A Petrobras, petroleira respeitada mundialmente e que acaba de completar 66 anos de história e benfeitorias ao Estado nacional, atravessa seu pior momento diante das ameaças impostas pelo projeto entreguista de Jair Bolsonaro, patrocinado pelo neoliberalismo do ministro da Economia Paulo Guedes e dos parlamentares da atual legislatura.
Há em curso um processo avançado de privatização dos ativos da empresa e de suas subsidiárias, como a BR Distribuidora e a Liquigas, além dos leilões a companhias estrangeiras das vultosas reservas de óleo do pré-sal, uma das principais descobertas da engenharia brasileira e capaz de prover nossa autossuficiência energética por, pelo menos, 50 anos. O texto e o áudio são do Jornal do Brasil.
“Para discutir o atual estado da petrolífera, o Faixa Livre convidou o diretor da Associação de Engenheiros da Petrobras (Aepet) e conselheiro da Petros Fernando Siqueira, o geólogo da estatal e tido por especialistas como o ‘pai’ do pré-sal Guilherme Estrela, a geóloga e diretora do Sindicato do Petroleiros do Rio de Janeiro (Sindipetro-RJ) Patrícia Laier e o professor de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisador do Institutos de Estudos Estratégicos do Petróleo (INEEP) da Federação Única dos Petroleiros (FUP) Eduardo Pinto.
O histórico cerco da direita à Petrobras
“Os campos do pré-sal, encontrados em águas profundas durante a gestão do ex-presidente Lula, oferecem risco quase zero, pois já são explorados atualmente pela Petrobras e podem render mais de R$ 1 trilhão ao Estado brasileiro caso sigam sob controle público. No entanto, a intenção o ex-capitão do Exército é beneficiar os detentores do capital internacional, como historicamente acontece.
“Para entender isso, temos voltar um pouco atrás. Esse é um projeto de colonização e submissão do Brasil a interesses antibrasileiros que vem desde muito antes. Começou com as privatizações da Eletrobras, que foi uma pancada violenta na área científica e tecnológica brasileira, e um conjunto de outras privatizações nos governos anteriores, a Companhia Siderúrgica Nacional, a Vale do Rio Doce, que deixou de ser estatal para ser uma empresa com interesses privados. Estamos vivendo a fase final de implantação desse processo de colonização”, alegou Estrela.
“A descoberta de tais jazidas aliás, alterou a realidade do setor petrolífero brasileiro, imposta pelo então governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que quebrou o monopólio estatal do petróleo, estabelecido por Getúlio Vargas em 1953, quando da fundação da Petrobras. A eleição de Lula, em 2003, retomou o processo de valorização da empresa, com a ampliação da exploração de poços no Espírito Santo, em cidades do nordeste e na bacia de Santos, além da bacia de Campos.
“Contudo, nos últimos anos o desmonte da petrolífera se dá em escala acelerada, desde o governo de Dilma Rousseff, tendo como marco a gestão de Aldemir Bendine, em 2015. O ex-presidente da Petrobras deu início ao processo de privatizações das reservas de óleo descobertas em 2006, no Rio de Janeiro, em meio às denúncias de corrupção na companhia expostas pela operação Lava Jato.
“Com os planos de venda de ativos, os profissionais da estatal atravessam um momento de incertezas, com possibilidade de mudança de sede e forte iniciativa dos diretores em provocar demissões ‘voluntárias’.
“As pessoas que se importam com a Petrobras se sentem muito mal porque a empresa está sendo destruída, a palavra é essa. Querem tirar a gente do Norte, Nordeste e Sul para concentrar no Sudeste, estão virando a vida das pessoas de cabeça para baixo. Agora reduziram o quanto vão pagar de adicional de transferência, o que oferecem para as pessoas é o PIDV (Plano de Incentivo à Demissão Voluntária). Existe uma pressão muito grande hoje em dia em cima do petroleiro”, lamentou Patrícia Laier.
“O descaso com o corpo técnico da empresa é outro fator que preocupa a dirigente do Sindipetro-RJ. Alguns dos cursos oferecidos internamente pela estatal deixaram de ser ministrados. Ela deu como exemplo as aulas de geopolítica, classificadas por um dos gerentes da empresa como ‘perigosas’.
“Essa semana, a Petrobras está fazendo reuniões em alinhamento durante nossa campanha salarial, que a gente vem fazendo um esforço extremo para negociar a manutenção do nosso ACT (Acordo Coletivo de Trabalho) 2017-2019, e esse ano praticamente tentamos essa manutenção, garantir nossos direitos, porque eles vêm com essa lógica de banqueiro. Se você pegar uma apresentação internacional dos gerentes financeiros da Petrobras, verá orçamento zero para a parte do pessoal. Aquela política de valorização corpo técnico ficou no passado”, comentou.
“Em repúdio às ações do Governo Federal contra a estatal e aproveitando a data de aniversário da Petrobras, ontem (03) foram realizados uma série de protestos Brasil afora, que contaram com a participação não apenas de petroleiros, como de diversas outras categorias profissionais, incluindo os da educação, dos Correios e da Casa da Moeda, no que se chamou de Dia Nacional de Luto.
“No Rio de Janeiro, os manifestantes se concentraram em frente à igreja da Candelária, no Centro, e partiram em passeata até a sede da empresa. O diretor da Aepet destacou a necessidade de ações coletivas para conter a investida contra o patrimônio nacional.
“Para sair desse imbróglio que hoje estamos vivendo, é preciso a união de todos os segmentos brasileiros, principalmente das estatais, que estão sendo desmontadas, mas fundamentalmente repetir o memorável e, diria, maior movimento cívico da história do Brasil que foi o movimento ‘O petróleo é nosso’, que congregou estudantes, professores, trabalhadores de todas as categorias em todos os ramos. Estamos vendo que esse governo desmonta o Brasil sem ter um projeto de nação, um planejamento estratégico para melhorar a economia, desenvolver o país”, avaliou Siqueira.
“A tragédia da entrega da Petrobras se mostra mais evidente quando são expostos os valores envolvidos na venda de excedentes de petróleo. De acordo com Eduardo Pinto, a perda para o Estado brasileiro não tem precedentes.
“Os números são muito impressionantes porque, na verdade, é o leilão do excedente da cessão onerosa, ou seja, olhando os dados da ANP (Agência Nacional do Petróleo) e da Petrobras, e com perspectivas pessimistas, estamos falando de um excedente-lucro que estará em disputa, descontando todos os custos, pegando as receitas futuras e projetando também a curva de produção, de aproximadamente US$ 200 bilhões”, indicou o economista da UFRJ.
“As consequências deste processo iniciado no governo de Dilma Rousseff e que segue sob a batuta de Bolsonaro, Paulo Guedes e Roberto Castello Branco, atual presidente da petroleira, devem atingir não apenas as classes mais humildes da nossa sociedade, como também aqueles que patrocinaram a chegada do político do PSL ao Palácio do Planalto.
“Acho que nesse momento que a gente vive na trajetória brasileira, a Petrobras é um exemplo do completo desmonte das instituições, do projeto nacional, do Estado, e vou dizer mais, das nossas elites que desembarcaram desse projeto. Agora, mesmo essas elites não entenderam uma coisa, parte dessas elites médias também vai perder com isso, os revendedores, os pequenos e médios distribuidores vão perder com esse processo”, projetou o pesquisador.
Procuradores adotaram estratégia errada em acordos de leniência, resultando em prejuízo às empresas e impacto negativo na economia nacional. Tudo para privilegiar a família Odebrecht.
Imagine a seguinte situação: uma das maiores empreiteiras do País se envolve em um escândalo de corrupção que por décadas rendeu propinas a ex-gerentes da Petrobras. Em vez de limitar as penalidades aos empresários que tomaram as más decisões, as autoridades optam por um acordo que quebra a empresa, acaba com milhares de empregos, gera prejuízo para bancos públicos que emprestaram dinheiro para a empreiteira e, ainda por cima, faz a própria Petrobras – que era a vítima – pagar uma multa muito superior ao valor recuperado com este acordo.
Tudo isso aconteceu de verdade na Lava Jato, e a única beneficiada nesta história foi a família Odebrecht, que tem Marcelo e o patriarca Emílio entre os principais delatores da operação.
Quem expôs essa situação esdrúxula com clareza ímpar foi a doutora em direito comercial pela USP e doutora pela Universidade do Texas, Érica Gorga, em um artigo publicado na Folha de S. Paulo desta sexta, 4 de outubro.
No texto, a pesquisadora é cirúrgica: a Lava Jato adotou estratégias jurídicas ruins que prejudicaram a própria Petrobras e a economia nacional. Tudo porque o modelo de responsabilização dos procuradores de Curitiba fez recair sobre terceiros o pagamento de multas bilionárias que deveria ter ficado restrito ao clã controlador da Odebrecht.
Após 5 anos de Lava Jato, o fato é que enquanto a Odebrecht amarga a maior recuperação da história, com 98 bilhões de reais em dívidas, Emílio sequer chegou a ser preso e Marcelo – preso até decidir fazer o acordo de delação – já goza do conforto do próprio lar.
