava “perdendo a guerra da comunicação” no caso da JBS. Concordando, Dallagnol angustiava-se com o silêncio de Janot, que não havia se manifestado publicamente desde a revelação de O Globo. Um trecho do diálogo entre os dois no Telegram mostra que Dallagnol tentou orientar o procurador-geral da República sobre como abafar a crise.

20 de maio de 2017 – Chat privado

Deltan Dallagnol – 15:50:31 – Caro segue o que postei mais cedo para mais de 100 colegas. Conte comigo e com a FT.
Dallagnol – 15:50:32 – Caros a FTLJ não participou dos acordos e ficamos sabendo com a matéria do globo, como todos. É fácil quem não está na mesa de negociacao criticar. Há muitas peculiaridades no caso que justificam os termos do acordo. A questão é utilitária. Esse acordo entregou mais de 1800 políticos; o presidente da república e alguém que poderia ser o próximo, com provas bastante consistentes de ilícitos graves. Como creio que a PGR esclarecerá em breve, Miller não atuou no acordo, nem mesmo a empresa Trench, que só trabalha na leniencia, que é conduzida pela Greenfield e ainda não foi fechada. Está começando, como outras vezes, uma intensa guerra de comunicação. A imunidade é justificável, mas será um desafio na área da comunicação. A PGR conta com nosso apoio nesse contexto porque temos plena confiança na correção do procedimento e no interresse público envolvido na celebração dos acordos como feitos, considerando inclusive as peculiaridade do ambiente de negociação, feita com empresários que não tinham sequer condenações ou um ambiente adverso muito claro. Lembremos que o mais importante agora são as reformas que poderão romper com um sistema político apodrecido e as revelações desse acordo poderão contribuir muito nessa direção, se soubermos canalizar a indignação para o ponto certo, que é a podridão do sistema e a necessidade de mudanças.
Dallagnol – 15:50:41 – Na minha opinião, precisamos focar em esclarecer os seguintes pontos em redes sociais e entrevistas: 1) Falsa estabilidade não justifica mantermos corruptos de estimação e crises intermitentes decorrerão da omissão em enfrentar esse mal. 2) A gravação é regular – tem a matéria da Folha que postei. Quanto à edição, há análises periciais com resultado pendente, mas tudo indica que confirma a ausência de edições. 3) Miller não atuou nos acordos feitos. 4) A excepcionalidade dos benefícios se justifica pela excepcionalidade das circunstâncias, pela exclusividade do que foi entregue, pela força dos fatos e provas, pela pela ausência de condenações e disposição em correr riscos na ação controlada. 5) A podridão revelada justifica priorizar a reforma anticorrupção. O ideal é que a PGR tome a frente nisso. Esse caso é um desafio pelo prisma da comunicação, com a máquina de marketeiros profissionais e duvidas naturais e legítimas da população.
Dallagnol – 15:51:17 – Eu creio que um pronunciamento seu em vídeo ou exclusiva no JN seria muito pertinente e daria o tom para nós todos.

Janot não respondeu naquele sábado, mas fez uma declaração, pela primeira vez desde a eclosão do escândalo, horas após as mensagens de Dallagnol. O Procurador-geral enviou ao STF uma manifestação afirmando que o áudio contra Temer “não contém qualquer mácula que comprometa a essência do diálogo”.

A angústia em Curitiba, contudo, não foi aplacada. Assim, no domingo à noite, Santos Lima apareceu com a ideia salvadora.

21 de maio de 2017 – Filhos do Januario 1

Carlos Fernando dos Santos Lima – 20:02:26 – Quem sabe não seja hora de soltar a denúncia do Lula. Assim criamos alguma coisa até o laudo.
Deltan Dallagnol – 21:03:14 – Acho que a hora tá ficando boa tb. Vou checar se tem operação em BSB, que se tiver vai roubar toda a atenção

A resposta de Dallagnol mostra que os procuradores queriam garantir que não haveria, na Lava Jato de Brasília, uma operação – prisões ou buscas e apreensões contra investigados, por exemplo – que disputasse a atenção da imprensa com a acusação contra o ex-presidente.

No minuto seguinte, ele enviou uma mensagem a outro grupo de Telegram, o Conexão Bsb – CWB, e consultou os colegas da PGR sobre a agenda da semana seguinte.

21 de maio de 2017 – Conexão Bsb – CWB

Deltan Dallagnol – 21:04:26 – SB, estamos querendo soltar a nova denúncia do Lula que sairia semana passada, mas seguramos. Contudo, se tiver festa de Vcs aí, ela será engolida por novos fatos… Vc pode me orientar quanto a alguma data nesta semana? Meu receio é soltarmos num dia e no seguinte ter operação, pq aí mata a repercussão
Sérgio Bruno – 21:24:03 – Sem operações previstas para esta semana
Dallagnol – 21:39:18 – Obrigado!

Com o sinal verde de Brasília, Dallagnol retornou ao grupo da força-tarefa no Paraná e deu a notícia.

Dallagnol – 21:39:51 – Nesta semana não tem op de BSB (mantenham aqui óbvio). Da pra soltar a den Lula Cf acharmos melhor
Jerusa Viecili – 21:40:51 – Faremos o release amanha
Santos Lima – 21:45:18 – Vamos criar distração e mostrar serviço.

As reviravoltas sobre a delação da JBS, no entanto, estavam apenas começando. No início de setembro de 2017, após os delatores entregarem novos materiais em complementação ao acordo já homologado, Janot anunciou que a PGR iria rever as delações de Joesley, do diretor de relações institucionais da JBS, Ricardo Saud, e do advogado da empresa, Francisco de Assis e Silva.

O motivo: em meio à nova remessa de arquivos entregues à PGR, a JBS incluiu a gravação de uma conversa em que Joesley e Saud falam sobre a atuação alinhada da holding com Marcello Miller durante a negociação da delação.

Um dia após ser preso, Joesley Batista deixa sede da Polícia Federal em São Paulo rumo a Brasília.

A situação de todos os envolvidos deteriorou-se rapidamente. Em dez dias, Joesley e Saud foram presos e viram seus acordos de delação serem cancelados por Janot. A rescisão dos contratos ocorreu em 14 de setembro, mesma data em que a PGR fez a segunda denúncia contra Temer com base na colaboração da JBS. Meses depois, em fevereiro de 2018, o executivo Wesley Batista e o advogado Francisco de Assis e Silva também perderiam os benefícios da delação.

Miller, por sua vez, acabaria denunciado em junho de 2018 por ter aceitado R$ 700 mil da JBS para orientar os delatores durante as negociações. O processo contra ele, que corre na Justiça Federal de Brasília, foi trancado pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região em 17 de setembro. A Quarta Turma do tribunal acatou um pedido da defesa de Miller, que apontou “inépcia” na denúncia do Ministério Público.

A perícia da PF sobre o áudio, revelada mais de um mês depois que Lula foi denunciado no caso do sítio, identificou cortes, mas descartou adulteração na gravação. O conteúdo dela foi usado na denúncia que a PGR faria contra Temer e seu ex-assessor, Rodrigo Rocha Loures, em 26 de junho de 2017.

Lula foi condenado a 12 anos e 11 meses de prisão no processo do sítio de Atibaia pela juíza Gabriela Hardt, em fevereiro de 2019. Ela admitiu ter partido de uma sentença do antecessor, Sergio Moro. O petista espera o julgamento de seu recurso na segunda instância, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Já os delatores da JBS aguardam, até hoje, que o STF decida se vai homologar a rescisão de suas colaborações, como pediu Rodrigo Janot. No último dia 9, pouco antes de encerrar seu mandato à frente da PGR, Raquel Dodge enviou um pedido ao STF para que priorize o julgamento do caso.

Questionado pelo Intercept sobre o caso, o Ministério Público Federal do Paraná disse que “quando nenhuma questão legal (como a existência de prazo ou risco de prescrição) ou razão de interesse público determina o momento de apresentação de uma denúncia ou manifestação, a força-tarefa ouve a equipe de comunicação quanto ao melhor momento para sua divulgação”.

Um dos mentores da estratégia, o ex-procurador Carlos Fernando dos Santos Lima foi consultado separadamente porque não integra mais os quadros do MPF, já que aposentou-se em março deste ano. No entanto, ele não respondeu aos contatos do Intercept. O espaço está aberto para os comentários dele, que serão acrescentados se forem enviados.