E além de ser uma estratégia ruim, sem lógica, é irregular, porque “o ordenamento jurídico nacional exigia que a responsabilidade pelos danos [à Petrobras] incidisse exclusivamente sobre a sociedade controladora Kieppe Participações, que congregava as ações de controle de Emílio e Marcelo Odebrecht, os quais determinavam as decisões na Odebrecht S.A. e na Braskem S.A.”
Os procuradores não só não fizeram a família Odebrecht pagar sozinha pelos próprios erros como ainda permitiram que ela continue influente sobre todo o grupo empresarial, um “verdadeiro despautério”.
“Livre da interferência da família controladora, o conglomerado poderia ter recuperado credibilidade e crédito no mercado, de maneira a evitar a perda de milhares de empregos e valor do investimento dos demais acionistas minoritários e credores. Isso não foi feito, muito pelo contrário. (…) os procuradores impuseram proibições de contratações que recaíram sobre as empresas produtivas controladas, gerando instabilidade, interrompendo projetos e suscitando congelamento de linhas de crédito”, comentou a doutora.
O DISCURSO FARSESCO
Érica ainda chamou atenção para o discurso falso da Lava Jato, que se gaba de ter devolvido 264,5 milhões de reais à Petrobras com o acordo de leniência fechado com a Braskem. O problema é que, de acordo com este mesmo acordo, a própria Petrobras é obrigada a pagar R$ 1,2 bilhão de multa.
Isso porque o acordo de leniência prevê que a Braskem deve desembolsar R$ 3,1 bilhões. Só que a Petrobras detém 36% do capital total da Braskem, logo, tem que arcar com parte proporcional da multa bilionária.
Segundo a pesquisadora, “é necessário ponderar sobre o dinheiro que a Lava Jato diz que recupera. O acordo de leniência com a Braskem causou à Petrobras prejuízo bem superior ao benefício alardeado. ”
Na esteira do prejuízo pelo acordo de leniência com a Odebrecht estão ainda os “credores da construtora, como os bancos BNDES, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil, com empréstimos sem garantias reais de mais de R$ 17 bilhões não pagos. O BNDES acabou de provisionar perdas de até R$ 14,6 bilhões com financiamentos associados à Odebrecht, além dos R$ 8,7 bilhões discutidos nas recuperações judiciais da Odebrecht e da Atvos (Odebrecht Agroindustrial). A Caixa pediu a extinção da recuperação judicial, alegando que o grupo baiano fez uma “consolidação substancial”ilegal de credores.”
Jair Bolsonaro defendeu a invalidação das mensagens trocadas entre procuradores da Lava Jato que, segundo ele, teriam sido obtidas ilegalmente. Declaração pode ser o início de um confronto entre Bolsonaro e o ex-juiz e ministro da Justiça, Sérgio Moro, e os ministros garantistas do STF.
Jair Bolsonaro reagiu à iniciativa do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes de validar as mensagens da Vaza Jato, o que poderá levar à anulação da Lava Jato, e afirmou nesta manhã (4) que as mensagens divulgadas pelo site The Intercept não devem ser reconhecidas pelo Judiciário. A declaração pode ser o início de um confronto entre Bolsonaro e o ex-juiz e ministro da Justiça, Sérgio Moro, e os ministros garantistas do STF sob liderança de Gilmar.
“O que é criminoso é criminoso. Respeita a lei. Igual a quebra de sigilo. Se seguiu a lei, tudo bem. Não seguiu, está errado”, disse Bolsonaro ao deixar o palácio do Planalto.
Declaração de Bolsonaro foi feita dois dias após o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes ler trechos da Vaza Jato em seu voto no julgamento de um habeas corpus do ex-gerente da Petrobrás Márcio de Almeida Ferreira.
Nesta semana, também veio à tona a informação de que Gilmar e outros ministros também irão solicitar à Procuradoria Geral da República (PGR) a validação jurídica das mensagens de Telegram envolvendo o ex-juz Sergio Moro, o procurador e coordenador da força-tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol, e demais integrantes da operação.
Mais uma vez, Supremo mostra uma combinação de temor a reações da opinião pública, inclinações políticas em questão essencial para o regime democrático’.
Apesar de o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) ter formado maioria no entendimento de que um réu tem o direito de apresentar sua defesa por último antes do juiz formular a sentença, essa garantia Constitucional corre o risco de ser mutilada na próxima semana, quando o colegiado se reunirá para formular um entendimento conclusivo sobre o tema.
O alerta é de Janio de Freitas, na coluna deste domingo (29), na Folha de S.Paulo. Na quinta-feira (26), por 6 a 3 votos, o STF formou maioria em favor da tese que pode anular condenações em primeira instância da Lava Jato, e isso inclui a do ex-presidente Lula no caso do sítio de Atibaia.
A decisão do STF correu no âmbito do julgamento do habeas corpus impetrado pela defesa do ex-gerente de empreendimentos da Petrobras Márcio de Almeida Ferreira, condenado pelo ex-juiz Sergio Moro, na Lava Jato, por corrupção e lavagem de dinheiro. Seu advogado alegou que o cliente teve o direito de defesa prejudicado, isso porque no momento das alegações finais não foi escutado por último.
No início de agosto, a Segunda Turma do STF realizou um julgamento semelhante em favor de uma ação colocada pela defesa do ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine, que levou à primeira anulação de uma pena imposta por Sergio Moro na Lava Jato.
Essas duas decisões do STF – no Plenário e Segunda Turma – devem ser usadas pelas defesas de outros réus da Lava Jato pedindo a revisão dos julgamentos. No caso do ex-presidente Lula, o novo entendimento poderá alterar o resultado da condenação no sítio de Atibaia (SP). Em novembro do ano passado, a juíza Gabriela Hardt fixou prazo de “dez dias para as defesas” apresentarem as manifestações finais, sem distinguir entre delatores e delatados.
“Se, em casos da Lava Jato, entre a acusação por um delator e a sentença não houve tempo para a defesa, ficaram impossibilitados o contraditório e a ampla defesa. Para isso, o método de Moro consistia em dar o mesmo prazo para as “razões finais” da acusação e da defesa. Benesse, só para a ânsia condenatória de Moro”, explica Janio de Freitas.
O articulista também observa as entrelinhas dos magistrados durante a votação na quinta-feira (26). “Luís Roberto Barroso, terceiro a votar, propôs que, se confirmada para o réu a última palavra, assim seja apenas daqui por diante. Logo, caso o Supremo declarasse incorretos os métodos condenatórios, a seu ver o incorreto deveria permanecer intocado. Nem ao menos era caso de regra nova e não retroativa. Azar o de quem não teve a defesa final e está na cadeia”, destaca o articulista.
Luís Roberto Barroso foi um dos três ministros, ao lado do relator Edson Fachin e de Luiz Fux, que votaram contra o pedido de habeas corpus, ou seja, entendendo que o réu não foi prejudicado porque, no momento das alegações finais, não teve o direito de argumentar depois dos delatores que o acusaram.
Janio destaca ainda que, apesar de ter adiantado no fechamento da sessão de quinta-feira que concorda com o entendimento da maioria, o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, propôs modular o entendimento para que, na próxima semana, o Plenário estabeleça os limites da decisão, ou seja, se terá validade para as sentenças já impostas no Judiciário.
Janio avalia ainda que, apesar de ter votado em favor do habeas corpus de Márcio de Almeida Ferreira, a ministra Cármen Lúcia poderá acompanhar o entendimento de aplicação em novos casos, para não haver revisão de decisões da Lava Jato.
“(…) com a adesão de Dias Toffoli, que anunciou outra ‘proposta de modulação’, os propensos a mutilar o direito constitucional à ‘ampla defesa’ têm possibilidade de fazer maioria. Situação ameaçadora, porque, como disse Gilmar Mendes, ‘a questão não é Lava Jato, é todo um sistema de Justiça penal’”, prossegue o articulista.
“Mais uma vez, o Supremo Tribunal Federal mostra uma combinação de temor a reações da opinião pública, inclinações políticas e argumentos artificiosos no trato de questão essencial para o regime democrático”, conclui Janio.
Ontem (25), o Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou o julgamento de um habeas-corpus (HC) de autoria do ex-diretor de marketing da Petrobras, Márcio Almeida Farias, que pede para si os mesmos direitos garantidos a Aldemir Bendine, pela segunda turma do STF.
Foi concedido a Bendine, a anulação de sua condenação para que o processo retorne à fase de considerações finais, quando sua defesa terá o direito de apresentar seus argumentos após o Ministério Público Federal (MPF) se manifestar nas mesmas considerações finais. A lógica processual é de que a defesa sempre se manifesta após a acusação, realizando a refutação dos argumentos apresentados pela acusação, neste caso o MPF, rebatendo cada ponto na peça. Portanto, há lesão à ampla defesa, em diversos casos na Lava Jato.
O ministro do STF relator dos processos da Lava Jato, Edson Fachin, para evitar que haja uma enxurrada de HCs, decidiu encaminhar a questão ao plenário da corte, de modo a garantir ou restringir o mesmo direito consagrado a Bendine, a todos os réus que sofreram o mesmo cerceamento de defesa e o caso do Sítio de Atibaia, em que o ex-presidente Lula foi condenado, é um deles.
Caso o direito seja estendido a todos os réus, mais de 20 processos terão condenação anulada, retornando à primeira instância. Lula tem, além do caso do Sítio de Atibaia, outra condenação no caso do Triplex do Guarujá. Porém, caso Lula seja contemplado pela anulação legal da condenação, seu processo sai da segunda instância, que tramita de forma acelerada no TRF-4 e, neste caso, voltaria à primeira instância com o ex-presidente ainda inocente neste processo.
A importância desse caso impacta diretamente no julgamento de outro HC, a que o ex-presidente Lula questiona a parcialidade de Sérgio Moro. Sem a condenação no caso do Sítio de Atibaia, a anulação do processo do Triplex implicaria diretamente na total inocência de Lula, sendo liberto pela porta da frente.
Por outro lado, o julgamento de hoje, que já começa com voto contrário aos réus pelo ministro Edson Fachin (1 a 0 contra o HC), pode causar o início do velório da Lava Jato, sendo uma derrota cabal de Sérgio Moro. Hoje, então, é um dia absolutamente chave para a compreensão do futuro da operação da República de Curitiba.
O plenário do Supremo Tribunal Federal ( STF ) começou a sessão para julgar nesta quarta-feira a tese que levou pela primeira vez a Segunda Turma da Corte a anular uma sentença da Lava-Jato, no mês passado. O relator da Lava-Jato no STF, Edson Fachin, tinha remetido um caso para ser julgado em plenário para que seja fixada uma jurisprudência sobre o assunto . Processos contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e outros condenados na Lava-Jato podem ser afetados com o resultado do julgamento.
Assista ao vivo:
https://youtu.be/ZEjHAmrAWAU
Porém, um ministro ouvido pelo GLOBO em caráter reservado alerta : como o recurso a ser analisado é apenas o caso de um réu, o entendimento do plenário não será necessariamente repetido no julgamento de outros processos.
A anulação decidida pela Segunda Turma do Supremo foi em relação ao ex-presidente da Petrobras e do Banco do Brasil Adelmir Bendine . Sua defesa reclamou que no processo conduzido pelo então juiz Sergio Moro foi aberto prazo conjunto para todos os réus apresentarem suas alegações finais.
MPF e advogado que pediu ajuda para impeachment de Gilmar Mendes dividiam ganhos de acordo desfeito pelo STF.
A mais recente conversa secreta da força-tarefa da Operação Lava Jato revelada pelo Intercept reforçou uma suspeita: a de que os procuradores de Curitiba montaram uma espécie de sociedade com o advogado de acionistas minoritários da Petrobras para os dois grupos “empalmarem” dinheiro da estatal. Uma sociedade materializada naquela fundação de 2,5 bilhões de reais que acaba de receber mais um prego no caixão por parte do Supremo Tribunal Federal (STF).
Na última revelação da Vaza Jato, soube-se que, em 3 de maio de 2017, uma procuradora de São Paulo, Thaméa Danelon, contou a Deltan Dallagnol, o chefe da força-tarefa curitibana, que haviam solicitado a ela ajuda para escrever um pedido de impeachment de Gilmar Mendes, juiz do STF. A solicitação era de Modesto Carvalhosa, advogado de acionistas minoritários da Petrobras. Respostas de Dallagnol à colega: “Sensacional Tamis”, “manda ver”, “apoiadíssima”.
Um ano e meio depois da conversa secreta, tanto a força-tarefa da Lava Jato quanto os clientes de Carvalhosa teriam ganhos financeiros graças a um acordo selado pela Petrobras e a força-tarefa de Curitiba com autoridades americanas. Por esse acordo, a petroleira aceitou pagar uma multa para se livrar de processos nos Estados Unidos. Valor: 853 milhões de dólares.
Uma fatia de 80%, 682 milhões de dólares (2,7 bilhões de reais, em valores de hoje), seria paga no Brasil, devido a um acerto do Ministério Público Federal (MPF) com os americanos. Para definir como seria o pagamento aqui, o MPF selou um outro acordo com a Petrobras, em janeiro de 2019. Metade iria para combate à corrupção e promoção da cidadania, metade ficaria guardada para pagar acionistas que ganhassem ações judiciais contra a Petrobras.
A parte destinada ao combate à corrupção ficaria com a própria força-tarefa da Lava Jato, por meio de uma fundação criada para este fim. Já a metade destinada aos acionistas da Petrobras beneficiaria os clientes de Carvalhosa, caso eles conseguissem decisões judiciais favoráveis contra a estatal. Pelo MPF, quem assina esse acordo do rateio são Dallagnol e mais 12 procuradores.
Diante da repartição dos recursos da Petrobras, um site especializado em temas jurídicos, o Conjur, escreveu que Carvalhosa e a Lava Jato eram “sócios”. “Eles são sócios no negócio de 2,5 bilhões de reais da Petrobras que pretendem empalmar com a criação de uma fundação administrada pelos procuradores da República de Curitiba”, diz o texto, publicado em 19 de março deste ano.
Empalmar, segundo o dicionário Aurélio, significa “apanhar, esconder na palma da mão, escamotear, surrupiar, furtar com destreza”.
Carvalhosa processou o site e cobrou indenização de 100 mil reais. Perdeu na primeira instância. A juíza do caso, Andrea Ferraz Musa, emitiu sentença contra ele em 2 de agosto.
Em entrevista em 13 de setembro ao UOL, Gilmar Mendes, a quem Carvalhosa queria ajuda do MPF para degolar no Supremo, disse que a tentativa de Dallagnol de “monetizar” a Lava Jato tinha nome: “Se chama corrupção”.
“Monetização” foi uma expressão usada por um procurador, Vladimir Aras, ao comentar planos de Dallagnol de ganhar dinheiro com a investigação. O comentário foi feito em outra conversa secreta revelada pelo Intercept.
O acordo MPF-Petrobras em que a força-tarefa curitibana e os clientes de Carvalhosa lucravam foi desfeito pelo Supremo em março. Raquel Dodge, ainda “xerife” naquela época, havia entrado com uma ação contra o acordo. Para ela, a Petrobras foi “vítima”, e não “culpada”, como o MPF aceitou perante as autoridades americanas, das tramoias descobertas pela Lava Jato. O juiz do caso no STF, Alexandre de Moraes, deu uma liminar contra o acordo.
Depois de uma reunião em maio e de outra em agosto entre Moraes, MPF, órgãos do governo e a Câmara dos Deputados, ficou decidido que o dinheiro a ser pago pela Petrobras aqui no Brasil será aplicado em educação (1,3 bilhão de reais) e na proteção da Amazônia (1,2 bilhão). Esse acordo foi homologado nesta terça-feira 17 por Moraes.
Em manifestação ao STF no fim de agosto, Raquel dizia que desfazer o acordo original e definir como seria gasto o dinheiro da Petrobras liquidavam o assunto. A força-tarefa da Lava Jato, Dallagnol à frente, não pode respirar tranquila ainda, no entanto.
Os procuradores que participaram do acordo desfeito serão chamados a depor na Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara. É o que diz o deputado paranaense Ricardo Barros, do PP, relator de uma fiscalização específica, decidida pela comissão, do acordo desfeito. “Vamos ter notícia em breve, os procuradores do acordo vão ser chamados”, disse Barros a CartaCapital.
Essa fiscalização específica foi proposta em junho por quatro deputados do PT. O normal nesses casos é a comissão pedir um relatório, em até 180 dias, ao Tribunal de Contas da União (TCU), órgão que ajuda os parlamentares a vigiarem o governo. No caso do fundo da Lava Jato, porém, Barros afirmou ter decidido que, além de acionar o TCU, promoveria audiências públicas. Dallagnol e seus colegas de força-tarefa vão ser chamados para uma dessas audiências.
Comove à distância qualquer sentido minimamente razoável a grotesca farsa da Lava Jato que se transformou em um golpe em Dilma e, depois, o golpe do golpe com a prisão de Lula.
Bastaria analisar a frase que tanto Moro quanto Dallagnol e Carlos Fernando dos Santos Lima traziam na ponta da língua, que Lula comandou o maior esquema de corrupção do planeta e compará-la aos benefícios chulés que acusam Lula de ter recebido tanto no caso do triplex do Guarujá quanto no caso do sítio de Atibaia, sem provas, para colocar um saco de risadas gritando na cara desses três cretinos.