A Procuradoria-geral da República também foi procurada para comentar o tema, mas informou que não irá se manifestar.

 

*Do Intercept Brasil

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13 de outubro: Atos por Lula Livre

Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo ocupam a Avenida Paulista para pressionar o STF a julgar habeas corpus baseado na suspeição de Sergio Moro

São Paulo – Passados mais de quatro meses desde o início da série de reportagens publicadas pelo The Intercept Brasil, a partir do vazamento de conversas entre os procurados da Lava Jato e o então juiz Sergio Moro que revelaram o conluio montado para prender o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem sido cobrado a dar uma resposta. Movimentos sociais, sindicatos e partidos da Frente Brasil Popular e da Frente Povo Sem e o Comitê Nacional Lula Livre realizam ato no próximo domingo (13), na Avenida Paulista, em São Paulo, em nome da liberdade de Lula, mantido como preso político desde março de 2018.

No STF, é esperada a retomada do julgamento do habeas corpus pedido pela defesa do ex-presidente que se baseia na suspeição de Moro, hoje ministro da Justiça do governo Bolsonaro. Com base nas conversas divulgadas pela Vaza Jato, os advogados de Lula apontam que o então juiz atuou junto aos procuradores, manipulando provas, sugerindo testemunhas, e orientando a acusação para garantir a condenação pretendida, de maneira a influenciar nos rumos das eleições de 2018.

O julgamento do HC na Segunda Turma do STF foi suspenso em julho, após os ministros Cármen Lúcia e Edson Fachin votarem contra. Compõem ainda o colegiado os ministros Celso de Mello, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski. Gilmar Mendes tem se destacado na ênfase das críticas aos métodos de Moro e dos procuradores de Curitiba. Na última segunda-feira (7), ele acusou a imprensa de ter se associado a Lava Jato para produzir “falsos heróis“. Dias antes, no julgamento em que ficou decidido que os delatados têm o direito de falar depois dos delatores nos autos dos processos, o ministro criticou o uso das prisões provisórias como “instrumento de tortura” com o objetivo de extrair delações sob medida para atender os interesses dos procuradores.

Diante do revés na opinião pública e também entre a classe jurídica, em ação inusitada, os procuradores da Lava Jato chegaram a pedir na Justiça para que Lula passasse ao regime semiaberto, pois já teria cumprido um sexto da pena a ele imposta. Lula não mordeu a isca, reafirmando que não troca a sua liberdade pela sua dignidade, e reivindicando que o STF cumpra o seu papel.
Liberdade e dignidade

Para o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, a manifestação do domingo serve para demonstrar a indignação com a condenação ilegal e para pressionar o STF para que o HC seja definitivamente julgado. “Todo mundo sabe que estamos numa luta muito grande para que o processo contra o ex-presidente Lula seja definitivamente anulado pela parcialidade comprovada do juiz Sergio Moro, que o julgou mirando um projeto de poder”, afirmou em vídeo postado nas redes sociais. Segundo a presidenta do PT, deputada Gleisi Hoffmann, “Lula tomou uma decisão importante de não receber nenhum benefício do Judiciário, que não o seu direito a ter um julgamento justo e uma liberdade plena”.

Para o ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão, os procuradores da Lava Jato perceberam que Lula vai ser solto, e por isso pediram a progressão para o semiaberto. “Isso é inevitável. A falta de honestidade e de propósito é uma constante nessa Lava Jato, desde o início. Lula, eles todos sabiam, era inocente. Mas forçaram do mesmo jeito”. De acordo com o ex-deputado Wadih Damous, que também presidiu a seção da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio de Janeiro (OAB-RJ), os integrantes da Lava Jato tentam agora demonstrar que são imparciais e respeitam a lei. “Isso é mentira, é uma farsa. Mais uma das farsas dessa verdadeira organização criminosa que se chama Lava Jato.”

“Um inocente não troca a sua liberdade por sua dignidade. Lula quer os dois: liberdade com dignidade”, afirmou a ex-presidenta Dilma Rousseff. “Estamos num momento crucial da possibilidade do presidente Lula ser libertado. Mas isso só vai ocorrer se o povo der todo o seu apoio”, ressaltou o ex-chanceler Celso Amorim.