O delito de Lula, segundo eles, era favorecer com bilhões de recursos públicos empresas que prestaram serviços à Petrobras e, em troca desses bilhões, Lula teria recebido a fortuna incalculável de um apartamentozinho merda com uma piscininha que sequer serve como aquário de guarú e uma reforma que o MTST escancarou que nunca existiu, um apartamento já provado que nunca esteve no seu nome e que nunca usou e que não há qualquer nota fiscal de penico em seu nome. E o sítio que sequer acusado de proprietário Lula é, mas de ter trocado um contrato bilionário na Petrobras por uma reformazinha de R$ 160 mil.
Cabe na cabeça de quem que essas duas somas ridículas se constituiriam no maior esquema de corrupção do mundo comandado por Lula? Nem o mais estúpido, o mais palerma, o mais abestalhado ser humano cairia num conto tão grotesco, num enredo tão medíocre, numa falácia tão porca como a que os procuradores e juiz envolvidos no caso de Lula defendem como se verdade fosse. E fizeram isso porque acreditavam piamente que bastaria essa frase ser repetida milhões de vezes nos holofotes da Globo que a fatura estaria liquidada, como se o Brasil fosse um país formado não por cidadãos, mas por zumbis que não conseguem juntar lé com cré.
Basta isso, esse raciocínio primitivo semibárbaro de tão medieval para, imediatamente, desnudar todos os vigaristas envolvidos na farsa da Lava Jato e prendê-los por flagrante delito, porque tudo, absolutamente tudo do que eles acusaram Lula e o mantém preso há 1 ano e meio, está aí vivo, registrado, filmado, fora o que o Glenn Greenwald vem denunciando, em parceria com vários veículos de mídia, à luz do sol sobre a trama clandestina dos procuradores e policiais federais que eram fantoches que seguiam as ordens do Moro.
E, diante de um crime tão dantescamente primário praticado por agentes públicos tão ricamente remunerados com o suor do trabalhador brasileiro que, na maioria dos casos, passará a vida inteira sem conseguir ganhar o que eles ganham e apenas alguns meses de trabalho, a única saída para as três instituições, MP, PF e judiciário, é imediatamente libertar Lula, pedir-lhe perdão publicamente e encarcerar todos os envolvidos com a Força-tarefa da Lava Jato que tinham ciência de que tudo não passou de uma grande mentira, de um grande crime em busca de um ambicionado poder político que levasse essa corja ao poder executivo.
É até razoável que se pense assim, afinal de contas, com o auxílio dessa mesma quadrilha da Lava Jato, a milícia chegou ao poder de mãos dadas com os militares sob o comando de Bolsonaro.
Então, o que temos aí é isso, a desmoralização total das instituições de controle no Brasil que, primeiro, trataram a instituição Presidência da República como uma coisa qualquer que podia ser chutada por qualquer um e, depois, a própria constituição que, junto com o golpe em Dilma, foi alvo de vandalismo da Lava Jato na prisão de Lula.
Ou se pune exemplarmente esses marginais ou o Brasil seguirá sendo visto cada vez mais como uma republiqueta de fundo de quintal, aonde a insegurança jurídica é a sua principal característica, e a corrupção dos próprios agentes do Estado é a marca d’água da moeda brasileira.
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, emitiu parecer favorável à defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para que ele tenha acesso ao acordo de leniência firmado pela empreiteira Odebrecht na Operação Lava Jato. Esse deve ser um dos últimos entendimentos proferidos por Dodge, que deixará o cargo no próximo dia 17 e provavelmente será substituída por Augusto Aras, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) na última semana – a nomeação dele precisa ser aprovada pelo Senado. A decisão se dá no processo que avalia se Lula foi beneficiado pela Odebrecht com um terreno em São Bernardo do Campo (SP).
A procuradora concordou com decisão do ministro Edson Fachin, do STF (Supremo Tribunal Federal), que “seja facultado à defesa acesso aos sistemas vinculados à Odebrecht, com prazo de 15 dias para a confecção de ata pelo assistente técnico defensivo”. Ela disse que não irá recorrer da determinação do magistrado.
No último dia 27, em decisão que levou em consideração um entendimento recente da Segunda Turma da corte, Fachin utilizou uma nova jurisprudência sobre réus delatores e delatados. Após a anulação da condenação, proferida pelo então juiz Sergio Moro, do ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine — a primeira desde o início da Lava Jato -,- os ministros acataram os argumentos da defesa para que os acusados delatados sejam os últimos a serem ouvidos nos processos. Os advogados de Bendine alegaram cerceamento de defesa no processo, já que ele não teve condições de rebater as acusações feitas por delatores na entrega do seu memorial. Dessa forma, Fachin ordenou que o processo de Lula retorne à fase de alegações finais, respeitando a nova regra de que os delatados devem apresentar suas defesas depois das acusações de colaboradores.
Em sua decisão, Fachin ainda afirmou que “não se trata de mácula processual”, mas de evitar que o processo seja conduzido com irregularidades. O ministro ainda deu a entender que espera um posicionamento do Plenário da corte para que haja uma decisão concreta em relação à defesa réus que foram delatados. “Nada obstante, considerando o atual andamento do feito, em que ainda não se proferiu sentença, essa providência revela-se conveniente para o fim de, a um só tempo, adotar prospectivamente a compreensão atual da Corte acerca da matéria, prevenindo eventuais irregularidades processuais, até que sobrevenha pronunciamento do Plenário.”, escreveu Fachin.
Novo capítulo
Em junho, Fachin já havia concedido “acesso restrito” da defesa ao acordo de leniência. Mas Luiz Antonio Bonat, substituto de Sergio Moro na 13ª Vara Federal de Curitiba, mesmo após a decisão do ministro do STF, não cadastrou os advogados de Lula na referida ação. Bonat requisitou posicionamento do Ministério Público Federal e da Odebrecht em relação ao pedido. Após as manifestações, a juíza Gabriela Hardt, substituta temporária de Bonat, voltou a negar o acesso da defesa ao acordo de leniência. Na decisão, Hardt fez coro com a posição do MPF, que alegou que não havia pertinência do acesso dos advogados ao acordo. Já a Odebrecht disse que as informações que seriam de interesse de Lula já estavam disponíveis à defesa do ex-presidente.
A defesa de Lula alega que o pedido não tem relação “apenas o acesso aos ‘sistemas’ da Odebrecht, e sim da íntegra dos autos de acordo de leniência firmado entre referido grupo empresarial e o Ministério Público Federal.” Segundo os advogados do ex-presidente, a afirmação de que a defesa teve acesso aos sistemas da empreiteira “não encontra amparo na realidade”. “Não houve possibilidade de acesso aos sistemas MyWebDay e Drousys pelo Assistente Técnico da Defesa; o Assistente Técnico Cláudio Wagner naquela oportunidade teve acesso apenas a documentos selecionados pela Polícia Federal para a elaboração do Laudo de Perícia Criminal Federal nº 0335/2018”, diz a petição que rebateu as alegações da 13ª Vara Federal de Curitiba.
“O duro é que estou aqui e o povo, que está em suposta liberdade, é vítima da maior canalhice jamais vista neste país. Um bando de incompetentes governa o Brasil”
Confiante em uma absolvição, Lula diz não aceitar piedade e que o estado terá de se responsabilizar pelos erros cometidos em seus processos.
Lembra Ricardo Stuckert, eterno retratista do ex-presidente, que eu, Mino Carta, visitei Lula preso em maio de 1980. Estava ele na carceragem do Dops, aos cuidados do delegado Romeu Tuma, que cuidava de trazer à presença do então sindicalista a mulher e os filhos, sem contar que lhe servia frequentemente lulas fritas. Fui visitá-lo em companhia de Raymundo Faoro e, recebidos fidalgamente, tivemos a possibilidade de uma conversa direta com o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo no próprio gabinete de Tuma, do qual o titular se retirou para nos deixar à vontade.
Passaram-se pouco mais de 39 anos e começamos a conversar, agora na Superintendência da PF em Curitiba, a partir dessa lembrança. No fundo, desde então, tudo piorou bastante, com o intervalo de um governo do próprio Lula, de esperanças hoje perdidas. Mas não pelo entrevistado, capaz de crer que, em prazo a ser definido pelo destino, ainda será reconhecido como vítima de um golpe que pretendeu impedir a sua participação nas eleições de 2018 e demonizá-lo, bem como ao seu partido. “A maior canalhice da história deste País”, conforme o injustiçado. A partir deste momento, as perguntas serão, independentemente de quem as fez, de CartaCapital. E o entrevistado receberá o tratamento de senhor, em sinal de respeito.
CartaCapital: Em todas as provas, a essa altura, mostram que você foi atingido como primeiro objetivo do golpe. O golpe começa pela Lava Jato, em 2014, e atingiu o alvo, pra impedir a sua eleição e demonizar você e o seu partido.