O presidente da CUT, Vagner Freitas, disse que “Lula Livre é um brado de todo o Brasil”, por todas as injustiças cometidas por Moro e os procuradores da Lava Jato. O presidente da CTB, Adilson Araújo também convocou a população a participar do ato no domingo para “levantar a bandeira da democracia, da soberania, dos direitos e da liberdade do presidente Lula”. “Convoco você a ir às ruas conosco por Lula Livre”, ressaltou a presidenta do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região, Ivone Silva.

“Nós queremos anular esses processos e mostrar que o que a Lava Jato fez não foi uma perseguição jurídica, foi uma perseguição política. É a continuidade do golpe que deram na Dilma, fizeram prender o Lula, fizeram entregar o país ao Bolsonaro e agora querem se arrepender se passando por bonzinhos e legalistas”, disse o advogado Luiz Eduardo Greenhalgh.

O ato Justiça para Lula vai ocorrer no próximo domingo (13), a partir das 14h, em frente ao Masp, na Avenida Paulista, região central de São Paulo.

 

 

*Com informações da Rede Brasil Atual

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Folha de S.Paulo admite que falhou ao embarcar em onda populista da Lava Jato

Em entrevista na TV Cultura, esta semana, o ministro do STF, Gilmar Mendes, parabenizou a Folha de S.Paulo por admitir erro de ótica do jornal no acompanhamento do espetáculo que se convencionou chamar de “lava jato”. A boa nova (a autocrítica) foi revelada domingo (6/10) pela ombudsman do jornal, Flávia Lima.

Em miúdos, a jornalista informou que o diretor de redação, Sérgio Dávila, admitiu: a Folha deixou-se levar pelo entusiasmo contagioso de pretensa luta contra a corrupção e, de alguma forma, atendeu mais aos interesses pessoais de algumas fontes que do leitor. Uma fronteira difusa. Nem sempre, mas em geral. Justiça seja feita: a Folha é a única publicação brasileira que admite erros com naturalidade. Nem sempre, mas em geral. Leia o artigo “Vigaristas do bem”, publicado pelo jornal .

Dávila, no seu ensaio de self-criticism, remeteu à excessiva valorização de acusações, nem sempre consistentes, sem o correspondente espaço para o contraditório. O diretor não entrou em detalhes, mas poderia ter citado um aspecto: o fuzilamento contínuo de ministros que “desobedeceram” a capital da verdade, Curitiba, para enfraquecer a capital da mentira, Brasília. A munição: acusações falsas passadas em “off”, pela pretensa “força tarefa”.

A autocrítica poderia chegar a falsidades repetidas mesmo em editoriais, como a de que o STF “mudou a jurisprudência” para dar à Justiça Eleitoral o poder de julgar crimes conexos, com o objetivo de “abafar a lava jato” e garantir a impunidade de corruptos. Na vida real, nada mudou. Sempre foi assim. Mas como a difusão da mentira servia para emparedar ministros, vai assim mesmo.

Outro ‘erramos’ devido ao leitor: a falsa investigação de auditores da Receita que imputou a Gilmar Mendes os crimes de corrupção, tráfico de influência e lavagem de dinheiro sem qualquer elemento para fundamentar a conclusão. Ou a falsificação de documento atribuído a Marcelo Odebrecht para tentar incriminar o presidente do STF, Dias Toffoli. Falta um pedido de desculpas, como aludiu Flávia Lima.

Lorotas em profusão
A dura verdade é que a torcida uniformizada foi muito além de deformar e distorcer a realidade para construir ficções nada científicas. Jornalistas passaram a reunir-se secretamente com policiais e procuradores não mais para obter notícias — mas para tramar e combinar botes, artificialmente . Nessa gangorra, um vazamento seletivo alavanca uma notícia, que alavanca um inquérito, que alavanca outra notícia. Como o policial que coloca cocaína em um carro e prende seu dono por ter cocaína no automóvel. E isso vem de longe.

Na apelidada “satiagraha”, elegeu-se herói um delegado que enriqueceu durante perseguição a inimigos do Partido dos Trabalhadores. Protógenes Queiroz, hoje foragido, declarou à justiça eleitoral ter recebido em doação três imóveis de luxo enquanto operava uma guerra comercial privada. A empulhação foi rejeitada pela justiça.