Lula: Em dezembro de 2013, logo depois da vitória da Dilma, e eu alertei a direção de que era importante que o PT começasse a dar-se conta do processo de criminalização do partido. O objetivo era tentar, em qualquer hipótese, evitar que houvesse 2018 com uma candidatura do Lula. Nunca consegui compreender por que a Operação Lava Jato, com mais de 200 que já houve, se transformou em uma instituição. Eles esqueceram que era uma operação policial para investigar um determinado tipo de crime e transformaram em uma instituição com o objetivo veementemente político. E está claro o papel preponderante da Secretaria de Justiça dos Estados Unidos. O objetivo final era não me deixar ser candidato, era quebrar as empresas de engenharia no Brasil, quebrar a indústria de gás e óleo, quebrar indústria naval, para que, tal como aconteceu no Iraque, as indústrias americanas e outras indústrias europeias viessem fazer aqui o que as brasileiras faziam. Isso está acontecendo nesse instante.
CC: Nós estamos aí, há quase três meses de revelações do Intercept. Todo dia aparecem novas. Dallagnol poupou uma empresária em troca de uma contribuição para um instituto ligado à Lava Jato. E ele mesmo pretendia ser candidato a senador. Mas até agora ninguém foi punido. A ação contra o Dallagnol foi suspensa no Conselho do Ministério Público. Ainda queríamos que o senhor comentasse o seguinte fato: em todas as pesquisas feitas recentemente, a maioria da população vê erros da Lava Jato, denuncia sua politização, mas acha que está tudo bem o senhor estar preso e o Moro continuar como ministro.
Lula: Nós, seres humanos normais, reagimos de acordo com as informações que nós obtemos. Quando você vai conversar comigo, num jantar à noite, você vai conversar comigo normalmente sobre as coisas que aconteceram durante a semana e não as coisas que vão acontecer no futuro. Então, a sociedade reage de acordo com a quantidade de informações que tem. A política foi demonizada, sempre mais, a começar de 2005 com mais força envolvendo a política e de preferência um partido como o PT.
CC: O Mensalão…
Lula: A partir de 2005, do Mensalão, cuidou-se de demonizar o PT. As pesquisas mostram que a sociedade brasileira está começando a enxergar o que está acontecendo. Até agora, esses canalhas dizem que o desemprego é por conta da Dilma. Eles se esquecem de dizer à opinião pública que, em dezembro de 2014, nós tivemos o menor desemprego da história do País. E que o desemprego começou quando eles começaram a boicotar o governo da Dilma, a partir da indicação do Eduardo Cunha para presidente da Câmara, que tinha como objetivo não permitir que nada que a Dilma fizesse pra melhorar fosse aprovado. Eles se esquecem disso, que eles jogaram o Congresso Nacional pra atrapalhar. Eles se esquecem de que o Aécio Neves é o responsável por parte do ódio que está criado nesse País com a alavancagem da Rede Globo de Televisão. Tudo que é da política não presta, tudo que o PT fez foi errado… E ainda hoje há uma doença na cabeça dessa gente de tentar mostrar que, no período do PT, não aconteceu nada. Pois o período do PT foi o de melhor distribuição de renda, aumento do salário mínimo, geração de emprego. A sociedade vai descobrindo isso. O problema é que a gente, às vezes, tem pressa. Eu, aqui, na minha celinha, fico sempre pensando: a democracia tem um problema, de vez em quando você perde. E quando você perde, quatro anos é muito pouco pra quem ganha, mas muito pra quem perde. Esperar quatro anos pra disputar outra eleição é muito difícil, e pra quem ganha, acaba logo. O PT tem que ter paciência, e ir mostrando para o Brasil que o País pode ser melhor. Nós precisamos trabalhar 24 horas por dia para arejar a cabeça da sociedade, primeiro pra diminuir o ódio, segundo, pra mostrar que o Brasil pode ser governado de forma diferenciada, e mostrar claramente quem é bandido nesse País. Por que eu sou agressivo contra o Moro e sou agressivo contra o Dallagnol? Eles construíram uma mentira, inventaram várias histórias. Eles sabiam que estavam errados. Moro é mentiroso, Dallagnol é mentiroso e que essa gente deveria ser exonerada a bem do serviço público.
Lula sobre Amazônia: “Quem taca fogo são os milicianos do Bolsonaro” Lula: “Esses canalhas dizem que o desemprego é por conta da Dilma” Lula diz que PT errou em 2014: “Colhemos o que plantamos” “Está claro o papel dos EUA na Lava Jato”, diz Lula a CartaCapital Lula ataca Eduardo Bolsonaro por indicação a embaixada: “Um serviçal”
CC: As instâncias que poderiam cuidar disso, principalmente o STF, nada fizeram. Agora, o senhor ainda tem esperança de que o Supremo irá avaliar o caso do senhor com a isenção necessária?
Lula: O dia em que eu perder a esperança, eu pego uma caneta dessa e me dou um tiro de tinta na cabeça. Eu me alimento de esperança, e também da certeza absoluta de que a sociedade brasileira ainda vai ouvir: eu fui vítima da maior canalhice política já cometida no País. Agora tudo isso, Lirio, na minha cabeça, é secundário se o sacrifício que eu estivesse fazendo hoje pudesse resolver o problema do povo brasileiro. Se eu estivesse aqui e o povo estivesse com pleno emprego, tendo aumento de ganhos salariais, estivesse comendo melhor, passeando melhor, morando melhor, estudando melhor… Era um sofrimento pessoal, mas o povo estava bem. Duro é que eu estou aqui e o povo que está em suposta liberdade é prisioneiro de uma canalhice jamais vista nesse País. Com um bando de incompetentes que não conhecem o Brasil, que não sabem o que é governar, porque até agora – oito meses de governo as únicas palavras que eles decoraram no dicionário são “corte” e “ajuste”. E Bolsonaro foi criado assim, ele acredita em toda asneira que fala, em toda bobagem, fala “não, ele está falando bobagem”, nada! Ele acredita naquilo e acha que aquilo é um charme.
CC: Por que o Haddad, na véspera da eleição, se pôs a fazer o elogio do Moro?
Lula: Eu não sei qual foi o contexto e qual foi a pergunta feita pro Haddad. Eu tenho consciência de que tem vários interesses em jogo no momento nesse País. Tem os interesses militares, interesses político empresariais, financeiros, e os interesses políticos. Acho que o interesse maior do chamado setor financeiro e setor empresarial é permitir que o Bolsonaro consiga desmontar os direitos que levamos décadas para conquistar.
CC: Mas por que o Haddad estava elogiando o Moro?
Lula: Repito, eu não sei qual é o contexto em que o Haddad falou. A verdade é que outro dia eu dei uma entrevista para uma moça aqui da BBC brasileira e ela perguntou da Lava Jato. E eu disse que a Lava Jato, enquanto operação, é igual a qualquer outra. Na hora em que virou uma instituição política, ela deixou de ser uma operação de apuração de corrupção pra ser uma operação política com objetivo definido. E aí eu falo pelo meu processo, eu não posso falar pelo processo que eu não conheço. Se tem um canalha que chegou aqui e resolveu se vender e fazer delação e diz que roubou, ele que seja preso pro resto da vida! Agora, o que eu quero saber é o seguinte: todas as pessoas têm direito a um julgamento decente. Toda pessoa tem direito a mostrar provas de crime ou de inocência, então eu pego o meu caso. No meu caso, a Lava Jato mentiu do começo ao fim e ela foi deformada, porque eu acho que muito dinheiro que os empresários falam que foi propina, na verdade era evasão fiscal. Isso, Mino, vai ter que ser apurado.
CC: Vamos lembrar que recentemente o presidente do Supremo, Dias Toffoli, deu uma entrevista à Veja e admitiu que houve um acordo entre militares e empresários com a participação dele e políticos com dois objetivos: impedir que o Bolsonaro fosse derrubado já com quatro meses de governo, e que o senhor fosse mantido preso. Como o senhor avalia uma declaração dessas, ou pelo menos a admissão de que “ele não desmentiu o conteúdo”?
Lula: Faz mais de 30 anos que não leio a Veja. Não acredito em nada que a Veja fala. Nada! Nem se ela falar que o “Lulinha” é santo eu acredito. Vamos analisar a pressão para que eu não fosse candidato. Essa gente não quer que o povo pobre tenha ascensão. Essa gente não quer que os mais pobres frequentem o Parque do Ibirapuera lá em São Paulo. Essa gente não gosta que o povo mais pobre viaje de avião, que tenha acesso a um teatro, à universidade, a um restaurante.
O Brasil está jogando fora a sua soberania, está batendo continência para a bandeira dos EUA. Esse é o mal maior
CC: A casa-grande precisa da senzala.
Lula: Acho que isso fez com que essa gente fosse alimentada desse ódio, só pode ser. Quando deixei a Presidência da República, eu brincava “vou sair com mais de 100% de aprovação”. Porque a última pesquisa do Censo mostrava que eu tinha 87% de bom e ótimo, 10% de regular, se somasse já dava 97%, e 3% de ruim e péssimo, que deve ter sido feito na minha casa, porque os filhos e a Marisa deviam estar de mal comigo. Ou feito lá no comitê do PSDB. Eu lembro que, quando eu deixei a Presidência, em São Paulo eu tinha 88% de bom e ótimo. Esse ódio foi alimentado desde que eu saí da Presidência. Eles sempre tentaram criar uma intriga entre a Dilma e eu, sempre. Não criou porque a Dilma tem uma cabeça boa e não se permitiu criar. Depois, eles começaram a negar a existência do sucesso do nosso governo. Não sei se vocês viram o Jornal Nacional, eu não vi, mas me contaram. Eles falaram do ProUni, das cotas… sem citar o meu nome. Obras de pai desconhecido!