Uma participação pouco gloriosa da Folha de S.Paulo ficará eternizada no autos dessa patranha. Um repórter do jornal, na pressa de dar respaldo a denúncia que um empresário produzia, passou seu texto antes da publicação no jornal. O procurador da República Luiz Francisco de Souza, que emprestou sua assinatura para a ação desonesta incorporou a “reportagem” na petição. O drama foi que o jornal, de forma sensata, acabou não publicando o texto. Inconformado com o desfecho do caso, o integrante ad hoc da força tarefa de então, Rubens Valente, lançou o livro “Operação Banqueiro” para defender o delegado e atacar ministros do Supremo.

O delegado expulso da PF costumava recomendar a seus colegas mais novos um truque: “Prova, quando a gente não tem, a gente cava”. Em outro episódio, este envolvendo o Banco Santos, repórter da Folha cavou pauta levando uma carta anônima, com suas suspeitas, ao juiz do caso. Ele só não contava com a astúcia de Fausto De Sanctis, que consignou nos autos a origem do “documento”. Ainda assim, determinou busca e apreensão na casa da família mencionada — quando se constatou a falsidade das suposições. Esse modelo foi replicada na caça a Lula, a Temer e outras vítimas: sempre a mentira em nome da verdade.

Aplicassem em suas fileiras o rigor que aplicam contra os outros, jornalistas e procuradores seriam mais cuidadosos. Tampouco seria necessário simular espanto com os diálogos divulgados pelo The Intercept Brasil — que apesar do excelente trabalho, está devendo ao distinto público os diálogos travados com jornalistas.

A construção da fábrica de operações
Estima-se que tudo começou na década de 1980. Os países que comandavam a política mundial passaram a trabalhar em meios para combater o terrorismo, o narcotráfico e o crime organizado de forma global. Em 1990, o Grupo de Atividades Financeiras (Gafi), do Grupo dos Sete (G7), decreta as 40 recomendações que seriam impostas a todos os demais países para conter o avanço inimigo.

Vieram daí novidades como os Coafs, forças tarefas e o fortalecimento de órgãos de investigação. No Brasil, o Congresso incorporou as leis derivadas das recomendações do Gafi. O Ministério da Justiça cria a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro, parteira das Varas Especializadas em Crimes Financeiros. O Supremo Tribunal Federal teve papel central ao sedimentar novos poderes ao Ministério Público, Receita Federal e às polícias. Estava montado o cerco e criado o palco para o que se passou a apelidar de “operações da PF”. E para outras pantomimas com nomes igualmente fantasiosos.

O que deveria ser apenas combate ao crime, tornou-se uma gincana de vedetes. A serenidade e a firmeza necessárias para a missão foi substituída por uma gritaria histérica e irracional. O processo judicial foi carnavalizado. O país do futebol virou um país de juristas.

Circo indecente
Assim como das secas e das enchentes nasceu a indústria da seca e da enchente, o combate à corrupção deu à luz a indústria das “operações”. Os governos petistas gabam-se de ter patrocinado mais de duas mil “operações”. Muitas delas contra adversários ou concorrentes de seus patrocinadores. Até que um dia o PT passou a ser caçado e cassado pela mesma via. Esse jeito de fazer justiça não é um modelo novo. A “luta contra a corrupção” ajudou a derrubar governos em todo o planeta. Na China, Rússia, Cuba e mesmo no Brasil, o falso moralismo trouxe ditaduras trágicas com a promessa de mais ética na política.

Até onde se sabe, por aqui, a criminalidade continuou a mesma. Mas as hierarquias mudaram. O STF cedeu a primazia de topo do Judiciário para juízes de primeira instância. Um grupo de procuradores tomou o lugar da PGR. A voz do constitucionalismo foi abafada em favor de oportunistas que se aproveitaram da retórica populista. Entre os jornalistas, ascenderam nas redações e na escala social quem topou fazer parte das milícias formados por policiais, procuradores e juízes. Não como jornalistas, mas como assessores de imprensa dos consórcios que, a depender da sorte, devem ser varridos para a lata de lixo da história.

 

*Do Conjur