CC: Claramente a deterioração da imagem do apoio ao Bolsonaro é a mais impressionante de qualquer presidente, desde o fim da ditadura. Ele está caindo em todas as áreas, em todos os campos, mas tem uma faixa entre 2 e 5 salários mínimos que ele ainda consegue o maior percentual de apoio. E é uma faixa que justamente teve uma melhora significativa de vida sobre os governos do PT. O que o senhor acha que aconteceu?
Lula: Ele cresce mais entre os mais ricos, é onde ele tem a maior força, no setor médio.
CC: Mas ele perdeu apoio nesse segmento.
Lula: Qualquer coisa que você perguntar vai ter entre 8 e 9%. Eu quando fui reeleito presidente do Sindicato em 98, tive 92% dos votos. Os meus adversários exploravam o fato de que 8% que votaram contra mim. Numa sociedade de 210 milhões de habitantes, você ter 10% que gosta de um fanático sempre vai acontecer. A maioria da sociedade começa a se dar conta do desastre que aconteceu em 2018. Quando Bolsonaro não tem um nome, ele chama um general como se ser general fosse símbolo de competência. O general não é formado pra dirigir a Fazenda ou a Educação. O general é formado pra dirigir as Forças Armadas em proteção à nossa soberania. E a nossa soberania tá sendo jogada fora. O Brasil está batendo continência para a bandeira americana. Esse é o mal maior. Não sei se você lembra, quando há uma guerra no Iraque, ou seja, as empresas que foram reconstruir Iraque eram empresas americanas, e só ia lá quem tinha participado da guerra do lado dos americanos. Pois bem, quem é que está entrando agora para ocupar o lugar das empresas que foram destruídas neste país? Empresas americanas.
CC: O golpe foi dado pelos Poderes da República.
Lula: Eu às vezes fico me perguntando por que nós do PT, em vez de fazer uma ação privilegiada na Câmara e no Senado em relação ao impeachment, não fomos primeiro ao STF. Como eu não sou advogado, não tenho certeza. Eu acho que nós fizemos uma aposta imaginando que tinha maioria no Congresso e nunca tivemos. Quem sabe se a gente tivesse ido à Suprema Corte, o debate fosse em outro nível… e a gente não ficaria se esgarçando como ficamos. Depois que a gente começou, só perdemos votos. Não ganhamos nenhum. Outra coisa, Mino, foi construída neste País a partir de junho de 2013, no começo das grandes manifestações e com a campanha do Aécio Neves, a radicalização. Outro dia eu estava dizendo aqui em uma entrevista que era preciso fazer uma comparação. Em 1999, o Fernando Henrique estava na mesma situação da Dilma em 2015. Ele estava com 8% nas pesquisas da opinião pública, a economia já tinha quebrado duas vezes. Mas o que salvou o Fernando Henrique Cardoso foi que o Temer entrou na presidência da Câmara facilitou a aprovação de todas as reformas que o FHC tentou fazer. O que aconteceu com a Dilma foi o contrário. Ela tinha o Eduardo Cunha, que trabalhou o tempo inteiro com a aprovação de pauta-bomba para dificultar a ação do governo. Então, tudo que a Dilma tentou fazer para reverter a situação, ela não conseguiu. Terminamos 2014 com 4,3% de desemprego.
CC: Mas o senhor acha que o que aconteceu com a Dilma foi só a sabotagem ou foram opções erradas? O ajuste que a Dilma propôs a fazer a partir de 2015 não é um ajuste errado?
Lula: O ajuste da Dilma começou a criar um problema na nossa base. Tudo isso já faz cinco anos, meu caro. O que não pode é essa canalhice ficar… “o Brasil queimou por conta da Dilma”, “o Brasil não sei o que lá por conta da Dilma”, não. Eu, quando ganhei as eleições do FHC, descobri a herança maldita e não fiquei xingando o FHC, fui consertar o Brasil. Quem é eleito é eleito para governar, não é eleito para diagnosticar. O bom médico não é aquele que descobre a doença, o bom médico é aquele que dá o remédio que cura.
CC: O senhor acha que o Bolsonaro completa o mandato? O PT ingressou com um processo de cassação no TSE. Seria um caminho?
Lula: Eu não fico torcendo para a desgraça ser maior do que já é. O meu problema não é o Bolsonaro, o meu problema é o projeto que ele representa. O Bolsonaro cai, com todas as sandices que ele fala, e entra o Mourão. Vai mudar o projeto? Eu estou vendo o Rodrigo Maia tentar se apresentar como primeiro-ministro, mas tudo o que a elite brasileira quer ele aprova na Câmara. O projeto está equivocado, não pensa o Brasil para os brasileiros. Não pensa em 210 milhões de seres humanos. Pensa o sistema financeiro… A Petrobras vai contratar sondas de exploração de petróleo. Vamos gastar 30 bilhões de reais para importar 12 ou 13 sondas, quando a gente poderia fazer aqui no Brasil, gerando emprego, salário, renda, impostos e alegria e orgulho para os brasileiros. Se quem governa é o Bolsonaro, é o Mourão, não importa. Nós não questionamos a vitória logo depois das eleições, deveríamos ter questionado, mas não o fizemos. O cara agora tem um mandato para cumprir. Em nenhum momento ele disse que ia ser eleito para destruir o Brasil. Ele deveria começar a mudar de comportamento e pedir para a sua Polícia Federal, para o seu Ministério Público entregar o Queiroz. Por que o Queiroz está escondido?
CC: Ele mora no Morumbi.
Lula: Se é o Lula, estaria lá o endereço do filho, do neto, do bisneto. O Queiroz foi se esconder aonde? Na Favela da Maré? Em Heliópolis? Não, ele foi se esconder no Morumbi, no antro que protege ele. Então, o meu problema não é pessoal. Eu não tenho problema com o Bolsonaro. Aliás, nem sei se algum dia ele fez algum discurso contra mim na Câmara quando era deputado. Se ele for honesto, ele terá de admitir que fui o presidente que melhor cuidou das Forças Armadas. E não cuidei por medo. Fiz, pois me pergunto: “Para que é que serve as Forças Armadas se não tem uniforme? Se não tem coturno? Se não tem arma? Se não tem preparo? Se não tem inteligência?” Era para defender quase 16 mil quilômetros de fronteira seca, quase 8 mil quilômetros de fronteira marítima, mais o pré-sal, que está na divisa, no limite da divisa marítima do Brasil. Os americanos têm a Quarta Frota e os militares brasileiros, de forma subserviente, aceitam indicar um general para integrá-la. A que ponto chegamos…
CC: O senhor citou a Polícia Federal e o Ministério Público. Hoje, em uma entrevista, o Bolsonaro deixa claro que o atual diretor da Polícia Federal vai ser trocado. E promete nomear um procurador-geral da República “alinhado”. O FHC fez a mesma coisa. Tinha um diretor da PF “alinhado”. Tinha um procurador-geral “alinhado”. Os governos do PT fizeram diferente. Respeitava-se a lista tríplice, deu estrutura e independência. O senhor se arrepende desse republicanismo?
Lula: A gente não pode ser criticado pelas coisas boas. Sou republicano porque eu acho que o Estado não é meu. Ser presidente não é uma profissão, é cumprir uma tarefa. Fui eleito com data para tomar posse e com data para sair. E eu tinha que governar pensando no povo brasileiro e não em mim. Eu falava para o presidente Chávez: “No Brasil, a gente não pode fazer o que você faz”, porque o Brasil não é meu. Não posso indicar para a Suprema Corte um amigo meu. Não posso indicar um procurador amigo. A minha formação política não permitia que eu agisse assim. Tenho falado aqui na sede da Polícia Federal, onde estou detido: “… a Polícia Federal vai se arrepender da bobagem que fez trabalhando para o Collor… Desculpa, Collor… Para o Bolsonaro. O Ministério Público também vai se arrepender”. Quanto mais republicano for o presidente da República, mais autonomia essas instituições vão ter para exercer a sua função. E, quanto mais autonomia tiverem, mais precisam ser responsáveis. Eu não quero um delegado meu amigo. Eu não quero um procurador meu amigo. Eu quero um procurador que seja procurador, que tenha respeito pelo povo, que tenha a capacidade de investigar e de acusar com seriedade, que cumpra o papel constitucional a ele determinado na Constituição. Não é uma República de amigos. Se um dia você, Lirio, ganhar um cargo público, nunca indique para trabalhar com você alguém que não possa mandar embora.
CC: O Bolsonaro pode demitir o Moro?
Lula: O Moro não serve para ser ministro da Justiça. Ele fez um curso de Direito, passou em um concurso, pegou uma toga e só. Esse cara não tem experiência de vida para exercer um cargo político.
“Não torço para a desgraça ser maior do que é. Meu problema não é o Bolsonaro, mas o projeto que ele representa. Se ele cai, entra o Mourão. E daí?”
CC: Mas o senhor acha que o Bolsonaro tem condições políticas, dados os arranjos feitos, para demitir o Moro?
Lula: Eu não sei. Não vou julgar, pois mandar ministro embora é uma questão unicamente do presidente da República. Não vou dar palpite no governo do Bolsonaro.
CC: Gleisi Hoffmann disse que a eleição de 2022 será uma disputa entre Bolsonaro e o PT. O senhor concorda?
Lula: Há um incômodo no meio político. Virou moda agora falar “precisamos acabar com essa polarização entre o PT e não sei quem”. Entre o PT e o Bolsonaro. É engraçado. Quando eram os tucanos que polarizavam conosco, eles não queriam acabar com a polarização. O PT é o maior partido do País. O PT vai ter uma disputa interna agora em 4 mil municípios. São 4 mil diretórios que vão votar na eleição direta para presidente do partido. São quase 2,5 milhões de filiados. O PT não é um amontoado de interesses eleitorais como o PSL. Se o Bolsonaro perder as eleições, o PSL acaba, desmancha que nem farinha. Que nem o PRN do Collor. O Brasil só tem um partido na concepção da palavra, organizado, com decisões nacionais, o PT. Há alguns outros partidos, como o PCdoB, histórico, desde 1922 tem uma briga entre o PCdoB e o PPS para saber quem é mais velho. O restante não passa de siglas eleitorais. Os caras trocam de partido como se trocassem de cueca. Tenho muito orgulho daquilo que o PT fez. E, se o PT errou, pague pelo erro.
CC: Mas o PT não chegou exatamente a criar uma consciência da cidadania em muita gente. Não conseguiu.
Lula: Mino, discuto muito isso com os companheiros. Eu não fui eleito para criar consciência ideológica, mas para governar o Brasil. O PT é que deveria ter tirado proveito das coisas boas que fizemos e conscientizar. Comecei a minha vida política como admirador do PCI. Achava o Partido Comunista Italiano a coisa mais perfeita em termos de organização política. Tive o prazer de sentar à mesa ao lado do Enrico Berlinguer. Eu conheci bem o Partido Comunista Italiano e era muito fã. Depois percebi que ele não passava de 30%, 33%, nas eleições.
“O Zé Alencar como vice foi obra-prima”
CC: Chegou a 36%.
Lula: Eu cheguei à conclusão de que o PCI não queria ganhar as eleições.
CC: Mas havia um projeto de aliança…
Lula: Aconteceu o mesmo com o PT. Quando fui disputar a quarta eleição, tinha a consciência de que não podia ser candidato para ter 30%. Precisava de 50% mais 1. Daí por que eu descobri a minha obra-prima chamada José Alencar. Eu não queria ir a uma festa comemorativa dele. Fui por que o Zé Dirceu me encheu o saco. Aí eu ouvi o discurso do Zé Alencar. Mino, ele falava e eu pensava: “Descobri o meu vice”. Ninguém na história teve um vice da competência do Zé Alencar. Empresário de primeira, ser humano de primeira, alma de primeira. E era de uma honestidade, de uma solidariedade… Mesmo assim, não foi perdoado pela elite. A coisa que mais me deu ódio foi, na campanha da Dilma, ele no estágio final, não aguentava nem ficar em pé por causa do câncer, ver os vizinhos dele, naquele bairro chique em que ele morava, fazer assim (gesto com o polegar para baixo). Sinceramente, tem uma parte da elite que não vale o que come.
CC: Outros tempos.
Lula: Vamos ser francos, a sua geração é um pouquinho mais velha que a minha. Mas a gente é do tempo do Antonio Ermírio de Moraes, do Bardella. Gente que pensava neste País, na indústria. Quem tem hoje? Cite um empresário. Não tem. O Brasil fez uma opção, ainda nos tempo do Collor, de desmontar a indústria. Quando eu cheguei na Presidência, a gente resolveu fazer ferrovia, mas o Brasil não produzia mais trilho. Importava da Polônia, da Itália. Não fazia mais dormente, não tinha mais engenheiro naval, não tinha mais engenheiro ferroviário. Tudo isso nós recriamos. Um país soberano é aquele que toma conta do seu nariz. Não por bravata. A forma de ser importante no mundo é ter conhecimento. Hoje não se é importante por exportar máquinas, por exportar soja, mas por exportar engenharia e conhecimento. Para se transformar em uma nação soberana, o Brasil precisa fazer o contrário do que faz o governo Bolsonaro: acreditar que educação é investimento. Que bolsa para formar gente no exterior não é gasto, é investimento. Que colocar pobre na universidade é investimento. Que fazer os cidadãos comerem três vezes ao dia é investimento. Esses canalhas repetem “aquilo é culpa do PT, o desemprego é culpa do PT”. Devem lavar a boca antes de falar do PT. O Brasil ainda não quebrou por causa dos governos do PT. Se não fosse a nossa decisão de fazer uma reserva cambial de 380 bilhões de dólares, o governo estaria mendigando ao Fundo Monetário Internacional, ao Banco Mundial. O Brasil chegou a ser a sexta economia do mundo e hoje é governado por um presidente orientado por um sujeito que acredita que a Terra é plana. Eu, sinceramente, custo a crer que nos demos esse presente. Ou seja, que o Brasil deu a si próprio um presente tão destruidor. Como se tivesse passado um furacão na Flórida e o Brasil falasse “não, vem para cá”, e trouxe o furacão para cá.
“Haddad tem uma vantagem sobre os outros: estar no maior partido do Brasil”
CC: Esse furacão tem um objetivo. O Paulo Guedes tem manifestado, sempre que pode, a intenção de privatizar a Petrobras. O senhor acha que eles vão conseguir?
Lula: De vez em quando fico nervoso, sabe? O povo brasileiro não sabe ainda os efeitos da Lava Jato na economia brasileira. Tem muitos números sofisticados. Ela precisa destrinchar isso em uma linguagem popular. Nós precisamos dizer para o povo quantos milhões perderam emprego. São quase 50 milhões de brasileiros trabalhando na informalidade, fazendo bico…
CC: Mas isso é uma falha do PT.
Lula: Talvez seja do PT, talvez seja de todo mundo. Temos de informar a sociedade, pois eles recorrem a um discurso fácil. “Ah, na hora que faltou oxigênio, é culpa do PT. Ah, não deu certo, é culpa do PT”. O PT, gostem ou não, produziu a mais extraordinária distribuição de renda no País. Nunca, vou dizer de boca cheia, nunca, em nenhum momento da história, o Brasil viveu um experimento tão extraordinário de ascensão social.
CC: Por que o campo progressista, os partidos ditos de esquerda, não conseguiu capitalizar o descontentamento da sociedade com Bolsonaro?
Lula: Leva um tempo. Tudo é um processo. A vitória de Bolsonaro precisa ser relativizada. Ele teve o apoio de 39% do conjunto da sociedade, 55% dos votos válidos. Ou seja, 61% do povo disseram não ao Bolsonaro. Não é pouca coisa. O que precisamos ter consciência é de que a única coisa que não vale agora é ficar nervoso e dormir todo dia falando “Bolsonaro tem que cair”. Precisamos alertar a sociedade sobre o processo de destruição em andamento e tentar começar a fazer o povo se manifestar para não permitir essa destruição.
“O PCI de Berlinguer era a “mais perfeita organização política”
CC: Quem vai alertar?
Lula: Temos liderança em todos os movimentos. Nós temos gente boa. Foi lançada uma carta ao povo em defesa da soberania. Precisamos dizer para a sociedade que não dá para aceitar um ministro da Educação grosseiro como este. Não dá para aceitar um ministro do Exterior deste naipe. O povo tem de ir para a rua exigir respeito. Não sou contra o Bolsonaro indicar o filho dele. A culpa é do Senado, que vai assumir a responsabilidade. Se o filho fosse um gênio, ao menos um Celso Amorim, tudo bem. Mas indicá-lo porque aprendeu a fritar hambúrguer? Não é possível, precisamos de alguém com um pouco mais de finesse intelectual, de conhecimento de política externa, economia e comércio. A embaixada nos Estados Unidos é a mais importante. Quanto mais independente for o embaixador, melhor. Colocar um serviçal é um erro.
CC: O Haddad desempenha a contento o papel de principal opositor? O senhor está satisfeito com o que ele tem feito?
Lula: O Haddad foi uma surpresa extraordinária para o PT. É um quadro altamente qualificado, como outras lideranças na oposição. O PT tem o Rui Costa, governador na Bahia, estado mais importante do Nordeste, e o Camilo Santana no Ceará. Tem o Flávio Dino, o Ciro Gomes, o companheiro Guilherme Boulos, outros governadores, um monte de gente boa. Qual é a vantagem do Haddad? Ele está no partido mais importante, o que tem mais voto, mais experiência.
CC: Por que o senhor é contra ele assumir a presidência do PT?
Lula: O Haddad saiu fortalecido da eleição presidencial, ele deveria ser alguém com a capacidade de conversar com amplos setores da sociedade, não apenas com o PT. Se ele vira presidente do PT, ficará marcado com a estrela do partido e será mais difícil fazer contato com outras forças políticas. Então, ele tem que ter mais essa facilidade. É isso que eu penso do Haddad. O papel dele é viajar o Brasil, debater com o Brasil, ajudar na formação política, fazer debate no exterior.
“Não sou pombo-correio. Se quiserem colocar uma corrente, coloquem no pescoço do Moro, não na minha canela. Só saio daqui com a minha inocência total”
CC: E elogiar o Moro também, né?
Lula: Sou do tempo em que muita gente elogiava o Moro. Quem criticava eram somente a vítima e os advogados.
CC: CartaCapital também.
Lula: Toda vez que o meu advogado enfrentou o Moro, veio conversar comigo. E a minha decisão foi a seguinte: não tem trégua. Estou aqui há um ano e meio, e isso vai ter um preço quando eu sair daqui. O Estado vai ter de se responsabilizar. Não adianta vir com favor, não estou precisando. Não adianta falar: “Ah, coitado do Lula, ele já tá com 74 anos, deixa ele ir para casa fazer prisão domiciliar”.
CC: O senhor não vai mesmo aceitar?
Lula: Falam “vamos colocar uma tornozeleira nele”. Não sou pombo-correio. Se quiserem colocar uma corrente, coloquem no pescoço do Moro, não na minha canela. Só saio daqui com a minha inocência total. Ou esses canalhas provam que errei ou vou provar que eles são uns canalhas e vão ficar desmoralizados. Fui criado por uma mulher que nasceu e morreu analfabeta, passou fome juntamente com os filhos, mas me deu dignidade e disso eu não abro mão. Dignidade e caráter, Mino, a gente não encontra nos shoppings, aeroportos e supermercados. Dignidade a gente encontra na nossa formação de berço.
O objetivo é dilapidar as nossas riquezas, diz Lula
CC: Se o senhor for inocentado, será candidato em 2022?
Lula: Como é que posso falar? Eu estou com 74 anos. Estou novo. O Mino sabe que eu sou um cara de muita energia. Estou até pensando em casar (risos). Obviamente vai ter gente muito mais nova, com muito mais disposição.
CC: Mais disposição do que você?
Lula: Não sei. Antes eu preciso sair daqui, saber como é que estou, como estão as forças políticas. Obviamente tem um monte de gente de 40, 50, 60 anos que pode ser candidato e eu me contentaria em ser cabo eleitoral, não tem problema. Agora, se não tiver ninguém capaz de derrotar essa podridrão da elite brasileira, pode ficar certo que o Lula estará no jogo.
CC: E será diferente? O senhor sempre foi um conciliador por natureza, até pela história sindical. Acredita ainda em uma conciliação?
Lula: Conciliação haveria se eu tivesse feito uma guerra, matado metade dos adversários e, depois de ganhar, fosse negociar. Mas eu ganhei uma eleição nas circustâncias que aconteceram. De 513 deputados eu tinha 91. De 81 senadores eu tinha 10. Não tem conciliação, você tem de negociar para governar. É assim no mundo inteiro.
“Trump usou os mesmos métodos de Bolsonaro para vencer”
CC: Calma, veja, até a mídia vendeu essa ideia do “Lula é paz e amor”…
Lula: Não, fui eu que vendi essa ideia. O “paz e amor” é uma frase minha, se alguém utilizar indevidamente é plágio. O lado adversário me pintava como demônio. Em 1989, a Igreja Universal fez um jornalzinho com a seguinte manchete: “Lula: o demo”. Se o PT ganhar, se eu ganhar, se a esquerda ganhar, quem ganhar terá de conversar com outras forças políticas. A não ser que faça a maioria na Câmara, no Senado, mude completamente os 11 integrantes da Suprema Corte. Há uma dinastia. Tem uma coisa que a CartaCapital poderia pesquisar: a árvore genealógica dos representantes do Judiciário. Estão aí desde a Independência.
“Se eu fosse chefe da Casa Civil, o Brasil teria dois presidentes”
CC: Mas os governos do senhor e da presidenta Dilma Rousseff tiveram a chance de nomear 13 ministros no Supremo.
Lula: Não tivemos chance… Não é assim que se escolhe. Não se pode fazer indicação de compadrio. Qual foi o critério? Não sou advogado, não conheço os nomes. Consultava gente importante, via o currículo e o histórico. Nunca sentei com alguém para falar: “Olha, você será escolhido, mas terá que votar em mim”. Não tem gente que casa e um mês depois está separado? Não tem time que contrata um jogador por uma fortuna e um mês depois o cara tá fora porque não prestou? Indicamos profissionais da área. Agora, quando o cara bota a toga, ele pode se achar Deus, sabe? Pode pensar “quem é um presidente perto de mim, um governador? Eu sou o fulano de tal”. Tenho o orgulho de nunca ter pedido um favor. Eles não foram indicados para me favorecer, mas para cumprir exatamente o que está escrito na nossa Constituição.
CC: Mas não cumprem.
Lula: Não é culpa minha. O ideal seria que o presidente que indica pudesse destituir em função de um critério. O cara é indicado, tem uma lista de compromissos, se faltar em algum, sai imediatamente.
“O Bolsonaro não vai sobreviver politicamente. Não estou dizendo que ele vai cair hoje ou amanhã, mas não vai sobreviver a uma nova eleição”
CC: O senhor acha que o Trump vai ser reeleito? Qual seria a consequência para para o Brasil e para o Bolsonaro?
Lula: Primeiro vamos ter clareza, o Trump ganhou por ter utilizado a mesma metodologia usada aqui no Brasil em 2018. Ele é resultado do ódio, da discórdia e da mentira. E a Hillary Clinton não era a melhor candidata. Os EUA mereciam algo melhor, como nós. Qualquer um tem a possibilidade de se reeleger se a economia estiver bem. Ou, no caso dos Estados Unidos, se inventar uma guerra, um inimigo externo. O Bolsonaro tenta crescer sobre o Emmanuel Macron para tentar mostrar que é nacionalista. Ele não é nacionalista, é entreguista. Um presidente da República que vai passar para a história por bater continência para a bandeira americana e lambendo as botas do Trump. Não é nacionalista. E os militares que participam desse governo também não são nacionalistas.
CC: O Bolsonaro convocou os brasileiros a saírem de verde no 7 de Setembro para mostrar patriotismo e apoio ao governo. O que o senhor acha?
Lula: Como eu era republicano, eu convidava o povo para ir à rua com a roupa que quisesse. Habitualmente, se você pegar todas as fotografias históricas do 7 de Setembro, tem muita gente de verde e amarelo, com a camisa da Seleção. O povo usa a camisa brasileira com orgulho, não por causa dele. Eles tentaram usurpar o verde-amarelo. A Argentina é uma lição a ser seguida pelos brasileiros. O Macri foi vendido como uma mentira maior do que o Bolsonaro aqui. Aliás, o Bolsonaro se mirava no Macri como espelho do bom governante. Não deu certo. Na minha opinião, o Bolsonaro não vai sobreviver. Não estou dizendo que ele vai cair hoje ou amanhã, mas não vai sobreviver politicamente a uma nova eleição. E acho que os setores progressistas vão retomar vários países, pois seus governos deram certo. Qual é o melhor país da América Latina hoje? A Bolívia.
“Deveríamos imitar a Argentina”
CC: O que o senhor achou da decisão da Cristina Kirchner de, diante da perseguição que vive lá, ter aceitado o posto de vice?
Lula: A Cristina avaliou várias coisas. Acho uma decisão acertada. Muito bem acertada. Espero que dê certo.
“Não fizemos política corretamente. A Dilma, o PT, eu, todos erramos e colhemos o que plantamos. A direita ensadecida agora quer destruir as conquistas sociais”
CC: O senhor se dá conta de que, se tivesse dito para a Dilma quando foi reeleita: “Eu vou ser o seu chefe da Casa Civil”, no lugar de fazer isso quando já era tarde, as coisas seriam diferentes?
Lula: No Palácio do Planalto, em nenhum palácio do mundo, cabem dois presidentes. É preciso saber as circunstâncias que, naquela época, depois da 1 hora da manhã, eu ter dito “sim”. Não achava conveniente politicamente, pois entraria como o salvador da pátria. Mas não vamos discutir isso agora, é desagradável. Se eu tivesse que citar um erro, é o de não ter assumido que eu era candidato em 2014 e não assumi porque gosto da Dilma, respeito ela e democraticamente ela tinha o direito de ser candidata. Depois, querer governar no lugar, não dá, na minha cabeça não dá. Não fizemos política corretamente. A Dilma, o PT, eu, todos erramos e colhemos o que plantamos. A direita ensandecida agora pretende destruir o pouco que tínhamos conquistado na área social.